Os moradores, a maioria pequenos agricultores, realizaram um protesto na última segunda-feira (25) na BR-101 pelo asfaltamento da rodovia estadual e foram reprimidos de maneira violenta e desproporcional pelas forças policiais. A única demanda dos moradores é uma data para a conclusão do asfaltamento da estrada, iniciada ainda no governo de Renato Casagrande (PSB) e paralisada tão logo Paulo Hartung (PMDB) assumiu o governo, em janeiro de2015.
Apesar do constrangimento de terem sido tratados como bandidos, detidos e autuados, os moradores não pretendem esmorecer. As cobranças continuarão em outras esferas.
É o que conta a moradora Gilcilene Souza, moradora da comunidade Nova Vista, em São Mateus. Ela é professora e, no dia dos protestos, foi a primeira a ser detida. Gilcilene não é uma liderança comunitária formal, mas foi assediada por assessores de secretários estaduais, que pediam que ela articulasse com as comunidades o adiamento do processo. O serviço de “inteligência” dos secretários e parlamentares apontaram-na como líder, mesmo ela sendo apenas mais uma moradora prejudicada pela paralisação das obras.
Gilcilene conta que o primeiro contato que teve foi com os assessores do governador Paulo Hartung, que sabiam que haveria o protesto na segunda-feira (25) e tentaram dissuadir os moradores a mudarem as datas. O pedido de adiamento, de acordo com os emissários do governo, se justificava pelo fato de haver um evento programado na fábrica de caminhões Volare, em São Mateus, que teria a presença de Hartung e comitiva no mesmo dia da manifestação. Ela explica que, quando os moradores marcaram a manifestação, não sabiam que haveria este evento na fábrica, que é próxima do local onde havia sido marcado o ato, muito menos que o governador estaria presente.
No dia 23 de abril, um sábado, dois homens que se diziam assessores do deputado estadual Gildevan Fernandes (PMDB) e do secretário-chefe da Casa Civil, Paulo Roberto, procuraram Gilcilene em casa, sabendo inclusive o nome da filha dela, de apenas três anos, e solicitaram uma reunião com as comunidades.
Ela acionou todos os contatos que tinha de moradores e conseguiu reunir, no dia seguinte, 200 pessoas para a reunião com o deputado Gildevan e o secretário Paulo Roberto. “A nossa tentativa era mostrar que atrás de todo aquele eucalipto às margens da rodovia havia pessoas que também precisam se locomover”, disse Gilcilene.
Como é comum no governo Paulo Hartung, Gildevan e Paulo Roberto chegaram à reunião com os moradores sem qualquer proposta, solicitando o somente que fosse mudada a data do protesto. Eles voltaram a alegar que não havia dinheiro para terminar o asfaltamento. No entanto, o ex-governador, Renato Casagrande, em postagem no Facebook, ressaltou que, diferentemente do que vem alegando o atual governador, as obras estavam em andamento e com recurso em caixa quando foram paralisadas pelo sucessor.
Segundo Casagrande, as empresas tiveram problema com o fornecimento de brita na região, o que impactou o ritmo das obras em 2014. No entanto, por conta do tempo de paralisação, as obras já deveriam estar bem adiantadas ou até mesmo concluídas.
Marcada como uma das lideranças do protesto, Gilcilene sofreu a humilhação de ser perseguida no dia da manifestação, com policiais interpelando moradores com a foto dela e perguntando se a conheciam. Foi detida logo no início da operação e levada no camburão para a delegacia. A única coisa que a professora tinha nas mãos era uma pasta. Enquanto ela era levada, o “bombardeio” contra manifestantes continuava.
Os policiais, que atiravam bombas de gás lacrimogêneo, gás de pimenta e balas de borracha contra os manifestantes conseguiram afugentar os moradores da BR 101-norte até a área urbana de São Mateus. A fumaça atingiu uma creche e comércios do entorno. “Esse é o tipo de polícia preparada pelo Estado”, critica Gilcilene.
Os seis moradores detidos só foram liberados na noite de segunda-feira, depois do pagamento de fiança no valor de R$ 300 cada um. “O delegado queria arbitrar a fiança em um salário mínimo [R$ 870], mas o advogado dos moradores argumentou e ele baixou o valor”, conta ela. Um adolescente também foi detido, encaminhado à Polícia Civil para ser entregue aos responsáveis, sob termo de responsabilidade
O que aconteceu com os moradores detidos mostra a tentativa de criminalizar um movimento de reivindicação legitimo dos moradores. “Se pensaram que prendendo os moradores o grupo ficaria desmoralizado, não conseguiram. Agora que nos organizamos, vamos continuar lutando”, desabafa ela.
José Carlos Grilo, que tem uma pequena propriedade em Morro das Araras, às margens da ES-315, também participou do protesto da última segunda-feira. Ele, que é técnico em mecânica aposentado, repete que os moradores só querem a conclusão do asfaltamento.
Segundo ele, depois dos protestos e da violência sofrida pelos moradores, eles passaram a ser procurados por emissários do deputado estadual Eustáquio de Freitas (PSB).
Grilo, que é produtor de leite, lembra que a violência da polícia atingiu também idosos e crianças, que não portavam nenhuma arma. “Fomos recebidos como se fôssemos delinquentes”, conta ele, que sofreu uma queda de pressão arterial por conta das bombas jogadas pela polícia.
Ele lembra que atrás dos eucaliptos que margeiam a ES-315 há produtores de cacau, banana, mamão e leite que precisam escoar a produção. “Mesmo que não tivesse produção para escoar, a estrada dá dignidade aos moradores”.
O morador ressalta que, quando não é a poeira da estrada que incomoda, é a lama. Para completar, teve início no trecho da estrada sem pavimentação uma onda de assaltos. O próprio José Carlos conta que, quando trafegava pela região, quase bateu em um tronco de eucalipto colocado propositalmente na estrada. Por sorte, conseguiu desviar, mas ele tem certeza que seria assaltado caso parasse para retirar o tronco da estrada.
Ele ressaltou que o que os moradores querem é apoio para a conclusão das obras, e não mais transtornos.