O acordo extrajudicial assinado nesta quarta-feira (2) pela Samarco/Vale-BHP, União e governos do Espírito Santo e de Minas Gerais será denunciado pela Justiça Global à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA). A entidade destaca que o acordo, que encerra a ação civil pública contra as empresas pelo crime do rompimento da barragem em Mariana (MG), é uma ameaça aos direitos humanos.
“Precisamos informar os órgãos internacionais dos desdobramentos que estão sendo feitos no Brasil. O mundo inteiro testemunhou a vida de milhares de pessoas sendo devastadas por essas empresas. Precisam ver também como a desgraça delas se tornou um negócio”, ressalta Alexandra Montgomery, advogada da entidade.
A Justiça Global já havia enviado em dezembro do ano passado à ONU um relatório sobre as violações de direitos humanos decorrentes do crime. Agora, com a denúncia, pretende atualizar as informações para os organismos internacionais, sob uma visão crítica. Segundo a entidade, esse tipo de acordo visa beneficiar as empresas e cria uma dupla violação aos direitos das pessoas e comunidades atingidas, “ignorando-as completamente e retirando delas a condição de sujeitos de direitos”.
A denúncia será feita às relatorias das ONU para a Independência do Judiciário e para Povos Indígenas e às relatorias da OEA sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
A Justiça Global também enviou na última sexta-feira (26) pedidos de informações a todos os órgãos públicos que constam como parte do acordo. Mas, até agora, apenas a Diretoria do Departamento Nacional de Produção Mineral (DPNM) respondeu ao ofício, declarando que não iria se pronunciar sobre o tema.
A entidade afirma que desde a semana passada monitora o andamento das negociações que resultaram na assinatura do acordo em Brasília. Participaram da cerimônia, no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff, os governadores de Minas, Fernando Pimentel, e do Espírito Santo, Paulo Hartung.
A Justiça Global denuncia que o acordo irá impactar severamente a população dos municípios afetados ao longo de toda a bacia do rio Doce e critica a fundação privada que terá o “poder de tratar de cada violação humana, social, econômica e ambiental no varejo”.
“Este acordo é uma afronta aos direitos de todas as pessoas que sofrem com os efeitos deste desastre em suas vidas. E a ideia de que tudo possa ser ‘resolvido’ a portas fechadas entre a empresa e o poder público é uma afronta à coletividade. A extinção da ação civil pública por meio de um acordo desse tipo convém apenas às empresas, pois assinado o acordo e homologado não existe recurso que possa desfazê-lo. E com as partes autoras implicadas no acordo, não há como recorrer”, enfatiza Alexandra Montgomery.
A entidade ressalta ainda que o acordo foi feito “totalmente às escuras”, sem a presença de atingidos ou de movimentos sociais, além de violar os direitos de comunidades indígenas e tradicionais afetadas.
‘Acordão’
O acordo estabelece que a Samarco destine R$ 4,4 bilhões, nos próximos três anos, para compensar os prejuízos sociais, ambientais e econômicos do crime.
O dinheiro será usado por uma fundação formada por especialistas indicados pela mineradora, que desenvolverá, segundo a Agência Brasil, 38 projetos voltados para a recuperação ambiental e socioeconômica dos municípios atingidos, indenização e assistência à população.
O valor previsto é parcial e, após os três anos iniciais, novos cálculos determinarão o volume de dinheiro que deverá ser empregado até 2018.
Embora já solicitado, os movimentos sociais não tiveram acesso à minuta do acordo. Com a assinatura, as empresas se livram da ação civil pública que cobrava delas R$ 20 bilhões pelo crime.