O deputado estadual Gilsinho Lopes (PR) enviou à Justiça Federal para inclusão na ação originada do inquérito da Polícia Federal que interditou as atividades da Vale e da ArcelorMittal no Complexo de Tubarão, o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Pó Preto da Assembleia Legislativa, concluída em outubro do ano passado.
No documento, encaminhado à 1ª Vara Criminal de Vitória e ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), ele informa que a investigação realizada pelos deputados respalda a decisão de interdição em decorrência do crime ambiental praticado pelas empresas e, da mesma maneira, ratifica o resultado da CPI do Pó Preto da Câmara de Vitória, “concluindo pela veracidade da responsabilidade da Vale e ArcelorMittal na localidade de Ponta de Tubarão”.
Segundo o deputado, o objetivo é colaborar com a investigação, já que o inquérito só faz referência ao resultado da CPI da Câmara.
O trabalho realizado pelos vereadores da Capital, que divulgou seu relatório final em agosto do ano passado, engrossa o recurso da Vale no processo contra a interdição de Tubarão, medida que foi acatada pelo TRF-2 no último dia 25, impondo o prazo de 60 dias para a poluidora adotar medidas para reduzir a emissão de pó preto e o derramamento de minério e carvão no mar de Camburi.
A mineradora apresentou nos autos do processo as oitivas do então presidente da CPI da Câmara, Davi Esmael (PSB), e dos vereadores Vinícius Simões (PPS), vice-presidente, e Rogerinho Pinheiro (PHS), relator, em inquérito civil (nº 2015.00236565-68) conduzido pelo promotor Marcelo Lemos Vieira, para apurar irregularidades na investigação. Os três assinaram o relatório final, mas recuaram.
Além da responsabilidade das empresas, a comissão destacou a omissão dos órgãos no combate à poluição do ar – prefeitura, governo e Ministério Público Estadual (MPES) – e as “relações promíscuas” entre o poder público e as poluidoras. Há, ainda, críticas ao Termo de Compromisso Ambiental firmado com a Vale, conduzido pelo promotor, que é titular da 12ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória.
Os depoimentos foram colhidos no mesmo mês de conclusão do relatório e apontam que houve manobra na finalização do documento, que atribuem ao ambientalista e coordenador da Juntos – SOS Espírito Santo Ambiental, Eraylton Moreschi Júnior. Ao contrário da Vale, Moreschi não teve acesso ao inquérito anexado à ação da Justiça Federal.
Não leram?
Em seu depoimento ao promotor Marcelo Lemos, o vereador Vinícius Simões se disse “indignado por identificar até o presente momento que pelos menos 70% do que está incluso nas conclusões do relatório – referentes aos itens 9 e 10 – foram modificações feitas a sua revelia”. (Clique aqui e veja a íntegra do depoimento Vinícius Simões)
Ele nega que tenha citado algum tipo de inoperância de qualquer um dos órgãos participantes do TCA com a Vale e que não concorda com as “críticas infundadas” do relatório que afirmam que o acordo foi fundamentado em “atos viciados e nulos de pleno direito”.
Simões diz não concordar, também, que em virtude da poluição do ar da Grande Vitória, algum cidadão capixaba tenha vindo a óbito e que não teve ciência da existência de relação duvidosa entre o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama) “de forma de que essas empresas não estariam agindo com transparência e ética no trato da questão ambiental e poluição”.
O vereador afirma que não acha que os métodos de fiscalização não são seguros e não possuem auditoria, nem que a concessão e manutenção das licenças ambientais e empresas são concedidas tendo como modus operandis a utilização de informações não certificadas.
Simões discorda ainda da perseguição feita pela Vale a ambientalistas e a prática de lobby com os poderes executivos, legislativo e Ministério Público, e de que as “empresas se utilizam dos benefícios fiscais para valerem-se elas própria de firmarem relações de parcerias com aqueles que serão responsáveis por embasarem as orientações dos órgãos de fiscalização”.
Ao contrário, Simões diz reconhecer que “existem várias providências adotadas pelo Ministério Público no combate à poluição do ar e ao pó preto” e não vê “nenhum problema em se referir aos atores envolvidos como sendo parceiros para a solução do problema”.
Apesar dos inúmeros depoimentos da CPI, o vereador alega que “não houve a produção de provas que pudessem justificar o teor da conclusão final dos trabalhos” e atribuiu as alterações à manobra do presidente da comissão, Davi Esmael, em conjunto com Moreschi. Para finalizar, Simões avisa que vai “entrar em contato com todas as pessoas e órgãos acusados injustamente acusados no relatório de atos ímprobos ou criminosos”.
Na mesma linha segue o depoimento do vereador Rogerinho Pinheiro, relator da CPI. Embora o texto final tenha sido elaborado por sua assessoria, ele afirma que “Davi Esmael e o senhor Moreschi incluíram documentos ou dizeres no relatório sem o seu conhecimento”. Rogerinho informa que determinou ao seu “assessor particular” Jodemir José da Silva a conclusão do documento, com a ajuda de seu chefe de Gabinete, Carlos Alberto Matias. (Clique aqui e veja a íntegra do depoimento do vereador Rogerinho)
Para o vereador, Davi Esmael “planejou toda essa situação para obter visibilidade política” e diz se arrepender de ter aceitado as sugestões e confiado na palavra do presidente da comissão. Ele também atribuiu ao coordenador da Juntos – SOS “as graves acusações contra órgãos públicos e, inclusive, ao Ministério Público Estadual”. (Clique aqui e veja a íntegra do depoimento do vereador Davi Esmael)
Já Davi Esmael defendeu os trabalhos da CPI e disse que a reunião de finalização do relatório, do qual participou o ambientalista, foi convocada por Rogerinho. Além disso, informou que havia, naquela ocasião, um esboço do que seria o relatório final e que as sugestões apresentadas por Moreschi foram acatadas pelo relator.
No entanto, também diz não concordar com alguns termos, entre eles, os que tratam da relação da poluição do ar com óbitos; que o município e o Estado divulgam propagandas que omitem a gravidade da poluição e seus malefícios; que ficou provada a prática de ações antiéticas e ilegais por parte da Vale frente ao MPES; e que existe uma “promiscuidade em relação ao público e ao privado quanto à fiscalização ambiental”.
Esmael faz coro à discordância em relação à declaração de que o “membro do Ministério Público” trata a Vale como parceira e diz reconhecer que errou na defesa da federalização da investigação sobre a poluição do ar, “entendendo que o MPES vem cumprindo seu papel”.
Ele pontuou, ainda, que não foi apurada pela CPI a prática de lobby e a concessão de licenças ambientais e atribui as “irregularidades e erros contidos no relatório inclusos sem o entendimento por parte dos integrantes da CPI ao Moreschi, que “se aproveitou de um momento de turbulência nas realizações do trabalho para incluir afirmações falsas e levianas no relatório final”.
O vereador também sinaliza para necessidade de providências e retratação em “face das pessoas que assinaram o TCA da Vale e as demais pessoas que eventualmente tenham sido feridas na sua moral por erros praticados pela CPI”.
Mais de seis meses dos depoimentos, porém, os vereadores não anunciaram nenhuma medida nesse sentido. Pelo contrário, diante da interdição do Complexo de Tubarão, a Câmara aproveitou para ressaltar o papel dos vereadores na “restrição da poluição em Vitória”. Entre as medidas, exatamente, a CPI do Pó Preto.