As quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) apresentadas pela Procuradoria Geral da República (PGR) e pelo Psol questionando a Lei 12.651/2012, que revogou o antigo Código Florestal, devem ser votadas no Supremo Tribunal Federal (STF) ainda neste semestre. A previsão é do ministro Luiz Fux e foi anunciada em audiência pública sobre o caso realizada nessa segunda-feira (18) em Brasília.
Relator das Adins, Fux afirmou que pretende pautar o julgamento em dois meses e elogiou o alto nível científico do debate, que contou com apresentações de representantes de órgãos governamentais, de movimentos sociais, da sociedade civil e de acadêmicos e pesquisadores. A audiência foi convocada devido à complexidade da questão. O ministro afirma que, agora, se considera habilitado para julgar a causa.
“A lei está valendo e tem sido aplicada, mas também tem havido muito descumprimento sob a invocação de sua inconstitucionalidade, ainda em grau inferior. Então, é chegado o momento de o Supremo pronunciar a última palavra se esse Código é constitucional ou inconstitucional, para transmitir segurança jurídica à sociedade”, ressaltou Fux.
As ADIs foram apresentadas em 2014 e questionam 58 artigos da nova lei. Entre os pedidos, requer a anulação dos dispositivos que anistiaram produtores rurais que desmataram ilegalmente Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) até julho de 2008. Estimativas de entidades e da sociedade científica apontam que a área desmatada que deveria ter sido reflorestada conforme a antiga legislação foi reduzida com a nova lei de 50 milhões para 21 milhões de hectares, uma queda de 58% do passivo ambiental dos imóveis rurais no Brasil.
O Instituto Socioambiental (ISA), que faz parte das ações na qualidade de amicus curiae (amigos da corte), aponta que a audiência reproduziu o debate ocorrido na elaboração da Lei 12.651 no Congresso Nacional, colocando de um lado a sociedade civil, cientistas, Ministério Público e líderes de agricultores familiares e, do outro, representantes do agronegócio e do governo federal.
O primeiro defende a manutenção dos parâmetros de conservação previstos no antigo Código Florestal, em especial às margens dos corpos de água, com o objetivo de manter os serviços ambientais prestados pela vegetação à sociedade e à economia, como proteção dos mananciais de água, contenção da erosão e do assoreamento, conservação do solo e polinização. Já o segundo tenta argumentar que a restrição ao desmatamento traz um custo excessivo aos produtores rurais.
“O antigo Código foi substituído por um Código muito pior, que implicou retrocesso ambiental, o que é proibido pelo Artigo 225 da Constituição, sem que a gente saiba se esse muito pior será cumprido”, destacou Sandra Cureau, subprocuradora geral da República e uma das autoras das Adins.
O julgamento das ações é considerado histórico, já que Código Florestal é uma das mais importantes leis ambientais do País, regulando a conservação e recuperação da cobertura vegetal em mais de cinco milhões de propriedades rurais e em boa parte das cidades brasileiras.
“A ciência brasileira foi ignorada na elaboração do Código Florestal. É preciso restabelecer a verdade”, criticou o pesquisador Antônio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa) e do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Além do ISA, passaram a integrar as ações, em agosto do ano passado, a Mater Natura, a Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda) e a Rede de ONGs da Mata Atlântica. As entidades pediram urgência ao ministro no julgamento, devido aos impactos negativos da nova lei.
A entrada das organizações ambientalistas nos processos ocorreu depois de Fux notificar os governadores dos quatro estados do Sudeste afetados pela crise hídrica para que estabeleçam planos e metas de restauração das APPs com parâmetros mais rigorosos do que os definidos pela lei vigente, para mitigar e prevenir os problemas causados pela crise. A notificação reconhece a relação direta entre escassez de água e desmatamento e foi provocada por um ofício apresentado pela Frente Parlamentar Ambientalista no âmbito das ADIs.
O governador do Estado, Paulo Hartung, foi um dos notificados. Em seus mandatos, ele ignorou completamente a determinação da Constituição Estadual sobre os replantios com mata nativa para formação das chamadas reservas legais. É da gestão estadual, também, a iniciativa de modificar legislação florestal do Espírito Santo, repetindo artigos do polêmico Código. As mudanças e a metodologia utilizada pelo órgão são alvos de críticas dos ambientalistas, que reivindicam ampla discussão da proposta.
Flexibilização
O Código Florestal de 1965, revogado pela Lei nº 12.651/12, obrigava a recomposição total das APPs desmatadas. A nova lei isenta de recomposição as áreas “consolidadas” (em uso agropecuário, em geral desmatadas) até julho de 2008, prevendo a recomposição ou a manutenção de uma faixa significativamente reduzida em relação à APP original, de acordo com o tamanho da propriedade (imóveis menores têm que recompor áreas menores).
Com a nova legislação florestal, o tamanho da APP também passa a ser medido a partir do “leito regular” do rio, e não mais em relação ao leito maior (na época de cheia). Somente na Amazônia, essa medida significa a desproteção de cerca de 40 milhões de hectares de várzeas e áreas alagadas.
Já em relação à Reserva Legal, o novo Código apresenta duas diferenças significativas principais: o cálculo da RL deve incorporar as áreas de APP e os pequenos imóveis rurais (menores que quatro módulos fiscais) não terão obrigação de recompor o passivo de Reserva Legal gerado até 22 de julho de 2008.