Essa não foi a primeira entidade a questionar o acordo que estabelece prazos e valores para reparação dos danos ambientais provocados no desastre ocorrido no dia 5 de novembro do ano passado. Entidades de direitos humanos e a Defensoria Pública do Espírito Santo também denunciaram que o acordo, que excluiu a participação dos atingidos pelo crime ambiental. Esses mesmos termos também constam no recurso do MPF, assinado pelo procurador regional da República, Felício Pontes Júnior. Ele cita ainda vários outros motivos para questionar a validade do acordo.
Segundo informações do MPF, os autores da ação civil pública (entes federais) e as empresas mobilizaram-se na formatação de um acordo que, segundo o Ministério Público, não poderia prosperar porque, além de não garantir a reparação integral do dano, a proposta não tutela de forma integral, adequada e suficiente os direitos coletivos afetados, diante da ausência de participação efetiva dos atingidos nas negociações e da limitação de aportes de recursos por parte das empresas para a adoção de medidas reparatórias e compensatórias.
Para o órgão ministerial, a homologação do acordo – feito pelo Núcleo de Conciliação do TRF-1, suspendendo, na prática, a tramitação da ação em tramitação na 12ª Vara Federal em Belo Horizonte – tem de ser revista, porque a decisão viola competência do juízo de primeiro grau, além de impedir a participação de outros legitimados, como a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública capixaba, que já haviam pedido para ingressar na ação originária como litisconsortes ativos (coautores).
O MPF elenca ainda o descontentamento da sociedade atingida em relação ao acordo celebrado. Além do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a própria presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados manifestou repúdio ao conteúdo do acordo e descontentamento quanto à forma como foi conduzida a homologação.
Pontes Junior também alerta para a inclusão de cláusula no acordo que põe fim à ação civil pública que tramita na 1ª instância. “Não há até o presente momento diagnóstico conclusivo sobre os impactos do desastre no meio físico, biótico e socioeconômico. O que há são laudos preliminares, elaborados tanto por parte do Poder Público quanto por parte das empresas. Por isso, podemos considerar que o acordo fere o princípio do poluidor-pagador, que impõe aos agentes poluidores a obrigação de reparação integral dos danos, assim como a de internalizar os custos sociais negativos de sua atividade econômica”, disse.
O procurador regional defende ainda que os valores já gastos em 2016 não devem ser abatidos do pagamento de R$ 2 bilhões determinados anteriormente pela Justiça Federal. O MPF entende também como prejudicial a limitação de despesas para a adoção de medidas compensatórias, no valor de R$ 4,1 bilhões, já que houve solicitação às empresa da execução de uma série de políticas públicas não implementadas, como, por exemplo, a construção de estações de tratamento de esgoto e centros de tratamento de resíduos sólidos. “Há falta de clareza técnica do acordo até mesmo para se identificar o que seriam medidas reparatórias e o que seriam compensatórias”, diz o recurso.
O autor do recurso afirma que “se os valores compensatórios acordados com o Poder Público tivessem sido interpretados com garantia mínima, não haveria impugnação do acordo”. Em relação às controladoras da Samarco – Vale e à BHP –, o órgão ministerial defende que haja a responsabilização solidária dos poluidores. Quanto ao Comitê Interfederativo regulamentado no acordo, o MPF entende que ele é inconstitucional, pois constitui órgão público interfederativo “disfarçado”, criado em violação ao princípio da reserva legal e da separação dos poderes.
O MPF sustenta ainda que, apesar de constar pedido expresso na ação originária de condenação das empresas à indenização por danos extrapatrimoniais coletivos, o acordo não traz nenhuma linha sobre o tema e, inexplicavelmente, trata de forma exaustiva o evento e suas consequências socioambientais e socioeconômicas, com a suspensão do processo até o cumprimento das obrigações e extinção dos agravos de instrumentos então pendentes. “Portanto, o acordo praticamente extingue a indenização pelo dano extrapatrimonial coletivo, omissão que necessita ser sanada”, concluiu Pontes Junior.
'Acordão'
O acordo extrajudicial, denunciado por oito entidades este mês à Organização das Nações Unidas (ONU) , foi assinado no início de março em solenidade no Palácio do Planalto, em Brasília, sob protestos dos movimentos sociais e comunidades atingidas, excluídos da negociação. O processo estabelece que a Samarco destine R$ 4,4 bilhões nos próximos três anos para compensar os prejuízos sociais, ambientais e econômicos do crime. Ao todo, o acordo prevê um aporte de R$ 20 bilhões ao longo de 20 anos. O dinheiro será usado por uma fundação formada por especialistas indicados pela mineradora, responsáveis por decidir inclusive sobre indenizações.
Na ocasião da divulgação do acordo, o Ministério Público Federal (MPF) se retirou do processo, por considerar que a solução extrajudicial buscava preservar o patrimônio das empresas. O órgão ministerial calcula serem necessários R$ 155 bilhões para reparação total dos danos sociais, ambientais e econômicos causados pelo rompimento da barragem da mineradora, que é alvo de outra ação na Justiça Federal.