A situação dos municípios capixabas atingidos pelo crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP foi relatada nesse sábado (12) ao grupo de trabalho das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos, que realiza pela primeira vez uma visita ao Brasil. Os casos do Espírito Santo foram levados aos especialistas da ONU por representantes do Fórum Capixaba de Entidades em Defesa da Bacia do Rio Doce, criado após o rompimento da barragem em Mariana (MG).
A reunião com os relatores da ONU Pavel Sulyandziga (Rússia) e Dante Pesce (Chile) foi realizada em Belo Horizonte, capital mineira, após a participação dos integrantes do Fórum em uma plenária que reuniu mais de 100 movimentos sociais do País.
Juliherme Piffer (Xaba), Carlos Humberto de Oliveira, Rosemberg Moraes Caitano, Erick Mazei e Cinthya Paiva denunciaram aos especialistas da ONU o descaso das empresas e do poder público em relação às comunidades impactadas em Baixo Guandu, Colatina e Linhares, e o caso específico da foz do Rio Doce, em Regência.
Além de apresentarem um vídeo produzido pela comunidade de Regência, que retrata as horas que antecederam a chegada da lama, Erick Mazei e Cinthya Paiva enviarão aos especialistas um documento com os principais dados dos impactos da onda de rejeitos da mineração aos municípios capixabas.
Na plenária que antecedeu a reunião com os especialistas da ONU, os membros do Fórum também tiveram a oportunidade de apresentar o manifesto de criação do grupo, que reúne 75 entidades da sociedade civil organizada. O objetivo, como mostra o documento, é atuar no controle das ações da Samarco/Vale-BHP para a mitigação dos danos; no monitoramento das ações de responsabilização; na cobrança da adoção de medidas capazes de prevenir novas tragédias; e na articulação regional, nacional e internacional, para que este não seja apenas mais um crime na história brasileira.
Segundo Carlos Humberto, da Juntos-SOS Espírito Santo Ambiental, o povo indígena Krenak, as comunidades ribeirinhas, quilombolas e pescadores também manifestaram revolta pelo tratamento que têm recebido da Samarco e dos governos diante da gravidade do crime.
No domingo (14), os representantes do Fórum estiveram em Mariana, onde participaram da abertura do Encontro do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração com atingidos de 16 estados. Além dos casos das comunidades que sofrem os impactos do rompimento da barragem, as entidades discutiram a proposta do novo Código da Mineração. O relatório do deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG), financiado por empresas do setor, é considerado pelas 27 entidades que integram o Comitê “um dos maiores golpes à sociedade e ao meio ambiente em curso no País”.
Os especialistas da ONU ficarão no País até próximo dia 16, quando apresentarão, em Brasília, as observações preliminares das visitas realizadas na capital federal, em Mariana, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Altamira e Belém. As conclusões definitivas e as recomendações dos especialistas serão incluídas em um relatório oficial a ser apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2016.
O Grupo de Trabalho foi estabelecido em 2011. É composto por Pavel Sulyandziga (Rússia), Dante Pesce (Chile), Michael Addo (Gana), Margaret Jungk (EUA) e Puvan Selvanathan (Malásia).
Investigação independente
No início deste mês, o Fórum Capixaba de Entidades em Defesa da Bacia do Rio Doce acionou a ONU para que apoie uma investigação independente dos impactos gerados pelo rompimento da barragem. As entidades justificam essa necessidade, que apontam como urgente, no fato de que as informações disponíveis para a população até agora se mostram controversas e com “fortes evidências de distorção”.
O documento informa que existem 27 mil minas produtoras no Brasil e o órgão responsável por supervisionar a atividade, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), tem somente 220 técnicos. Destes, apenas 12 são treinados para inspeção de barragens, o que possibilitou o monitoramento de poucos projetos este ano – 60. Da mesma maneira, já são 662 as barragens registradas no DNPM como rejeitadas por possibilidade de riscos e danos – 32 de alto risco, 96 de médio risco, e 535 de baixo risco.
As entidades também querem intervenção das Nações Unidas para garantir a proteção imediata das populações atingidas por meio de cobranças ao governo, mas, principalmente, às empresas.
O Fórum relata à ONU sobre a fragilidade das instituições, inclusive do próprio Judiciário, que apresentou decisões contraditórias e distintas no caso. Outra preocupação manifestada no documento é a influência das controladoras da Samarco nas autoridades públicas, especialmente os políticos. O Fórum lembra que somente a Vale e suas subsidiárias investiram R$ 46,5 milhões nas campanhas eleitorais de 2014.
Ao contrário do que tem propagado as empresas e o poder público, as entidades do Fórum reiteram no documento que a lama é tóxica.