Decreto publicado pelo prefeito de Anchieta (sul do Estado), Marcus Assad (PTB), declara de utilidade pública uma área de quase 15 mil metros quadrados no bairro Mãe-Bá para implantação de um parque natural municipal. A unidade de conservação confronta com as margens da lagoa de mesmo nome, contaminada há décadas por rejeitos de minério de ferro das quatro usinas da Samarco.
No ato publicado no Diário Oficial, o prefeito justifica a medida na necessidade de “proteção dos recursos ambientais, recuperar e manter o equilíbrio ecológico à preservação da biota terrestre e aquática, e propiciar condições para atividades de educação, recreação e turismo ecológico”.
Além da lagoa Mãe-Bá, o terreno confronta com propriedades de Aurentino Rodrigues Simões e da Marinha.
A publicação não informa o total dos recursos que serão aplicados na implantação da unidade, nem se são provenientes de compensação ambiental da empresa.
No processo de licenciamento ambiental da Quarta Usina, foi determinado o investimento de R$ 8 milhões em unidades próximas ao empreendimento, inaugurado em 2014. Esses procedimentos, no entanto, não têm a devida transparência, o que prejudica a devida fiscalização da sociedade.
A lagoa Mãe-Bá, a segunda maior do Estado e que dá nome ao bairro, já foi uma rica área pesqueira, mas devido à recorrente contaminação pela Samarco, hoje não abriga sequer espécies de peixes que sobrevivem em água poluída, como a tilápia. A lagoa está contaminada por rejeitos da mineração e metais pesados, como o mercúrio, e ainda por enxofre.
O despejo de rejeitos de minério sem tratamento na Mãe-Bá ocorre por meio de um vertedouro que tem na Barragem Norte, localizada dentro da área das usinas da empresa em Ubu. Esta barragem recebe despejos sistemáticos de grande quantidade de minério quando ocorrem problemas na produção, o que é frequente.
O ponto crítico, como apontam os moradores, fica próximo a dois locais por onde desce o minério e que, estrategicamente, só podem ser visto de barco ou caminhando pelas margens. Parte da barragem já está assoreada, com profundidade de menos de um metro, e apresenta coloração vermelha.
Denúncias indicam, ainda, que esta barragem teria sido item de condicionante da licença ambiental da Quarta Usina de Pelotização. A Samarco/Vale deveria ter garantido a limpeza da água, o que só fez até a finalização do processo. Depois de concedida a licença, os órgãos ambientais não promoveram a devida fiscalização.
O crime ambiental contra a lagoa é denunciado há anos por moradores aos órgãos responsáveis, porém, sem providências. A própria empresa já foi cobrada reiteradas vezes sobre a poluição da lagoa, inclusive, quando foi registrada uma grande mortandade de peixes no local, mas também nunca apresentou respostas.
A mesma omissão ocorre em relação à poluição do ar emitida pela empresa no sul do Estado, que há décadas gera impactos ao meio ambiente e à saúde da população.
Reincidente
A Samarco/Vale usa a lagoa Mãe-Bá para lançamento de seus rejeitos desde sua criação, em 1977, e já acumula multas por isso. A última delas foi em 2010, no valor de R$ 204 mil, aplicada pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). Em setembro deste ano, porém, o secretário de Estado de Meio Ambiente, Rodrigo Júdice, garantiu a anulação da multa, infringindo a própria Resolução 004/2011 do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), do qual é presidente.
Em 2008, pelo mesmo motivo, a empresa foi multada em mais de R$ 1,3 milhão pelo Iema, após constatação de poluição na lagoa e praias de Mãe-Bá e a praia do Além. Naquela época, a empresa já acumulava R$ 5 milhões em multa no órgão ambiental. No entanto, não há transparência sobre o destino desse dinheiro que, quando pago, vai para o Tesouro Nacional.