O CONHECIMENTO COMO PACTO
O conhecimento é motivo chave da aventura de Dr. Fausto diante da terrível presença de Mefistófeles, sabendo-se que o mais alto tesouro da sabedoria não se produz por um pacto, o momento-chave de que Dr.Fausto se serve das manhas de Mefistófeles, por sua vez, está relacionada ao conhecimento de si e da natureza, Dr.Fausto quer decifrar os mistérios que dormitam no universo, isto é, despertá-los, e isso tem um efeito que o pacto poderá tornar doloroso, sua alma é raptada por um desejo de tudo abarcar de ciência e filosofia. Para o dr.Fausto, o homem pode saber mais, muito mais. Nem que para isso seja necessário aliar-se a um anjo das trevas, o terrível Mefistófeles.
Dr.Fausto conhece muitas coisas: botânica, medicina, astrologia, agricultura, matemática. Estudando todas as ciências, descobriu tudo o que um simples mortal poderia saber em sua breve permanência na Terra, ele sente que precisa de mais, no entanto. Indo mais longe de que o engenho humano é capaz, num acordo espiritual que não passa de um artifício, visto que Dr. Fausto se dá com um demônio, seu conhecimento ainda não fora suficiente para decifrar todos os mistérios da existência. Obcecado pela sede do saber, Fausto firma um pacto com o demônio, cuja aliança o conduzirá aos prazeres do conhecimento, da vida e do amor.
O primeiro livro sobre Fausto outorgava-lhe, no frontispício, os títulos de Magister Georgius Sabellicus, Fausto, o Jovem, Fonte dos Negromantes, Astrônomo e Astrólogo, Segundo na Hidromancia, Conhecido Também Sob o Nome de Fausto, Philosophus Philosophorum, Semideus de Heidelberg e foi escrito por um obscuro autor alemão, Johannes Trithenius (1462-1516), no ano de 1530.
Na Europa, o mito de Fausto tornou-se tão popular que, no final do século XVI, começaram a surgir frequentes representações teatrais sobre a história desse homem – meio mago, meio cientista – considerado, na época, um charlatão. O inglês Christopher Marlowe (1564-1593), em A Trágica História do Doutor Fausto (1588), foi o primeiro dramaturgo a dar nova dimensão a esse herói, empenhado na luta de compreender o misterioso sentido da existência.
Goethe era um jovem de 20 anos quando se apaixonou pela história de Fausto. De 1797 1832, entregou-se à tarefa de escrever o seu Fausto. A peça acabou por se tornar a síntese das ideias e do estilo do autor, seu trabalho que ganhou a forma de todo o seu engenho poético, constituindo também uma espécie de suma poética da cultura do seu tempo. Goethe se afirma com Fausto um conhecedor profundo do que seu próprio tempo e época representava, tal obra Fausto, herdada da cultura e aperfeiçoada pela sua pena, ganha o verniz do grande autor de fôlego que foi Goethe.
O Fausto de Goethe não deseja apenas dominar o conhecimento e a ciência, mas estender os limites da compreensão humana até o ponto de abarcar o universo inteiro. E, acima de tudo, Fausto aspira a viver a felicidade. Tão remota lhe parece essa possibilidade, que ele se dispõe a entregar a alma ao demônio em troca de uma vivência, embora breve, desse sentimento. A felicidade do conhecimento pleno do universo e da própria vida dão o ardor visceral do desejo de Fausto, tal peça escrita por Goethe é a trama e a aventura de um homem que tenta uma cultura a mais vasta possível, e fazendo valer isto por um pacto sinistro.
A primeira ideia de Fausto foi expressa por Goethe em 1775, em Urfaust, que é às vezes denominado de Fausto Primitivo. Em 1797 a ideia foi retomada segundo um plano completamente diferente: em nove episódios e sob forma dramática. Nela, Goethe trabalhou até 1806. A partir de 1808, sob a influência de Schiller, o dramaturgo resolveu continuar a obra, elaborando uma segunda parte, que na realidade tem pouca relação com o primeiro Fausto, mais conhecido e divulgado.
Historicamente, a primeira parte de Fausto é mais importante pelo papel que representou no movimento Sturm und Drang: a peça foi vista como um símbolo da alma moderna, a personificação da angústia que marcava o espírito da época.
Sabe-se que Goethe não foi o único autor alemão do século XVIII a descobrir a potencialidade trágica desse homem. Fausto, empenhado em decifrar o mistério da vida. Lessing também escreveu um Fausto, do qual restam apenas alguns fragmentos. A inquietação do dr.Fausto estava em consonância com o tipo de mentalidade rebelde do pré-romantismo. Todo o movimento tempestade e ímpeto surgia por um novo anelo de que a razão iluminista era incapaz de nutrir, o desejo do Homem acima de tudo ganha para o conhecimento a razão apaixonada de um Fausto pelas mãos habilidosas do escritor Goethe.
