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Secretária da Fazenda reforça cenário de crise financeira no Espírito Santo

A crise político-institucional que abalou a economia do País também produziu efeitos devastadores nas contas públicas do Estado. Se antes o discurso oficial era da iminência de uma crise financeira, hoje esse é um cenário consolidado. Todas essas conclusões puderam ser extraídas na fala da secretária estadual da Fazenda, Ana Paula Vescovi, que prestou contas das finanças capixabas à Assembleia Legislativa nesta segunda-feira (16).

Bastou o rebaixamento da nota fiscal do Espírito Santo – que saiu do posto de Estado com a melhor situação do País para figurar uma indigesta “nota B”, atribuída pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) – para acender o sinal de alerta entre os deputados. Pouco adiantou a tentativa da secretária de atribuir a responsabilidade da crise ao crescimento das despesas entre 2012 e 2014, na época do governo Renato Casagrande (PSB). Será a atual administração a sentir os efeitos mais indesejados da “deteriorização das contas públicas”.

Chama atenção que esse termo não é novo. Pelo contrário, passou a ser utilizado à exaustão desde a publicação do famoso relatório sobre a situação econômica do Estado – redigido por Vescovi em conjunto com o professor universitário Rodrigo Medeiros e o economista Haroldo Rocha, atual secretário de Educação – às vésperas do pleito de 2014.

O documento serviu ao discurso do então candidato ao governo Paulo Hartung (PMDB) para atacar a gestão de Casagrande – hoje seu principal rival político. A deteorização das contas que, lá atrás, obrigava uma “chacoalhada” – termo eleitoreiro usado por Hartung para indicar a necessidade de mudança nos rumos do governo, hoje se tornou uma realidade. E o pior: a conta deve mesmo recair para o atual governador.

Os motivos são óbvios. Se antes, Hartung era visto como “salvador da pátria” ao conseguir pagar o funcionalismo público em dia. Talvez nos próximos meses, o governo capixaba siga o (péssimo) exemplo de outros estados, que não têm sequer recursos em caixa para pagar seus funcionários e aposentados – incluindo, os pensionistas. Soma-se a isso, a incerteza sobre a manutenção dos pagamentos a todos os fornecedores do Estado.

Tanto que esse foi o questionamento feito pelo deputado Euclério Sampaio (PDT), vice-presidente da Comissão de Finanças. Como resposta, ele recebeu da secretária a promessa de que será feito o possível para cumprir a obrigação de pagar os servidores, mas sem um pingo a mais de convicção. “Nosso esforço é máximo e a equipe está envolvida para arcar com a folha de salário”, disse Vescovi, sem poder apelar ao expediente de “esticar os números” – como foi acusada por integrantes do governo passado ao interpretar os balancetes do final de gestão à sua maneira para ressaltar a suposta “herança maldita”.

Desta vez, os números da própria Secretaria da Fazenda (Sefaz) deixam claro que a situação não é boa. Segundo ela, a arrecadação do Estado no primeiro quadrimestre de 2015 foi 13% menor do que a registrada no ano anterior – caindo de R$ 3,344 bilhões para R$ 3,169 bilhões. Sem levar em consideração a “sopa” de números nas casas decimais, isso significa uma queda de arrecadação de R$ 175 milhões em apenas quatro meses.

Mais grave ainda é o fato de ter sido registrado no primeiro quadrimestre, quando o Estado acumula receitas para todo o ano, como o pagamento do IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores), recolhido a partir de março. Por isso, o resultado primário (saldo entre receitas e despesas não financeiras) alcançou um superávit de R$ 290 milhões, que foi R$19 milhões inferior ao valor obtido em 2015.

“Isso não é folga, é resultado de um período do ano em que as receitas têm sua tipicidade, como o pagamento do IPVA, e as despesas são mais leves, partes delas se acentua no segundo semestre”, explicou. Já o Caixa do Tesouro Estadual, que reflete o resultado orçamentário do Poder Executivo, excluídos os recursos vinculados, teve um saldo deficitário de R$ 22 milhões, saindo de um superávit de R$ 97 milhões no ano passado. E não se pode nem falar que o governo está gastando mais para prover melhores serviços à população.

Para a secretária, caso a atual gestão não adotasse sua política de disciplina em relação aos gastos, o resultado seria ainda pior. Entre as medidas citadas por Vescovi, estão o decreto de contenção de gastos, a reprogramação do orçamento, a suspensão de despesas supérfluas, o congelamento de cargos vagos e a revisão de contratos. Já o funcionalismo público se queixa da falta da revisão salarial e da atualização do valor do auxílio-alimentação, um dos setores com maior alta de preço nos últimos tempos. Vale destacar que algumas categorias sequer recebem o benefício, apesar de ser um direito a todos – reconhecido (e ignorado) pelo próprio Estado.

Mesmo sem o Estado mover uma palha para rever os índices de cálculo da dívida pública – hoje em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) –, a secretária fez um alerta sobre o assunto. Para Vescovi, a maior preocupação é com as dívidas que crescem anualmente, como os encargos da dívida pública e o regime de previdência.

“A crise fiscal é o epicentro de tudo que estamos passando hoje. Não vale a pena ser irresponsável do ponto de vista fiscal. Vários Estados não conseguem pagar suas folhas de pagamento, estão devendo fornecedores e não pagam suas dívidas. Mais de uma dezena de Estados estão assim e os relatos no Confaz [sigla que se refere ao Conselho Nacional de Política Fazendária, colegiado que reúne os 27 secretários da Fazenda dos estados e do Distrito Federal] são ainda mais dramáticos”, disse Vescovi aos parlamentares.

Governista de carteirinha, o deputado Dary Pagung (PRP), presidente da Comissão de Finanças, questionou a secretária sobre a queda da nota da situação fiscal do Estado. Foi o palanque ideal para “criminalização” da gestão anterior: “Entre 2012 e 2014, sobrecarregamos as despesas do Estado ante a uma receita que não crescia. Isso exauriu a reserva de Caixa e a capacidade de investir com recursos próprios”. Essa última expressão não é nem um pouco nova.

Contudo, apesar de todo o discurso de crise, não deixam de existir gargalos. Foi justamente esse ponto que foi abordado pelo deputado Hudson Leal (PTN), que fez um duro questionamento à secretária sobre a compra sem licitação de repelentes pela Secretaria de Saúde (Sesa), que saiu por um preço quase três vezes maior do que o valor de mercado. Antes, Vescovi havia alertado para a possibilidade de um colapso no custeio da saúde pública.

Diante da clara contradição, sobrou para Vescovi recorrer ao discurso oficial: “O governo tem cuidado com os procedimentos licitatórios, tem uma previsão legal de trato de emergência. O Estado lançou mão dessa compra e o preço foi questionado. Tem uma comissão que acompanha isso”, declarou, ladeada por outros integrantes do governo, entre eles, o secretário de Transparência, Eugênio Ricas, que é titular da pasta responsável por esse controle interno.

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