A manobra contábil permite que os gastos com pessoal no segundo quadrimestre deste ano caiam de 6,32% da Receita Corrente Líquida (RCL) do Estado para 5,74% da RCL, abaixo do limite máximo previsto na LRF (6%). No entanto, a Corte se mantém acima do limite prudencial (5,7%), que é o último degrau antes do teto previsto em lei.
Na decisão publicada nesta quinta-feira (17), a juíza se esforça na tentativa de demonstrar a legitimidade da Amages para ingressar com este tipo de ação em favor do Poder Judiciário, que é a parte interessada na demanda, além de garantir a procedência da tese da entidade de classe. Paula Mazzei cita uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3889), em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), que trata sobre o mesmo questionamento sobre a incidência ou não do Imposto de Renda no cálculo da despesa total com pessoal (DTP) para efeitos da LRF.
Nos autos do processo (0031115-46.2015.8.08.0024), a entidade de classe sustentava que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) havia fixado entendimento pela exclusão dos valores retidos na fonte incidentes sobre a remuneração paga a servidores públicos no ano de 2003 (Parecer consulta TC 018/2003), mas que mudou seu entendimento em decisão no ano de 2011, que estaria “maculada por nulidade”.
Para tanto, a juíza faz uma dupla interpretação do texto das normas de responsabilidade fiscal, um pelo lado contábil e outro por financeiro: “Pensar de modo diverso, conforme já destacado, ensejaria a distorcida situação na qual, sob o ponto de vista financeiro, computar-se-ia o montante do IRRF como ‘despesa com pessoal’, para fins de cálculo do limite de gasto com pessoal, sem que houvesse seu efetivo ingresso como ‘receita’, o que criaria situação desequilibrada”, considerou.
Paula Mazzei também demonstrou o desconforto causado pelas declarações de que a manobra fiscal seria uma “pedalada”, insinuação feita pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) e pelo próprio governador Paulo Hartung (PMDB). “Não se trata, aqui, de ‘drible’ ao limite fiscal estabelecido, mas adoção de entendimento jurídico incidente em situação de natureza híbrida, qual seja, financeira e contábil, cujas ciências, isoladamente, seriam incapazes de legitimar a incidência”, avaliou a juíza, que chegou a citar a “omissão do legislador” para definir a questão em lei.
Chama atenção que a sentença dedica um espaço quase semelhante ao julgamento do mérito à defesa da legitimidade da Amages para ingressar com tal tipo de processo. Para isso, a juíza Paula Mazzei fez uma verdadeira colcha de retalhos, a fim de justificar a atuação da entidade de classe, que assumiu o papel que deveria ser exercida pela administração do Tribunal de Justiça, caso entendesse ser necessária uma intervenção neste caso. Ela cita até mesmo as recentes medidas de “ajuste fiscal” adotados pelo desembargador Sérgio Bizzotto, que congelou o salários de magistrados – muito embora a maior perda de direitos tenha sido registrado entre os trabalhadores da Justiça estadual.
“Embora se reconheça que a presente demanda tenha por pretensão interesse direto da administração do TJES, entende-se pela pertinência subjetiva da Amages eis que a questão ecoa na classe dos magistrados estaduais, face as medidas administrativas recentemente adotadas pela gestão atual do TJES em detrimento da dita categoria. […] Em que pese se tratar de demanda revestida de singularidade por constar no polo ativo associação de classe em prol dos interesses do Tribunal, dada a sua natureza ímpar, permanece-se lançando mão dos diplomas legais de Direito Coletivo para subsidiar a ‘legitimidade ativa’ da entidade de classe”, narra um dos trechos da decisão assinada nessa terça-feira (15).
E concluiu: “Além disso, para fins de validação da Amages como parte ativa da causa, vale salientar que o próprio presidente do Tribunal de Justiça, por meio de Ofício nº 856/2015, solicitou que a Associação promovesse o ajuizamento de ação cabível, ante a ausência de outra instituição para fazer as suas vezes, sendo que aquela, somente após realização de análise de interesses, sob um critério de valoração dos reflexos que poderiam advir para seus associados, optou por acolher o pleito contido no ofício supracitado, a chancelar de uma vez por todas a iniciativa da Amages”.
A decisão também menciona a crise financeira do País, cujos reflexos atingem o Espírito Santo e o Judiciário local. “Devido aos cortes significativos efetuados pelo Poder Executivo na proposta orçamentária apresentada pelo Poder Judiciário para o exercício de 2015, provavelmente em razão da queda de receita e atrofia do PIB estadual, gerou-se entrave de difícil resolução na gestão administrativo-financeira do Tribunal de Justiça local, especialmente em decorrência de sua robusta estrutura institucional”, afirma a juíza, retirando qualquer responsabilização aos gestores do tribunal por problemas na administração financeira – que foi admitida pelo próprio Bizzotto em entrevistas à imprensa.
Além da elaboração de um novo relatório de gestão fiscal já com os dados “atualizados”, a juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública condenou o Estado ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.