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Convênios entre Prefeitura de Vitória e Lieses destinaram R$ 2,6 milhões para fins desconhecidos

Fotos: Leonardo Sá/Porã

Os convênios entre a Secretaria de Turismo, Trabalho e Renda (Semttre) da Prefeitura de Vitória e a Liga Espírito-Santense das Escolas de Samba (Lieses) para patrocínio dos carnavais de 2014 e 2015 destinaram R$ 2,6 milhões para fins desconhecidos. Os indícios de irregularidades atingem tanto a Semttre, que homologou os processos, quanto a Lieses, que destinou o montante para fins não previstos em contrato e ainda não prestou contas dos gastos. 

 
Assinados durante a gestão Leonardo Krohling, os dois convênios para patrocínio do Carnaval Capixaba somam R$ 2.984.500 milhões – R$ 1.509.500 em 2014 e R$ 1.475.000 em 2015. Século Diário teve acesso aos processos de ambos os convênios.
 
Entre certificados, comprovantes, termos e declarações, um dos principais pré-requisitos para a assinatura do convênio é a apresentação de um plano de trabalho pela Lieses em que são arrolados justificativa, objetivos, resultados esperados, cronograma de execução e plano de aplicação dos recursos, onde reside o nó de suspeições. 
 
Segundo o convênio para o Carnaval Capixaba 2014, o plano de aplicação de recursos previa a distribuição do R$ 1.509.500 entre nove itens: comissão de julgadores e assistentes, comissão técnica, premiação à Lieses por participação das agremiações filiadas, premiação de incentivo aos compositores do CD de Samba Enredo, premiação de incentivo aos intérpretes do CD, premiação à primeira colocada no desfile, è segunda, à terceira e à primeira do grupo de acesso.
 
O item que mais consome recursos é o terceiro, “Premiação à Lieses por participação das Agremiações filiadas”, ao qual foi destinado R$ 1,322 milhão. Segundo o artigo 10 do estatuto da Lieses, em 2014 a escola registrava 13 agremiações em seu quadro de afiliadas, mas aquele montante foi dividido entre seis escolas: duas do grupo A, Mocidade Unida da Glória (R$ 168.460 mil) e Unidos da Piedade (R$ 250 mil), e quatro do grupo B, Imperatriz do Forte (R$ 500 mil), Unidos de Barreiros (R$ 250 mil), Novo Império (R$ 64.200 mil) e Andaraí (R$ 89.340 mil). 
 
O enredo é semelhante no Carnaval Capixaba 2015. Neste ano, o estatuto da entidade registrava 13 afiliadas, mas a quantia prevista no item 3 do plano de aplicação dos recursos, de R$ 1,284 milhão, foi distribuída entre oito agremiações: cinco do grupo A, Mocidade Unida da Glória (R$ 115.500 mil), Unidos da Piedade (R$ 190.500 mil), Novo Império (R$ 190.500 mil), Unidos de Jucutuquara (R$ 190.500 mil), Boa Vista (R$ 115.500 mil), e três do grupo B, Imperatriz do Forte (R$ 160.500 mil), Unidos do Barreiros (R$ 160.500 mil) e Pega no Samba (R$ 160.500 mil). A distribuição, aqui, é mais proporcional.
 
Todos os cheques e recibos de ambos os carnavais constam no processo homologado pela prefeitura.
 
Chama a atenção a divisão desproporcional dos recursos entre as escolas, em que algumas são atendidas com generosidade, outras com parcimônia e as demais são ignoradas. Em 2014, não constam na lista a Boa Vista, Jucutuquara e Pega no Samba (Grupo A) e São Torquato (Grupo B). No ano seguinte, duas escolas do grupo B não aparecem na lista: Tradição Serrana e São Torquato. 
 
As escolas de Vitória são Jucutuquara, Piedade, Novo Império, Pega no Samba, Imperatriz do Forte, Barreiros, Andaraí e Chegou o que Faltava. 
 
A premiação do Carnaval 2014 também é intrincada. O plano de trabalho do convênio do Carnaval 2014 não prevê premiação à primeira colocada do Grupo Especial B, apenas para os três primeiros colocados do Grupo Especial A e para a campeã do Grupo de Acesso. 
 
No entanto, a vencedora do Grupo B, Escola de Samba Novo Império, foi premiada com R$ 15 mil. Já a segunda colocada do Grupo A, Mocidade Unida da Glória, recebeu R$ 10 mil no lugar dos R$ 15 mil previstos no plano de trabalho. Já para a terceira colocada, a Unidos da Piedade, cuja premiação prevista era R$ 10 mil, não consta recibo de pagamento à agremiação.
 
Tanto sobre a distribuição desproporcional no item “Premiação à Lieses por participação das Agremiações filiadas”, quando a premiação à primeira colocada do Grupo Especial B no Carnaval 2014, a Semttre se manifestou por nota afirmando que os valores repassados via convênio com a Lieses “são decididos entre os associados da liga em assembleia geral. E que a prestação de contas estão com documentação regular, assinados e endossados pelos presidentes das escolas de samba”. 
 
