A Defensoria Pública do Estado ingressou com petição na 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, responsável por decidir sobre a homologação do acordo firmado entre a União e os governos do Espírito Santo e Minas Gerais com a Samarco/Vale-BHP, questionando o “contexto nebuloso” e a falta de transparência e publicidade do processo. Além de pedir ingresso na ação para defender os atingidos, a Defensoria ameaça acionar os organismos internacionais caso não sejam garantidos os direitos das comunidades impactadas pelo rompimento da barragem em Mariana (MG).
Na questão de Ordem Pública protocolada na última sexta-feira (4), os defensores que integram o Grupo de Trabalho SOS Rio Doce consideram como medidas indispensáveis à homologação do acordo a abertura de vistas à Defensoria para que possa efetivamente se manifestar com profundidade compatível com a gravidade do tema; realização de audiências públicas e outros meios de consulta popular com “participação livre, prévia e informada”; e modificação ou exclusão de qualquer cláusula do acordo que confira superioridade decisória às empresas responsáveis pelo crime.
Segundo a Defensoria, com o processo atual, “em hipótese alguma” a instituição e seus assistidos serão vinculados ao acordo. “A Defensoria cumprirá seu papel constitucional de promover o acesso à Justiça aos mais necessitados, inclusive impugnando, se necessário, qualquer cláusula que cause prejuízos às vítimas da tragédia”, ressaltou.
Os defensores criticam a gestão privada do fundo de recuperação do rio Doce, que decidirá também pelas indenizações, e a exclusão dos atingidos da negociação, “nem mesmo na condição de ouvintes”. Para eles, o acordo “apenas na aparência se afirma representativo dos interesses da coletividade”, já que tenta transmitir à opinião pública “a impressão de que sua celebração representa uma grande conquista, mesmo sem a participação dos verdadeiros interessados”.
“A rigor, pode-se dizer que sequer se tem a noção exata da dimensão do dano causado, tanto ao meio ambiente quanto à vida, à cultura e à própria percepção existencial daqueles que foram involuntariamente atingidos pelas externalidades negativas decorrente da ação predatória”. Para a Defensoria, o caso é profundamente complexo e um acordo nesse sentido só será contemplado adequadamente a partir da oitiva das vítimas e do conhecimento das particularidades de cada localidade.
Da maneira como foi consolidado, os defensores do GT entendem que o acordo demonstra “graves indícios de que está ocorrendo um engodo propagandístico”.
Em trabalho de campo desde o rompimento da barragem para levantar evidências e prestar assistência aos afetados, os defensores pontuam que é fácil perceber que, “ao contrário do que tem sido insistentemente anunciado pela Samarco em elaboradas campanhas publicitárias, a companhia está ainda muito longe de fazer o que precisa ser feito”. A presença da empresa nas comunidades, em muitos casos, como dizem, tem provocado mais constrangimento do que a efetiva adoção de medidas.
Na petição, os defensores solicitam que o fundo tenha, no mínimo, composição paritária entre as empresas, o Estado e os atingidos, “submetendo-se, em caso de empate ao crivo jurisdicional, que deverá efetuar novas consultas públicas ou audiências, sempre que necessário”.
Com a assinatura do acordo, as empresas se livram da ação civil pública que cobrava delas R$ 20 bilhões para reparar os impactos do crime.
O documento é assinado pelos defensores Lucas Maciel Pereira Matias, Rafaela Farias Viana, Ana Luisa Silva Robazzi, Pedro Pessoa Temer, Rafael Mello Portela Campos, Anna Paula Salles, Alex Pretti e Paulo Antonio dos Santos.
'Acordão'
O acordo extrajudicial foi assinado na última quarta-feira (2) em solenidade no Palácio do Planalto, em Brasília, sob protestos dos movimentos sociais e comunidades atingidas, excluídos da negociação. O Ministério Público Federal (MPF) também se retirou do processo, por considerar que a solução extrajudicial buscava preservar o patrimônio das empresas.
O processo estabelece que a Samarco destine R$ 4,4 bilhões nos próximos três anos para compensar os prejuízos sociais, ambientais e econômicos do crime. O dinheiro, no entanto, será usado por uma fundação formada por especialistas indicados pela mineradora, responsáveis por decidir inclusive sobre indenizações.
A Justiça Global, por considerar que o acordo viola os direitos humanos, anunciou que irá acionar a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Além disso, 173 entidades reunidas no Comitê Nacional Em Defesa dos Territórios Frente a Mineração e na Articulação Internacional das Atingidas e dos Atingidos pela Vale assinam manifesto de repúdio às negociações, feitas “às escuras”, para beneficiar as empresas responsáveis pelo maior crime socioambiental do País.