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Déjà vu, cara pálida

Enquanto se acirra a “guerra do impeachment”, na sociedade e no parlamento, observadores e analistas políticos retomam com mais frequência o recorrente debate da reforma política no Brasil. Gradualmente – e até por imposição de uma realidade de crises múltiplas e de uma polarizarão política em ambiente de fragmentação político-partidária -, forma-se uma espécie de consenso: no pós-impeachment, com Dilma ou com Temer, será imperativo articular uma agenda mínima que possa combinar ajuste fiscal com retomada do crescimento, ao mesmo tempo em que a própria realidade histórica vai “impor” a retomada da agenda de reformas – principalmente a reforma política.
 
Reforma política. Lá vem ela outra vez. A chamada mãe de todas as reformas. Déjà vu, cara pálida. Pessoalmente, acompanho e participo desse debate pelo menos desde os anos 1980. Debate das Diretas, já e da Constituinte de 1988. O debate pós-constituinte que levou ao Plebiscito de 1993. E daí em diante, um debate recorrente, que atravessou os governos Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula e, agora, Dilma. Uma reforma que nunca chegou, a não ser por iniciativas pontuais e de varejo.
 
O que muda, agora, é que o fundo do poço chegou e não parece ter mais nenhuma “mola” sobrando em seu fundo. Como profecias autorrealizáveis, os avisos recorrentes de que o sistema político brasileiro continha (contém) o vírus da turbulência recorrente e da crise política imanente, sempre no limite da ingovernabilidade e da crise político-institucional, acabaram se cumprindo: o sistema se exauriu, o ciclo político pós-Constituinte de 1988 encerrou-se. Fim de ciclo.
 
Agora, sim. O que fazer e como fazer? Volta com força a ideia da Constituinte exclusiva com agenda e foco, como parte da repactuação do pós-impeachment. Com Dilma ou com Temer. Volta, também, a ideia de que uma reforma política apenas pontual não terá efeitos pertinentes para mudar o arcabouço institucional para valer. Estas opções em torno do que é essencial mudar, precisam ser feitas politicamente a partir de um debate amplo e profundo, no âmbito de uma Constituinte exclusiva, em torno do leque estrutural de mudanças necessárias/possíveis.
 
O problema da formação de maiorias estáveis de governo é o calcanhar de Aquiles do sistema político brasileiro. Este é o nome do jogo: estabilidade política. O nó górdio está no sistema partidário e no sistema eleitoral. A democracia brasileira, nos últimos 30 anos, avançou bem em termos de dois pilares básicos: a participação política, com o terceiro eleitorado do mundo e a inclusão da população adulta na cidadania política, e a competição política institucionalizada, com a alternância de poder que permitiu que um ex-operário chegasse à presidência da República.
 
Entretanto, o sistema partidário chegou ao limite da fragmentação partidária. O que requer a adoção da cláusula de barreira, para coibir os avanços dos partidos de aluguel que só visam a captura do fundo partidário. É fundamental, também, a volta do instituto da fidelidade partidária, para conter a migração partidária frenética e, assim, dar corpo, rosto, memória e imagem duradoura aos partidos políticos. A inteligibilidade do sistema partidário certamente melhora a qualidade da representatividade dos partidos.
 
Quanto ao sistema eleitoral, há que se aperfeiçoar a representação proporcional do eleitorado, através da adoção do sistema distrital misto. Este sistema, como já testado em vários países do mundo, melhora a proporcionalidade da representação do eleitorado, além de aproximar mais os eleitores dos eleitos.
 
Com o fortalecimento dos partidos e a melhoria do sistema eleitoral , pode-se criar condições para enfrentar, ainda, a questão do financiamento de campanhas. Hoje, com a extrema fragmentação partidária e com a personalização das campanhas, as eleições se transformaram numa verdadeira indústria de votos. O caminho do financiamento misto – público e privado -, com tetos e regras de contribuição e permissão de contribuições individuais pela internet, parece ser o melhor.
 
Na análise e avaliação do leque de mudanças possíveis/necessárias, é preciso chamar a atenção da opinião pública e da míriade de grupos e movimentos organizados que participam das Manifestações no Brasil para o fato de que uma reforma política que se preze, tendo o nosso sistema político chegado ao fundo do poço, não pode ser fatiada em bifes. É como se fosse um edifício, com diversos pilares que se comunicam entre si e contribuem para o equilíbrio do todo.
 
As instituições democráticas precisam ser vistas como um conjunto, e não isoladamente. O regime de governo (presidencialismo, parlamentarismo ou semi-presidencialismo); a forma de Estado (federal ou unitário); o sistema eleitoral (proporcional ou majoritário); o sistema partidário (bipartidário ou pluripartidário); a configuração do parlamento (unicameral ou bicameral); o funcionamento da justiça eleitoral; e a relação com o Banco Central, conformam instituições democráticas relevantes e entrelaçadas. Umas afetam as outras.
 
Por isso, a reforma política não pode resumir-se, por exemplo, ao financiamento e às listas fechadas. É claro que será difícil ter condições políticas e institucionais para mudar tudo ao mesmo tempo. Mas, no mínimo, é preciso discutir o sistema eleitoral, o sistema partidário e o financiamento de campanhas.
 
Não se deveria contentar, ainda mais no eventual âmbito de uma Constituinte exclusiva, em fazer a “reforma possível”. É fundamental fazer a reforma necessária. Refundar o sistema político, restaurar a democracia. Aprimorar os mecanismos da democracia direta: iniciativa popular; plebiscito; referendo; recall.
 
Para que não se venha, outra vez, repetir: déjà vu, cara pálida. É preciso a repactuação, com respaldo da sociedade, de um novo ciclo….

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