Por sua vez, o presidente da Lieses, Rogério Sarmento, explica que o item em questão é uma rubrica criada pela prefeitura para destinação restrita dos recursos: às agremiações da capital capixaba e pagamento de prestadores de serviço, como sonorização. Ele explicou que as escolas contempladas segundo o item apenas endossaram os respectivos cheques e estes, em seguida, foram depositados em uma conta movimento da entidade. O montante, então, foi destinado às agremiações da capital e aos prestadores de serviço.
 
Mas Sarmento não diz quais prestadores de serviço: “Não sou obrigado a lembrar tudo”, esquiva-se. A situação se agrava: o presidente da Lieses também não apresenta cópias de contratos, nem recibos ou comprovantes de pagamento aos prestadores de serviço. Ele garantiu que, se autorizado por sua assessoria jurídica, enviaria à reportagem a cópia desses recibos e comprovantes. Não enviou.
 
Esses dados deveriam constar nas prestações de conta das gestões de 2014 e 2015 da Lieses, que, destacou, ele ainda não entregou, mas estão prontas para sê-lo. “Não entreguei por ser um assunto interno da entidade”, limita-se a dizer. 
 
A gestão de Sarmento é controversa. O segundo mandato terminou no início deste ano expondo fissuras políticas em série dentro da entidade. Sarmento enfrenta oposição inclusive do vice-presidente, Pedro Suzana. 
 
A polêmica mais recente aconteceu em janeiro. Embora o estatuto da Lieses garanta no máximo a reeleição, Sarmento tentou no início deste ano garantir um terceiro mandato, por antecipação do processo eleitoral. Foi impedido por decisão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), que concedeu liminar em pedido de antecipação de tutela ajuizado por Suzana. A juíza Cláudia Sangali, da 6° Vara Cível, determinou a suspensão da assembleia geral extraordinária marcada para 14 de janeiro.
 
O vice-presidente tomara conhecimento de edital de convocação para assembleia eletiva de nova mesa diretora da Lieses publicado na imprensa
 
“Verifica-se que o artigo 62 do Estatuto Social estabelece que o mandato da Diretoria Executiva, composta pelo presidente e vice-presidente, tem duração de quatro anos, com término do atual mandato em maio de 2016. Assim, causa espécie a movimentação realizada para antecipação em quatro meses para eleição da nova Diretoria Executiva sem observância do prazo de publicação do edital de convocação. Daí porque tenho a prova inequívoca capaz de conduzir à verossimilhança da alegação”, diz um trecho da decisão. 
 

Sarmento também enfrenta contestação entre as agremiações. Na última terça-feira (19), ocorreu assembleia geral da Lieses convocada, agora, pelas escolas para deliberação das prestações de contas dos anos de 2012, 2013, 2014, 2015 e Carnaval de 2016. Assinaram o edital a Chega Mais, Chegou o que Faltava, Boa Vista, Pega no Samba, Andaraí, Rosas de Ouro e Imperatriz do Forte, ou seja, mais da metade do quadro de afiliadas da Lieses.

 
Sarmento novamente não apresentou as prestações de conta. Ele alega que encaminhou os processos referentes a 2012 e 2013 em março de 2014 para o Conselho Fiscal, mas acusa os conselheiros de omissão. “Eu espero que as contas sejam analisadas”, afirma. Por sua vez, o presidente do Conselho Fiscal da entidade, Jadilson Damasceno, explica que na assembleia geral do dia 19 Sarmento pediu mais 20 dias para apresentar as quatro prestações de conta pendentes. 
 
Os convênios também violam o Manual de Gestão de Convênios e Instrumentos Congêneres da Prefeitura de Vitória.
 
Segundo o item 1.1.5 do manual, o proponente interessado deve encaminhar à secretaria “declaração do dirigente máximo da entidade informando que nenhum membro do corpo dirigente da entidade, ou respectivo cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade até o 2º grau, seja servidor público investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta do poder Executivo do Município de Vitória”.  
 
Ambos os convênios registram a Declaração de Não Impedimento do presidente da Lieses. Apesar disso, segundo o Portal da Transparência da prefeitura, a esposa de Rogério, Edmara Sarmento, está lotada em cargo comissionado na Secretaria de Governo desde abril de 2013. As declarações não foram contestadas pela Prefeitura de Vitória. 
 
A defesa de Sarmento da legalidade da declaração não é convincente. “Minha mulher trabalha em um setor completamente diferente”, justifica. As secretarias de Cultura e Turismo são as pastas diretamente envolvidas na produção do Carnaval. Sarmento completa que sua interpretação do item não segue orientação jurídica. “Eu interpretei assim”, diz, com naturalidade. 
 
Questionada sobre a Declaração de Não Impedimento de Rogério Sarmento, a Secretaria Municipal de Turismo silenciou.

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