O maior sumidouro de recursos públicos do Brasil é o serviço da dívida, que enriquece os banqueiros e os rentistas, comprometendo o atendimento das necessidades básicas da maioria da população e o custeio dos elos faltantes da infraestrutura nacional. No momento, só há uma voz contra essa sangria: é a economista Maria Lucia Fatorelli, defensora de uma auditoria da dívida externa.
Em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos, essa auditora aposentada da Receita Federal afirma que a dívida brasileira está repleta de ilegalidades, ilegitimidades e até suspeitas de fraudes. Uma auditoria seria uma boa briga, pois permitiria ao Brasil mudar o rumo da política econômica, mas cadê coragem?
Abrir um processo contra os credores internacionais (que têm grandes aliados internos) levaria os governos dos países ricos a impor represálias econômicas ao Brasil.
Enquanto o governo brasileiro faz questão de se mostrar bom pagador, o custeio da dívida abre caminho para a privatização da previdência pública e a flexibilização das leis trabalhistas, entre outras reformas de cunho neoliberal. Falta pouco para o Mercado abocanhar as conquistas sociais dos últimos governos brasileiros.
Não é só no Brasil que o endividamento público faz parte de uma ciranda nefasta. Estudos feitos em várias partes do mundo têm demonstrado que grande parte das dívidas públicas são geradas por certos mecanismos financeiros que atuam tanto em sua origem como em seu contínuo crescimento. “Em vez de aportar recursos, a dívida pública é um esquema de transferência de recursos principalmente para o setor financeiro”, diz Fatorelli.
Quem paga a conta é a sociedade, especialmente os mais pobres, privados de bons serviços públicos e achacados por um sistema tributário que incide mais sobre o consumo e os salários do que sobre a propriedade ou as rendas de capital. A atual crise econômica incide principalmente sobre a base da pirâmide econômica, onde estão os trabalhadores, mas preserva os bancos, que tiveram em 2015 lucros maiores do que em 2014.
A instituição da Desvinculação das Receitas da União – DRU permite a retirada de até 20% de recursos da Seguridade Social, para gerar caixa para o pagamento da dívida pública. A Proposta de Emenda à Constituição nº 87 / 2015, de autoria do Poder Executivo, pretende alterar esse percentual de 20 para 30%.
A simples existência de tal mecanismo – DRU – já comprova que sobram recursos na Seguridade Social, ao contrário do que dizem os adeptos da reforma previdenciária.
A seguridade social tem sido altamente superavitária. Nos últimos cinco anos, a sobra de recursos na Seguridade Social foi de R$ 55,1 bilhões em 2010, R$ 76,1 bilhões em 2011, R$ 83,3 bilhões em 2012, R$ 78,2 bilhões em 2013 e R$ 53,9 bilhões em 2014, conforme dados oficiais segregados pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal – ANFIP.
O superávit da Seguridade Social deveria estar fomentando debates sobre a melhoria da Previdência, da Assistência e da Saúde dos brasileiros. Isso não ocorre devido à prioridade para o pagamento da dívida mediante a Desvinculação das Receitas desses setores para o cumprimento das metas de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida pública.
A economia real tem sido sacrificada, pois os especuladores já não desejam mais esperar pela produção de lucro através de processos produtivos – industrial e comercial. Estão viciados no lucro rápido e crescente, auferido através de uma dominação financeira sem precedentes. Esse arrocho insano está no limite, é insustentável. No Brasil, a melhor forma de derrubá-lo seria pela abertura de uma auditoria da dívida.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“A ferramenta principal para escravizar nações e governos inteiros é a dívida”.
Karen Hudes, ex-advogada do Banco Mundial, demitida por criticar a dominação financeira exercida pelos países ricos sobre os países pobres