É como um herói insaciável e em conflito que Fausto é apresentado por Goethe. Sua sede de onipotência leva-o a dominar várias ciências, mas nenhuma delas o conduz ao mistério da existência. Fausto chega, assim, a perder a fé nas vias ordinárias da ciência. Anseia por conhecer mais e mais: vida, alegria, amor, magia. Anseia por transformar-se numa espécie de deus, com acesso ilimitado a todas as manifestações da natureza. A natureza, que em si comporta toda a felicidade e miséria, tem na vida e conhecimento de Fausto, o rapto de sua alma por um Mefistófeles ladino e até desbocado, Goethe certamente se diverte ao criar a sua versão da entidade nefasta.
No momento em que Fausto tem consciência dos seus limites, Mefistófeles entra em cena. O demônio se oferece para conduzi-lo a um novo universo, onde as emoções são íntegras, a sabedoria é infinita e tudo está em perfeita harmonia com a vontade. E principalmente Mefistófeles lhe propõe o prazer total e pleno da alegria e do amor, mas o dom de controlar os sentimentos e as pessoas como um mago, retendo nas mãos o tempo, e fazendo a natureza oscilar segundo seu próprio desejo. Gozando plenamente o ato de ser feliz. Fausto deverá, no entanto, pagar um preço a Mefistófeles: entregar-se a ele. Nesse instante, o diabo terá vencido Deus.
O episódio Fausto e Margarida constitui o motivo central da peça. A jovem é a personificação da pureza e da candura, atraindo a paixão de Fausto desde o primeiro momento em que ele a vê saindo de uma igreja. Mas Mefistófeles não tem poder sobre ela para lançá-la aos braços de Fausto: Margarida está mais próxima de Deus pelas suas virtudes. Margarida é o anteparo de luz para um Fausto já comprometido por um pacto sem luz.
Fausto é insistente e Mefistófeles acaba por se comprometer, criando uma situação favorável. E esse demônio, humano na inteligência e no aspecto, insidioso, melífluo, mestre do jogo duplo, aproxima Fausto de Margarida. O herói aborda a jovem e consegue, por intermédio de Mefistófeles, penetrar em seu quarto. Mas invadido por uma onda de ternura, Fausto não consegue ter senão pensamentos nobres, e afasta-se antes de Margarida chegar.
No monólogo “Floresta e Caverna” percebe-se nitidamente a realidade na qual Margarida foi colocada. Ela, que vivia na inocência dos seus pensamentos, como uma criança, está sendo lançada ao abismo, vítima do seu amor. Fausto gostaria de recuar antes de seduzir a moça, mas ele também carrega dentro de si o seu Mefistófeles, e na medida que Margarida cresce em virtude diante dos seus olhos, aumenta seu desejo por ela. O amor que constituía, a princípio, uma expressão de felicidade, converte-se para Fausto num grande tormento interior. Fausto entra no dilema entre o seu pacto e a fonte divina que emana de Margarida com um tipo de culpa para ele.
Fausto acaba por seduzir Margarida, no entanto. Para poder possuí-la tranquilamente, Fausto dá a Margarida um sonífero, destinado à sua mãe. Na verdade, o sonífero era um veneno que Mefistófeles preparara e, em consequência, a mãe da jovem morrerá. Mas naquela noite, ébria de amor, Margarida nada vê, além de Fausto. E com a sua queda a ação rapidamente se precipita. Toda a trama se dará em função da condenação de Fausto, que quer salvar Margarida de seu pesadelo, e diante do mal em Mefistófeles, Fausto já tem o caminho traçado, não cabendo senão a Fausto assegurar a salvação divina de Margarida, quando de fato, ao fim, ela é salva e Fausto desaparece junto com Mefistófeles.
PRIMEIRO E SEGUNDO FAUSTOS
Na segunda parte da obra de Goethe, por sua vez, Fausto será uma personagem mais serena. Ao escrever essa segunda parte, Goethe estava mais velho e deixara de lado o romantismo dos tempos de Os Sofrimentos do Jovem Werther. O segundo Fausto vai abandonar decisivamente a estrutura teatral, a progressão e tensão dramáticas, para se converter num vasto poema dialogado. No final da obra, Fausto consegue obter sua própria redenção, após descobrir que através de seu poder boa parte da humanidade poderia ser beneficiada. A mudança de rota do segundo Fausto não suprimiu o maior sucesso da primeira versão romantizada, a qual teve montagens teatrais mais frequentes.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor
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