Comunidades afetadas pelo crime da Samarco/Vale-BHP e movimentos sociais se mobilizam na internet e nas redes sociais contra o acordo extrajudicial firmado pela União e governos do Espírito Santo e de Minas Gerais com as empresas responsáveis pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG). O acordo foi fechado sem consulta aos atingidos.
O manifesto é assinado pelo Comitê Em Defesa dos Territórios Frente à Mineração e foi publicado no aplicativo de mobilizações Panela de Pressão, que permite contato direto com governantes. O texto repudia veementemente a assinatura do acordo, que “vem sendo negociado às escuras, sem a participação dos atingidos, dos movimentos sociais ou das comunidades indígenas e tradicionais afetadas”.
O Comitê faz referência à minuta do acordo divulgada pela Agência Pública na semana passada. Além de encerrar a ação civil pública movida contra as mineradoras, este permite que elas passem a negociar no varejo as diversas violações de direitos humanos, sociais, econômicos e ambientais que causaram a municípios mineiros e capixabas.
“Cria-se, para tanto, fundação de direito privado, financiada pelas empresas, que irá acertar o valor das indenizações com cada um dos atingidos, de maneira isolada, e poderá contratar advogados caso os atingidos discordem da indenização proposta. Isto significa que as empresas responsáveis pelo desastre e pelas violações de direitos humanos poderão custear advogados para defender os atingidos contra a própria fundação. Esse mecanismo viola frontalmente as garantias constitucionais do devido processo legal”, denuncia a entidade.
O texto aponta que essa é “apenas uma das aberrações do acordo”, que sequer comunicou as comunidades afetadas da existência desta negociação, o que viola o direito à consulta livre, prévia e informada garantido pela convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Comitê diz que o acordo avança sobre a competência de órgãos ambientais federais e estaduais de fiscalização, licenciamento e regulação. “Há o temor de que a independência de atuação desses órgãos seja constrangida pelos termos dessa negociação às escuras, em benefício não da população atingida, mas do lucro e do poder econômico das grandes empresas mineradoras”.
O manifesto denuncia que o acordo beneficia a Vale, uma das maiores financiadoras de campanhas eleitorais no país, e critica a redução no valor dos danos, estimados anteriormente em R$ 20 bilhões. A versão atual do acordo cobra apenas R$ 4,4 bilhões nos primeiros três anos, de forma parcelada. O restante, aproximadamente R$ 18 bilhões, seria desembolsado ao longo de dez anos.
“Vale lembrar que grande parte das obrigações da Samarco não foram cumpridas: o representante do MPF [Ministério Público Federal] de MG determinou que 11.200 pescadores fossem cadastrados pela empresa como atingidos diretos da tragédia. Dois meses após a determinação, menos de 2.600 foram cadastrados e grande parte ainda não recebeu nenhum depósito da empresa”.
O Comitê alerta ainda sobre a situação de calamidade dos municípios que faziam a captação de água para a rede de abastecimento da rede pública do rio Doce, já que a empresa se nega a fornecer água mineral aos moradores, e dos atingidos que perderam tudo e continuam vivendo precariamente em casas alugadas pela Samarco com contrato de um ano. “Passados 114 dias do rompimento da barragem, ninguém ainda foi indenizado. Nem a família dos 19 mortos”, enfatiza.
Para que qualquer acordo seja construído de forma democrática, aponta a entidade, é necessário incluir a participação de representantes de todos os grupos que foram impactados pelo crime ambiental, inclusive garantindo lugar nas decisões da futura fundação. Neste caso, os atingidos de Mariana e representantes das associações de pescadores de toda a bacia do rio Doce, dos povos indígenas, de movimentos sociais e de entidades que militam na área de direitos humanos e do meio ambiente.
“Sem a participação destes personagens nas discussões, a criação desta fundação é arbitrária e deixa claro à sociedade o favorecimento do governo ao poder do capital de grandes empresas financiadoras de campanhas”.
No Espírito Santo, o manifesto é endereçado ao governador Paulo Hartung (PMDB); ao procurador-geral de Justiça, Eder Pontes; ao procurador-geral do Estado, Rodrigo Rabello; à presidente do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), Sueli Tonini; e ao presidente da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), Paulo Renato Paim.
Completam a lista de gestores acionados pela sociedade civil a presidente Dilma Rousseff, o governador de Minas, Fernando Pimentel (PT); o procurador-geral da República, Rodrigo Janot; o procurador-geral da União, Paulo Henrique Kuhn; a presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Marilene Ramos; o presidente do Instituto de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Cláudio Maretti; e o diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu Guillo.
E, ainda, o diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral, Telton Elber Corrêa; o procurador-geral de Justiça de Minas, Carlos André Mariani Bittencourt; o advogado-geral de Minas, Onofre Alves Batista Júnior; a diretora geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF-MG), Adriana Araujo Ramos; a diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão de Águas (IGAM), Maria de Fátima Chagas Dias Coelho; e o presidente Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM-MG), Diogo Soares de Melo Franco.
Ao aderir à mobilização, é enviado um e-mail para a caixa de cada um dos órgãos públicos que negociam com as mineradoras. “Pressione! Não permita que mais um crime seja cometido contra Mariana e o rio Doce”, convoca o Comitê.