Foi com a intenção de colocar uma turma de futuros pedagogos como produtores de textos e leitores, além de protagonistas das próprias histórias, que a educadora Lilian Menenguci tomou frente da organização do livro Memórias de Alfabetização – Narrativas sobre aprender a ler e a escrever. Uma obra que chegou às mãos do público na noite dessa quinta-feira (7), em evento oficial na Casa Porto, no Centro de Vitória. Por lá, os 60 alunos-autores puderam entregar em mãos aos convidados o primeiro livro que carrega o nome e um pouco das histórias de cada um.
Como o próprio título já evidencia, o livro reúne em histórias longas e breves, o processo de resgate sobre como foi a alfabetização de cada aluno. As realidades são deveras muito diferentes e, por vezes, quase opostas. Enquanto alguns conseguem se lembrar de detalhes que se mostram quase frescos, outros pouco recordam dessa fase. A estrutura da escola também se apresenta com diversas facetas, desde àquelas muito bem estruturadas até as precárias. E a família, claro, também está presente em muitas histórias que narram o acompanhamento dos responsáveis nessa fase e, em alguns casos, a ausência familiar no processo. Memórias de Alfabetização é definitivamente uma mescla muito plausível do que é o sistema de alfabetização no Brasil.
“Este livro especificamente trata de um ‘calcanhar de Aquiles’ na educação brasileira, não tenho dúvidas disso: a alfabetização. Hoje, muito embora as políticas públicas tenham feito as taxas de analfabetismo cair nos últimos anos, nós ainda estamos com a média de 13 milhões de brasileiros que não sabem ler e escrever por uma série de fatores. E eu diria que o vértice disso tudo está ainda nas políticas públicas. É a partir delas que podemos analisar e repensar como está a condição de oferta de ensino básico no Brasil; a formação dos professores; a estrutura das unidades escolares; as metodologias de ensino de leitura e de escrita; entre outros diversos pontos”, analisa Lilian, que adianta que Memórias de Alfabetização deveria e pode ser ótima leitura em escolas e faculdades.
“Lembrar dessa fase foi muito simples para mim. Acredito que sempre tive essas memórias bem guardadas, então quando a Lilian nos provocou a resgatar isso, lembrei de algumas outras coisas que nem achava que seria possível trazer. Consegui lembrar até do primeiro dia de aula, das fórmulas de aprendizado e até das primeiras sílabas que li. Foi muito gostoso para mim, já algumas pessoas da turma mostraram-se mais nervosas por não conseguirem se lembrar dessa fase. E eu, que acredito numa pedagogia muito romântica, vejo que talvez essas pessoas não foram marcadas positivamente em suas fases de alfabetização”, fala orgulhosa a estudante de pedagogia Hellen Dayse (foto ao lado), 26, que contou até ter sido despertada a querer escrever mais e publicar livros de histórias infantis – aliás, se esse era um dos objetivo de Lilian.
As provocações citadas por Hellen dizem respeito ao processo que Lilian usou para fazer os alunos escreverem sobre o tema. “Primeiro fiz provocações para trabalhar o que eles tinham como memória dos processos de alfabetização, para depois entrar nas técnicas e na história da alfabetização no Brasil. E sempre tentando fazer com que eles percebessem que leitura e escrita são instrumentos de trabalho de um professor, não dá para fugir disso. Deixei tudo absolutamente livre para a produção deles. Não foi preciso interferir nessa coisa de editar o texto e dar um sentido único para a obra inteira. De fato deixamos que os textos tivessem as caras deles, traduzissem cada um”, explica Lilian.
No contato com cada um dos textos, que variam tanto de um para outro, o processo de resgatar a lembrança da alfabetização mostra-se muito particular, apesar do método de ensino ser exatamente o mesmo. Alguns se recordam até dos cenários das escolas, nomes dos professores e professoras e até da primeira experiência com a união de consoantes e vogais. Já outros se lembram vagamente de como foram seus primeiros contatos com as letras. E todo esse processo de resgate contribuiu para uma turma inteira se despertar para a importância de se enxergar como agente ativa do processo da escrita.
Talvez esteja nesses detalhes – alguns rememorados com certa emoção nas palavras, outros resgatados de condições precárias – o grande trunfo dessa obra: fazer com que futuros pedagogos questionem suas futuras práticas e métodos de ensino. E, para além disso, que os próprios leitores entendam a importância da fase de alfabetização dentro das sociedades. Vale ressaltar que a turma dos 60 alunos é formada por pessoas de idades muito díspares, mas que ainda assim compartilham de muitas experiências em comum sobre a alfabetização – o que pode revelar a necessidade de uma espécie de reforma nessa área.
E é nesse clima de dever cumprido e muitos objetivos acertados que o lançamento oficial do livro foi realizado na Casa Porto, numa troca de orgulho entre a organizadora e seus futuros pedagogos – e quem sabe até escritores.
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