A Prefeitura de Vitória descumpre desde setembro do ano passado uma sentença judicial determinando melhorias no atendimento do programa Porta a Porta, de oferta de transporte para pessoas com deficiência. Segundo a decisão da 5° Vara da Fazenda Pública Estadual, o município deveria aumentar a frota do programa em oito veículos e reduzir do período de agendamento de três dias úteis para duas horas.
O Ministério Público Estadual (MPES) expediu em 4 de setembro um requerimento de início de cumprimento de sentença cível condenatória contra o município. Em 5 de outubro, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) publicou despacho de citação do município para cumprimento da sentença no prazo de 30 dias.
Mas hoje o quadro ainda é tão desalentador que o presidente do Movimento Organizado de Valorização da Acessibilidade (Mova), José Olympio Rangel Barreto, presidente a a prisão dos responsáveis. “Acho que o juiz tem que mandar pedir a prisão dessas pessoas. Ordem judicial não se discute, se cumpre”. A negligência da prefeitura afeta o direito básico do ser humano à acessibilidade. “Tem gente que perde o hospital e não vai à escola”, diz.
A situação evidencia que a política de redução de custos das empresas concessionárias do transporte municipal e Prefeitura de Vitória não poupa nem a população com mobilidade reduzida.
Segundo Olympio, a ação que culminou na sentença é de 2006, movida pelo órgão ministerial em favor de um deficiente sem condição de mobilidade para frequentar a escola. A ação se arrastou na justiça até 2011, quando foi publicado um acórdão do julgamento pelo TJES fixando as sentenças de aumento de frota e redução de tempo de agendamento. Segundo o acórdão, o Porta a Porta “vem ferindo os direitos fundamentais à saúde e à educação de diversos portadores de necessidades especiais”.
Entre recursos e mais recursos, a ação passeou mais quatro anos pelas gavetas dos tribunais até ser retomada definitivamente em 2015.
Olympio sentiu na pele a omissão da prefeitura. Morador de uma íngreme rua em Fradinhos, inscreveu-se no Porta a Porta em junho de 2012, mas até o início de 2015 ainda não sabia o que é usufruir do serviço. Entre desembolsar R$ 40 para cada corrida de táxi ou ficar preso em casa, escolheu a segunda opção. Só deixava a clausura quando necessário. Mas a paciência se esgotou. Em janeiro, Olympio notificou extrajudicialmente a Prefeitura de Vitória, o secretário municipal de Transportes, José Eduardo de Souza, e o MPES, sua “imediata e eficaz” inclusão no programa.
Olympio mostra a ata de uma reunião realizada em 19 de maio de 2015 para discutir as mazelas do Porta a Porta, reunindo usuários do programa e representantes do MPES, Secretaria Municipal de Transportes (Setran) e Ceturb-GV, mostra a prefeitura não apenas se esquivando de explicações, mas, pior, defendendo os empresários do transporte público.
Segundo a ata, o subsecretário José Eduardo Oliveira lamuriou que “o transporte municipal perde para o metropolitano 17% dos usuários do transporte convencional para o Sistema Transcol, que afeta negativamente o custeio do Transporte Porta a Porta de forma indireta. O custo do Porta e Porta é mantido pelas concessionárias que atende a rede municipal e que estas concessionárias alegam que não suportam o atendimento atual da demanda de aumento da frota para atender aos usuários do Porta a Porta ou que dele necessitem”.
Em bom português, José Eduardo justificou a própria negligência com a cantilena costumeira: o custo do sistema. Quando este não se mantém, prefeitura e empresas sacrificam o cidadão. Por ironia do destino e falha do Porta a Porta, Olympio foi à reunião de táxi.
O interessante é que as pessoas com deficiência já então conferiam o filme da política de redução de custos das empresas e prefeitura que iria se repetir poucos meses depois com o transporte convencional. Em setembro, estouraria a crise do Integra Vitória. No início deste ano, o sistema entraria em colapso com ações de aumento de tarifa e redução de frota. Até aqui, a política de transporte público do prefeito Luciano Rezende (PPS) é pelo menos melancólica.
Na mesma reunião, a ata registra que Olympio citou o acórdão de 2011. Mas a os representantes da prefeitura mais uma vez se esquivaram. A Procuradoria Municipal disse que iria investigar a existência do acórdão e verifica seu cumprimento.
Segundo Olympio, cerca de 300 pessoas estão inscritas no Porta a Porta e outras cerca de 300 aguardam na fila de espera. Com 10 carros, o Porta a Porta é operado pelas mesmas concessionárias do sistema convencional. A empresa Grande Vitória opera quatro veículos, a Tabuazeiro, três, e a Unimar, dois veículos.
“Mas os da Tabuazeiro nunca tem” denuncia Olympio. Entre “carros-fantasmas” e quebrados, apenas seis veículos efetivamente estão nas ruas, assegura o presidente do Mova.
Olympio relata uma reunião ocorrida semana passada na Prefeitura de Vitória para tratar da insuficiência de veículos dos Porta a Porta. Os usuários foram recebidos pelo subsecretário de Trânsito Leonil Dias. Ficaram na mesma: Leonil ouviu as queixas, mas fingiu que não era com ele. E fingiu bem, transferindo a paternidade do problema para as empresas. A prefeitura não poderia fazer nada, tal como, até aqui, não fez.