A primeira sessão de oitivas da CPI dos Táxis, na Câmara de Vitória, colheu um depoimento peculiar de um personagem peculiar. Por mais de uma vez, o presidente do Sindicato Profissional dos Motoristas de Táxi (Sindtavi), João Valiati Fidêncio, declarou, por si mesmo, que a lei municipal de regulamentação do serviço de táxi é inconstitucional. Base jurídica? Nenhuma. Somente o fato de que o sindicato entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a norma.
A sessão foi realizada nessa terça-feira (3). A CPI dos Táxis investiga supostas irregularidades nos contratos de permissão em Vitória.
Quando o presidente CPI, Devanir Ferreira (PRB), perguntou como é a escala de trabalho dos defensores, Fidêncio já apresentou aquilo que seria seu direcionamento durante a oitiva. “É livre.Vou falar pela lei federal, porque o sindicato está contestando a lei municipal, porque ela é inconstitucional”, respondeu.
O presidente do sindicato se amparou nas leis federais 6.094, de 1974, 12.468, de 2011, e 12.765, de 2012, e mostrou não só ignorar a o decreto municipal 13.802, de 2008, que regulamenta o serviço de táxi em Vitória, como também desconhecer a lei federal 12.587, de 2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.
O artigo 12 dessa lei determina que “os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal (…)”.
Fidêncio mostrou saber muito de leis federais, mas omitiu informações sobre o funcionamento do lucrativo mercado de táxi da capital capixaba, em que permissionários, que não trabalham, enriquecem à custa do trabalho de defensores, e gestores de placas constituem frotas particulares de táxi de até 60 veículos.
Por exemplo, a questão das diárias pagas por defensores aos permissionários. Quando questionado pelo vice-presidente Reinaldo Bolão (PT) sobre o valor das diárias, elei ofereceu uma resposta pouco convicente. “Varia. O valor da diária é o custo do serviço”, disse.
É justamente o valor das diárias, que em Vitória oscila entre R$ 200 e R$ 300, que constitui o patrimônio dos grandes gestores de placas. Como Século Diário revelou em uma série de reportagens, três grandes gestores de placas em Vitória lucram pelo menos R$ 300 mil mensais, exigindo diárias exorbitantes dos defensores, com valores entre R$ 250 e R$ 300.
Causa estranheza uma declaração de tal natureza de um presidente de sindicato de taxistas.
Como apontam os indícios levantados por Século Diário, além da utilização de “laranjas” em licitações, os gestores de placas constituem frotas particulares também com procurações e sublocação de placa, esta uma prática vedada pela norma municipal, sob pena de cassação da permissão.
Fidêncio defendeu a existência do taxista-locatário, baseado na lei federal 12.468. Mas o artigo quarta da lei, justamente aquele que classifica a figura, foi vetado pela Presidência da República, por invadir a competência municipal na regulamentação do serviço.
O presidente do Sindtavi se abrigou em dispositivos federais para se esquivar de dúvidas constrangedoras no serviço de táxi de Vitória. Ele não elucidou a relação trabalhista entre permissionários e defensores. Ele também utitliza a figura do autorizatário, aquele que ganhou placas da prefeitura antes da licitação de 2008, a primeira do gênero.
Questionado sobre como ganhou a permissão do veículo 0268, Fidêncio gaguejou. Disse que taxistas ganharam por transferência, herança ou mesmo por indenização pelo fechamento da empresa de táxi que operava o serviço. Mas ele mesmo não respondeu como ganhou a própria placa.
O presidente do sindicato também não soube responder qual a jornada de trabalho dos defensores. “Enquanto autorizatário, ele faz um acordo, mas enquanto presidente do sindicato, não sabe dizer qual a jornada de trabalho do defensor”, disse Bolão. O vereador complementou: “Se você tem um profissional que trabalha 16 horas por dia, ele está colocando em risco a vida do passageiro”. Fidêncio deu de ombros. “Então o senhor vai fazer essa denúncia no Ministério Público do Trabalho”.
O vereador Devanir Ferreira (PRB) tentou desmontar a tese do presidente do sindicato de desobediência à lei municipal. “O senhor fala muito na lei federal. Acho que o senhor atropela a lei municipal”. “Mas é a municipal que atropela a federal”, riu Fidêncio. Devanir retrucou. “A lei federal diz que compete ao município legislar sobre o serviço de táxi. O senhor está dizendo que a lei municipal é inconstitucional sem ter sofrido Adin”. Mas Fidêncio insistiu na tese.
O relator Serjão Magalhães (PTB) questionou a João Valiati o que a norma municipal prescreve ao permissionário que não tem mais condição de dirigir seu veículo. “Não tenho essa informação”, disse, constrangido. Vailati disse ainda ter conhecimento de que há permissionários que não dirigem seus veículos. A seguir, Bolão questionou se o sindicato tem conhecimento de comercialização de placas de táxi em Vitória. Mais uma vez, esquivou-se: “Se existe, não tenho conhecimento”.
O presidente do Sindtavi se abrigou em dispositivos federais para se esquivar de dúvidas constrangedoras no serviço de táxi de Vitória. Omitiu-se em todos os temas que comprometessem o bom funcionamento do esquema dos táxis em Vitória. Fidêncio passou a mensagem que o Sindtavi defende, antes, permissionários e gestores de placas do que defensores.
Essa sessão da CPI dos Táxis lembrou as primeiras da CPI da Máfia dos Guinchos, na Assembleia Legislativa. A comissão estadual então apurava denúncias de guinchamento arbitrário de veículos nos estacionamentos rotativos de Vitória por agentes da guarda municipal. Em depoimento, os agentes tentaram blindar suas pataquadas com base em leis federais. Deu no que deu. A CPI dos Guinchos desmontou a máfia do guinchamento arbitrário, os agentes baixaram a bola e nunca mais se ouviu falar de apreensão de veículo nos rotativos de Vitória.
A CPI dos Táxis também divulgou o número telefônico 162 para encaminhamento de denúncias.