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Associação de Magistrados pediu a prisão da advogada condenada por representar juízes ao CNJ

(Atualizada às 17h25) A trama em torno da ordem de prisão da advogada Karla Cecília Luciano Pinto, cumprida na manhã da última sexta-feira (11), durou menos de 48 horas. Esse foi o período entre o pedido feito pela Associação de Magistrados do Espírito Santo (Amages) e o despacho da juíza da 2ª Vara Criminal de Vila Velha, Paula Cheim Jorge D'Ávila Couto. Neste intervalo, o Ministério Público Estadual (MPES) também se manifestou a favor da prisão, baseada na recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), cujo acórdão do julgamento sequer foi publicado, que permitiu a execução da pena em casos que não transitaram em julgado.

A reportagem de Século Diário obteve acesso aos documentos (veja na íntegra abaixo) que revelam a celeridade da Justiça para garantir o encarceramento da advogada, condenada justamente após representar contra os juízes Flávio Jabour Moulin e Carlos Magno Moulin Lima, respectivamente, filho e sobrinho do desembargador aposentado Alemer Ferraz Moulin, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – e coincidentemente, ambos já atuaram ou ainda exercem cargos de direção na Amages. A entidade fez as vezes de assistente de acusação na ação penal.

Manobra da Amages

Chama atenção a celeridade da Justiça neste caso. Entre às 16h43 de terça-feira (8), horário em que foi protocolada a petição da entidade de classe, e o despacho da juíza assinado na quinta-feira (10), transcorreram menos de 48 horas. Isso com a agravante de que os servidores da Justiça estadual estavam em greve, portanto, apenas os casos emergenciais ou urgentes estariam sendo despachados. O parecer do Ministério Público, da lavra do promotor de Justiça, Florêncio Izidoro Herzog, também foi assinado na mesma quinta-feira. Um exemplo de rapidez em tempos de queixas por parte da advocacia em decorrência da paralisação dos serventuários da Justiça.

Ao ser cumprida ordem de prisão na sexta-feira (11), a advogada da ré, Elisângela Melo compareceu à 2ª Vara Criminal de Vila Velha para tirar cópia da decisão e outros documentos para instruir Habeas Corpus que seria impetrado em favor da sua cliente.

No entanto, Elisângela foi informada pelo cartório que não poderia ter acesso ao processo, sob o argumento de que a vara estaria sob inspeção naquele momento. Nesse período os advogados não podem fazer carga dos autos porque a vara está justamente organizando os processos. Entretanto, após explicar o caso envolvia uma decisão de prisão, a advogada foi encaminhada para conversar com a juíza e teve acesso aos autos. Na pressa, ela preferiu fotografar os autos para ganhar tempo.

Há informações da família de Karla Pinto de que o advogado da Amages, Raphael Americano Câmara, também fez carga do processo, ou seja, retirou o processo do cartório para cópia, mesmo sem ter necessidade de nenhuma manifestação e mesmo sendo proibido. A suposta manobra do advogado da Amages teria com o objetivo dificultar o acesso aos documentos necessários para elaboração do Habeas Corpus para soltura da advogada. No final da tarde da sexta-feira, os representantes da Comissão de Prerrogativas da OAB também compareceram à 2ª Vara Criminal de Vila Velha para tirar cópias do processo para fazer um novo Habeas Corpus. Na ocasião, teriam sido informados que o advogado da Amages havia feito carga do processo.

Ainda, segundo os familiares de Karla Pinto, o Habeas Corpus só pôde ser feito porque a OAB descobriu, posteriormente, que tinha cópia quase que integral na sede da instituição, em razão das anteriores denúncias feitas pela advogada Karla Pinto à Ordem, e as informações faltantes teriam sido obtidas com a advogada da ré, que havia fotografado os autos.

 
Elisângela Melo destaca que a Amages não poderia ter feito o pedido de prisão. Ela diz que além da Amages não ser parte e não ter legitimidade no processo, representa todos os magistrados do Espírito Santo. “Não podemos tolerar isso. Temos não somente a prerrogativa, mas o dever de representar contra os magistrados e membros do Ministério Público quando entendemos que violam direitos e prerrogativas”, afirmou a advogada Elisângela Melo em um post nas redes sociais. A advogada acrescentou que o titular da ação penal é o Ministério Público. “O papel do assistente de acusação se restringe ao interesse patrimonial em ser indenizado, o resto é com MP. Segundo ela, nem os juízes, através de advogados próprios, poderiam interferir.

Decisão polêmica

O pedido de prisão da advogada, assinado pelo advogado da Amages, Raphael Americano Câmara, “informou” o juízo sobre a condição dos condenados – além de Karla Cecília, o empresário Marcus Walerium Tinti foi condenado no mesmo processo pela eventual prática de calúnia e denunciação caluniosa contra os dois juízes capixabas. Na petição de duas páginas, o defensor da Associação dos Magistrados cita a rejeição de um recurso dos réus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), ainda que pendente do julgamento de um agravo regimental em agravo de instrumento em recurso extraordinário.

