Demorou para Fábio Carvalho se sentir pronto a lançar um disco solo. Desde que há 10 anos saiu do Mahnimal, banda-expoente da música produzida no Espírito Santo da qual é um dos fundadores, o percussionista criou projetos para jovens e crianças, idealizou festivais culturais e dirigiu um documentário. Aquele músico que na década anterior lançara quatro discos, um DVD e sacudira platéias com a mistura de rock e congo passou a dividir espaço com o produtor e educador.
“Foi um processo de maturação mesmo. Tinha que me sentir preparado”, analisa Fabio, explicando o lançamento de Quintal, seu primeiro disco solo. O novo rebento nasce após 14 anos de Espírito Congo, último disco de estúdio do Mahnimal. Apesar do hiato, Fábio nunca se divorciou daquilo de sua fonte primordial: a cultura popular capixaba. “Nunca parei de estudar o que está no disco, que é a estética tradicional do Espírito Santo, minha inspiração e transpiração”, diz.
De fato, a “inspiração e transpiração” do músico é o fio condutor de Quintal, disco orientado pelas batidas do congo, ticumbi e jongo, no entanto sustentado por uma base de batidas eletrônicas. Ao final, se configura o tão contemporâneo diálogo entre tradição e modernidade, que, aqui, se revelam entre samplers e beats e tambores imperativos, massa às vezes condimentada aqui e ali por violões suaves e trompetes preguicentos, que conferem organicidade a um conjunto a que Fábio chama “Afrocongobeat”.
Mas ele rechaça a ideia de ter inventado um novo gênero musical. “Não tenho a pretensão de ter criado nada. A arte não é estática. Não inventei o congo, o jongo, as matrizes estão aí. Eu recriei”, pontua o agora também cantor.
Nascido no bairro Bomfim, em Vitória, Fábio tem o congo da banda Amores da Lua como referência de infância. É devoto de São Benedito desde os 17 anos, após conhecer o congo da Serra pelas mãos de Mestre Antônio Rosa, a quem dedicou o documentário O Congueiro do Santo Preto, lançado em 2013.
Ele diz que seu “quintal” é bem amplo. O disco mostra isso desde a produção, a cargo do maestro e arranjador Léo Caetano e o músico e produtor Marcel Dadalto, líder do Zémaria. Quintal traz ainda a sofisticação de Marcos Suzano e Edu Szajnbrum, percussionistas que dispensam apresentações. Cid Travaglia, da banda Napalma, estava chegando da África na época da gravação do disco e participou.
E todos os tambores e casacas são tocados por jovens do Congo na Escola e Manguerê, projetos idealizados por Fábio no âmbito do Centro Cultural Caieiras (Cecaes), do qual é presidente. Participam ainda Mestre Vitalino, Dona Juraci e Beatriz Rego, da Banda de Congo Mestre Honório, da Barra do Jucu, em Vila Velha. A capa do disco é do artista plástico paulista Paulo von Poser.
Há uma atmosfera de festejo popular em Quintal proporcionada graças à tecnologia. Fábio levou Marcel para uma feste de São Benedito e São Sebastião que acontece todo fim de ano em Itaúnas, Conceição da Barra, para captar as vozes, batidas e fogos. “Cada faixa vai para um lugar diferente, mas sempre mantendo o fio condutor, que é o congo”, diz Fábio.
Quintal traz três canções da lavra de composições de Fábio, três regravações e quatro congos. Oferece pouco do rockcongo que consagrou o Mahnimal – mesmo as canções em que ele assumia os microfones nos shows da banda, como Solta os Cabelos e Mandinga de Congueiro – e alguns resquícios distantes de um certo “congopop”, revelados na moldura de sofisticação com violões e sopros à batida crua dos beats e tambores.
Nesse sentido, Preto Velho e Sereia, canções que abrem o disco, são um bom indício do que o ouvinte vai encontrar. Fábio também mostra satisfação em regravar uma canção do sambista Edson Papo-Furado, figura de proa do samba capixaba, e contar com a participação dele na singeleza romântica de Barracão. Jardim Camburi, outra regravação, desta vez do Zémaria, perde as batidas cruas e frenéticas para ganhar vestimenta de cor e caimento suave.
Por ora, não há show de lançamento marcado, mas ele já ensaia com a banda pensando em fazê-lo até maio.