O governo do Estado não adota procedimentos de outorga ou licenciamento ambiental para captação de água subterrânea por meio de poços artesianos, utilizados em larga escala pela Vale e ArcelorMittal. A informação consta em ofícios de respostas a requerimentos do deputado estadual Gilsinho Lopes (PR) direcionados à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Seama).
A utilização dos poços compromete a água subterrânea da Grande Vitória, que é reserva social e deve ser priorizada para o consumo da população. A exploração do recurso pelas empresas contaminou os aquíferos com poluentes, mas o governo do Estado, embora permita a captação, não avalia os impactos. Quem realiza os estudos são as próprias poluidoras.
A gestão estadual, por meio da Agência de Recursos Hídricos (AERH), alega que “não possui critério” para isso e também não dispõe de “estudos hidrogeológicos que permitam obter o tempo de recuperação dos aquíferos acessados no Estado”.
A perfuração dos poços é feita sem a exigência de licenciamento ambiental ou autorização, segundo o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), porque “não há instrumento legal que exija o prévio licenciamento ambiental ou autorização para perfuração de poços. Esta avaliação, diz, “normalmente” está vinculada ao licenciamento dos próprios empreendimentos, concedidos décadas atrás.
Mas deveriam ter, tanto que os próprios órgãos informam sobre o “desenvolvimento de um cadastro estadual e normatização pertinente ao tema, para termos condições de estruturar a base hidrogeológica do Estado”. Anunciam as primeiras publicações para o início de 2016.
Sem normas específicas, hoje as empresas apenas precisam, conforme instrução normativa da Agência Nacional de Águas (ANA), fazer o registro no Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos (CNARH), primeira etapa para a regularização quanto ao uso das águas subterrâneas, e depois acionar o órgão ambiental estadual com os pedidos para a abertura dos poços.
No Estado, as empresas não enfrentam qualquer dificuldade em abrir poços, nem mesmo em plena crise hídrica, como ocorreu no início deste ano. Na época a Vale perfurou dois poços dos cinco permitidos pelo Iema em sua planta no Complexo de Tubarão, com vazões máximas de 115 metros cúbicos por hora – os documentos não permitem saber se, hoje, todos já estão perfurados. No mesmo período, a Arcelor Tubarão também solicitou a perfuração de “novos poços” – não informa a quantidade nem se já operam -, com vazões máximas de 200 metros cúbicos por hora. A siderúrgica também capta água subterrânea na unidade de Cariacica.
O Iema justificou a medida como necessária para que “o sistema produtivo das empresas não sofressem impactos significativos”. E, que, ao analisar os pedidos, “ficou constatada ausência de instrumentos técnicos e legais que poderiam proibir, inibir ou restringir tal prática”. Além disso, informou que pediu novos estudos à Vale – a Arcelor na época ainda não havia perfurado os poços -, mas não os apresentou.
“Até que não se tenha o parecer técnico conclusivo, entende-se que não há irregularidade no trâmite do processo e na atividade de captação”, informou o Iema nos ofícios ao deputado.
Gilsinho questionou o órgão sobre os licenciamentos ambientais para a perfuração dos poços pela Vale e ArcelorMittal em maio deste ano. O processo só retornou à Assembleia seis meses depois.
Riscos
A Vale, que tinha sete poços em 2007, passou a 87 em 2015. Na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Pó Preto da Assembleia Legislativa, concluída neste ano, a empresa mentiu ao transformar os 87 poços para seu abastecimento em piezômetros (furos que servem para monitorar os níveis da água nos aquíferos). Em 2007, dos sete poços artesianos existentes, dois eram piezômetros.
As unidades da ArcelorMittal Tubarão e Cariacica, assim como a Vale, são grandes consumidoras da água subterrânea.
No caso da Vale, em ação civil pública que tramita na Justiça Federal, a Prefeitura de Vitória requer a proibição da empresa de perfurar poços artesianos. A medida deve ser determinada ainda aos vizinhos, que correm risco de contrair doenças, devido à contaminação dos aquíferos com bactérias e componentes químicos, que ameaçam ainda a agricultura e a pecuária (irrigação e dessedentação de animais).
A prefeitura se baseia, para isso, em análises do solo e das águas subterrâneas que mostram concentração de compostos inorgânicos acima das normas e padrões previstos nas Resoluções 420/2005 e 396/2008, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
O problema também foi levado ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comdema) pelo conselheiro Eraylton Moreschi Junior. Ele questiona a legalidade do uso de todos os poços artesianos das empresas e se as condições de uso desta água estão em acordo com a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH).