Uma página importante do cinema produzido no Espírito Santo vive hoje pacatamente em Bairro de Fátima, na Serra. Depois de um bom tempo morando no Rio de Janeiro, o pernambucano Ramon González Alvarado restabeleceu morada no Espírito Santo. “Voltei para tentar realizar aqui alguns projetos de longa-metragem”, diz, em entrevista por email, mortificado pelas amofinações de uma dengue.
Seja no plano pessoal, seja no profissional, 2016 é um ano especial para Alvarado: ele faz 70 anos de idade e 50 de uma realização que inaugurou nova fronteira no cinema feito no estado, razão pela qual ganha uma justa homenagem nesta quarta-feira (2), no Cine Metropolis, na Ufes. A sessão exibirá filmes dirigidos e fotografados por ele. A entrada é franca.
A obra-marco, aqui, é Indecisão, o primeiro curta-metragem de ficção produzido no Espírito Santo e o primeiro filme de ficção feito em Vitória. “A inspiração foi a luta de classes, tema recorrente nos movimentos progressistas da nossa política e da nossa cultura na década de 60. Como classe média, a inspiração foi também em mim mesmo, no meu drama pessoal, na dificuldade de me decidir entre uma e outra classe”, conta, sobre as motivações do curta.
Indecisão é a história de uma universitária de classe média dividida entre dois amores: um empresário e um proletário, dilema político-amoroso com explícita atmosfera daqueles extremados anos. O curta filmado em 16 milímetros é tido como desaparecido por pesquisadores e não terá exibição.
O cinema foi algo que Alavarado conheceu dentro de casa no Centro de Recife. Passou a infância ao lado de uma lata de 16 milímetros, coisa de seu pai, gerente comercial de uma empresa alemã de equipamentos médicos e cineasta amador. Luis González Batán filmou as primeiras imagens em movimento da cidade de Vitória, posteriormente reunidas por Ramon no filme Um Belo Dia – Vitória 1935.
“As festas de aniversário, minhas e de meus irmãos, eram motivo para o meu pai exibir a sua ‘obra’”, resgata o filho. Ir ao cinema para ver filmes norte-americanos, aventuras e faroestes tornou-se fato corriqueiro na infância e juventude. Já ali assimilou as primeiras referências: Buñuel (Robson Crusoé, 1953) e o neorrealismo italiano com Vittorio de Sica, especialmente Ladrões de Bicicleta (1948) e Milagre em Milão (1951).
Em 1965, já em Vitória, fundou com Edgar Bastos o Cineclube Alvorada, importante espaço de cinefilia da capital. Começou a produzir cinema no ano seguinte, bebendo de fontes, hoje clássicas, que à época exibiam o mais fresco verdor de modernidade, como Jean-Luc Godard (cita O Demônio das Onze Horas, 1965) e Glauber Rocha (Terra em Transe, 1967).
Indecisão inaugurou o ciclo de cinema amador capixaba que revelou também jovens cineastas como Antônio Carlos Neves (Veia Partida), Luiz Eduardo Lages (Palladium), Paulo Torre (Kaput) e Luiz Tadeu Teixeira (Ponto e Vírgula). Entre os nove filmes capixabas exibidos no I Festival de Cinema Amador, no Cine Jandaia, em dezembro de 1967, pelo menos seis contavam com a participação de Alvarado: três como diretor e três como diretor de fotografia.
Alvarado se mudou para o Rio de Janeiro em 1968, onde trabalhou durante quatro décadas como assistente de câmera, diretor de fotografia, diretor e bicos para sobreviver. Regressou ao Espírito Santo algumas vezes para filmar. Em 1971 fez na Serra o curta O Mastro do Bino Santo, documentário sobre a Festa da Puxada e Fincada do Mastro de São Benedito. Em 1999, no Espírito Santo, fotografou os curtas A Sabotagem da Moqueca Real, de Ricardo Sá; O Ciclo da Paixão, de Luiz Tadeu Teixeira.
Serão exibidos O Mastro do Bino Santo, Brincadeira dos Velhos Tempos? (1977), Floresta da Tijuca (1980), dirigidos por Alvarado, e os curtas de Ricardo e Teixeira.
Serviço
A homenagem aos 50 anos de cinema de Ramon Alvarado acontece nesta quarta-feira (2), a partir das 19h30, no Cine Metropolis, no campus de Goiabeiras da Ufes. Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras, Vitória. Entrada franca.