 

A partir de então, a peça faz menção ao julgamento do Supremo que, no mês passado, em votação dividida, decidiu sobre a possibilidade de expedição do mandado de prisão contra condenados ainda que a sentença não tenha transitado em julgado, isto é, esgotadas todas as possibilidade de recurso, nos casos em que a decisão de 1º grau foi confirmada por órgão colegiado. Com base nisso, a defesa da Amages requereu a prisão imediata de Karla Cecília e de Marcus Tinti.

Na quinta-feira, dia 10, o promotor Florêncio Herzog se manifestou pelo deferimento do requerimento da Amages. Para justificar o parecer, o representante do Ministério Público afirma que “tal direcionamento (sic) vem se verificando com regularidade”. Ele citou, inclusive, a prisão do ex-senador Luiz Estevão, que foi o primeiro caso de condenado em caso de repercussão a ir parar atrás das grades. Com uma diferença, o ex-senador acabou sendo preso após sua defesa entrar com mais de 30 recursos contra a condenação imposta a ele por corrupção no longínquo ano de 2006.

No despacho assinado no mesmo dia, a juíza Paula Cheim determinou a imediata expedição do mandado de prisão em desfavor dos dois réus, tomando como base no novo entendimento jurisprudencial. Na ocasião, a magistrada reconheceu a prescrição – quando o Estado perde a capacidade de punir – em relação ao crime de calúnia. Desta forma, a advogada e o empresário terão que cumprir a pena restante de quatro anos e seis meses de reclusão, em regime semiaberto, pelo crime de denunciação caluniosa.

“A execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não-culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes […] Conforme restou deliberado [pelo STF], a execução provisória de acórdão penal condenatório em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência”, justificou a togada.

O mandado de prisão foi expedido na mesma quinta-feira e cumprido no escritório de Karla Cecília nas primeiras horas de sexta-feira. Ela foi conduzida para a Chefatura da Polícia Civil e foi encaminhada para a Penitenciária Feminina de Cariacica. No entanto, o desembargador Dair José Bregunce de Oliveira, do plantão judiciário do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), garantiu que a advogada cumpra a pena em casa devido à falta de uma sala de Estado Maior no Espírito Santo. Isso porque os advogados só podem ser recolhidos ou definitivamente presos com o trânsito em julgado da condenação – o que não ocorreu neste caso.

A decisão citada do STF, que foi tomada no dia 17 – cujo acórdão não foi sequer publicado -, é alvo de polêmica no mundo jurídico. No último dia 25, o plenário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil decidiu ingressar no Supremo com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para questionar o entendimento da corte que autorizou a prisão do réu logo após decisão em segunda instância. A ação ainda deve ser protocolada pela entidade.

Para o presidente nacional da Ordem, Claudio Lamachia, a medida tira a “oportunidade do cidadão de defender-se em todas as instâncias que lhe couber por meio da atuação de seu advogado”. O relator da matéria no plenário da OAB, conselheiro federal Luiz Saraiva Correia (AC), entendeu que a decisão do STF é contrária à Constituição Federal. “O réu só pode ser efetivamente apenado após o trânsito em julgado da sentença. Não se pode inverter a presunção de inocência. O forte impacto de antecipação da pena viola direitos humanos e constitucionais. Descumpre-se também o Pacto de San José da Costa Rica”, votou.

No caso envolvendo a advogada capixaba, o próprio Conselho Federal da OAB reconheceu que Karla Cecília sofre de “evidente perseguição judicial” por parte dos juízes Flávio e Carlos Magno Moulin. Tanto que foi aprovado um desagravo à causídica por conta da violação às prerrogativas profissionais. Até mesmo, a Amages foi alvo de desagravo após a publicação de uma nota pública veiculada contra outro profissional. Coincidentemente, o caso também envolvia os dois juízes, que já comandaram o Fórum de Vila Velha.

No texto, a OAB capixaba condena a atitude da Amages e garante que vai adotar todas as medidas para garantir as prerrogativas e o livre exercício profissional de Marcos Dessaune, que foi alvo de ataques da entidade ligada à magistratura, após a veiculação de reportagem em Século Diário sobre a decisão da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia (CNDPVA), que concluiu pela ocorrência de abusos por parte dos primos Moulin.

Confira abaixo a íntegra dos documentos relacionados à prisão da advogada Karla Cecília (clique para ampliar):

PETIÇÃO DA AMAGES

 

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO

DESPACHO DA JUÍZA DO CASO

 

CÓPIA DO MANDADO DE PRISÃO

 

DECISÃO NO HABEAS CORPUS EM FAVOR DA ADVOGADA

  

  

 

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