Tomado por ratos, vigiado por abutres, o transatlântico Petrobras nunca navegou por águas tão agitadas mas, surpreendentemente, o Sr. Mercado se manteve calmo, estranhamente calmo, diante da divulgação oficial (no dia 21/3) do prejuízo-monstro de R$ 34,836 bilhões em 2015. O novo rombo supera largamente o prejuízo recorde do exercício anterior – R$ 21,587 bilhões em 2014.
O balanço revela que nunca andou tão mal a nau capitânia dos Estados Unidos do Brasil, mas as não-reações sugerem que ter prejuízo virou rotina na maior empresa brasileira. As ações da Petrobras estão no fundo do poço, pelo segundo ano consecutivo os acionistas não têm dividendos a receber mas, estranhamente, não há reclamações públicas. Por trás desse silêncio parece haver uma torcida para que o barco afunde de vez. Será tão grande assim o desnacionalismo que campeia no país?
O balanço de 2015 foi o primeiro sob o comando de Aldemir Bendine, deslocado do BB para a BR em fevereiro do ano passado. Na apresentação do resultado, ele disse que a empresa está se esforçando para resgatar a credibilidade perdida com a gestão perdulária de recursos desviados em contratos que se tornaram alvo da Operação Lava Jato.
Ao desgaste provocado pela descoberta da corrupção nos porões do navio, juntou-se uma combinação de fatores desfavoráveis para a Petrobras, que perdeu com a desvalorização do dólar; o incremento das despesas com juros e das taxas de descontos; a queda nas receitas de exportação; e a reavaliação, para baixo, de ativos (jazidas, campos de produção, plataformas) associados à cotação do petróleo, que caiu barbaridade. A soma desses itens chegou a R$ 82,6 bilhões, mais do que o dobro do prejuízo contabilizado.
Expurgando esses itens negativos, a companhia teria tido um resultado positivo de R$ 13,6 bilhões, disse um executivo da estatal, lembrando que a desvalorização dos ativos pode ser revertida, desde que o preço do petróleo volte aos patamares anteriores. Atualmente está em US$ 39 por barril de 159 litros. Há dois anos, estava em mais de US$ 100.
Mas quem garante que o petróleo vai subir? E se for verdadeira a suspeita de que há uma jogada global das petroleiras unidas para jogar a Petrobras na bacia das almas?
Se fosse só isso…Mas tem algo mais que não pode ser abolido nem reavaliado no balanço da Petrobras: o endividamento da ordem de R$ 400 bi. Estimulados pelas agências de risco que rebaixaram a classificação da estatal como alvo de investimentos, os credores cerraram fileiras para extrair o máximo de seus empréstimos e descontos. Como é muito natural no mercado financeiro, os bancos se aproveitam da situação para apertar a corda no pescoço do cliente.
A própria gestão financeira da empresa também está comprometida pela desconfiança generalizada dos agentes financeiros na capacidade de sair da crise. Além disso, a venda de ativos e a redução dos investimentos geram um clima de desmanche que desmobiliza o pessoal da companhia na busca de eficiência em campos de produção, refinarias e transportes.
Uma leitura mais atenta do balanço revela que a Petrobras deslocou para as notas explicativas uma série de valores. “Contabilidade criativa”, acusou Reginaldo Gonçalves, coordenador do curso de ciências contábeis da Faculdade Santa Marcelina, de São Paulo.
Segundo ele, “os valores poderão atingir patamares absurdos: de natureza tributária, R$ 114,3 bilhões; trabalhista, R$ 22,07 bilhões; causas civis gerais, R$ 20 bilhões; causas ambientais, R$ 5,8 bilhões; e R$ 7 bilhões com ações de outra natureza”.
No total, essas provisões somam R$ 170 bilhões não contabilizados no balanço. Se forem efetivamente usados, esses valores podem comprometer seriamente o patrimônio líquido da companhia. Se não forem aplicados, podem aparecer como ativos num próximo balanço.
Trocando em miúdos, as notas explicativas são um biombo contábil em favor da diretoria, mas podem servir como defesa da companhia, se o mar se acalmar, nos próximos tempos.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O mal das encrencas é que elas começam devagarinho”
Millor Fernandes