Quando o cotidiano, a rotina mesmo, é o que rege a ordem de tudo, cabe ao homem procurar em meio a isso um pouco do surpreendente. Nem que sejam só detalhes. Nem que seja só para perceber os cenários que abrigam as rotinas. A leitura do livro Tem Sol na Ponta do Deque, de João Chagas (foto ao lado), permite perceber que as rotinas carregam mais do que se espera.
O Frio, no conto No Eden I: Floresemdiasfrios é o alvo de uma pequena história que golpeia a moça apaixonada. O Passarinho, no conto de abertura do livro, é mais um desses personagens que em outras histórias seriam cenários, detalhes, descrições rasas de ambientes. Mas aqui tudo isso se torna história, com narradores brincalhões, com vozes na primeira pessoa e, por vezes, algumas reviravoltas.
“É exatamente essa questão da rotina (detesto essa palavra) que tenho trabalhado no intuito de destacar como tudo constrói o cotidiano; como tudo que está a nossa volta faz parte da história e a gente não presta atenção. Eu reparo muito nisso quando viajo para lugares que não conheço. Fico nessa de olhar e observar as coisas. E na minha cidade eu não faço isso. Em Vila Velha não reparo mais nas coisas que montam a cidade”, detalha João.
“Essa coisa do quase real. E eu acho isso tão interessante de ver acontecer. A ideia é exatamente misturar essa cena que é extremamente comum, algo do cotidiano e por isso até chato, com uma coisa um pouco surpreendente no meio”, acrescenta. Contudo, como nem toda a história do cotidiano necessita de uma grande ação, muitos dos 27 contos escritos por João também não desafiam as narrativas monótonas. A monotonia é outro tempero de Tem Sol na Ponta do Deque – que volta e meia é salpicado por um conto que aborda a cozinha, as refeições, as situações que brotam daí, como em Receita de Pimentões Recheados; ou só o esperado café com pão no texto de Pra Fazer Ninho.
A monotonia traz situações do cotidiano sem reviravoltas, sem ações, apenas vislumbres ou até reflexões, como em Angioplastia, cortado pela frase ‘Acho que velhice é aceitar que as pessoas e as coisas vão embora uma hora’; ou, claro, no conto que dá nome ao livro, Tem Sol na Ponta do Deque, feito inteiramente em cima de uma reflexão. Nele, um senhor em plena fase de realização das coisas da vida se vê completo. Tão completo que decide pelo suicídio como contentamento.
‘Contentamento é esvaziar ou alcançar seus objetivos completamente’ – trecho do conto Tem Sol na Ponta do Deque.
João conta ter certo fascínio pela história que nomeia o livro. Não há desespero nela, apenas a calmaria de alguém que se vê satisfeito e, assim, decide por findar a rotina no mar – cortado pelo sol. Sol esse que corta quase sempre todo o livro, criando uma unidade em conjunto com a já citada monotonia e o tom de surrealismo encontrado nas fábulas.
Nessa reunião de contos estão cerca de dez anos de escritos de João. Alguns retirados do blog do escritor – datados de 2006 – outros escritos no ano passado. Foi a partir desse conjunto que João projetou emplacar a publicação do livro por um edital do Governo. Durante as tentativas de publicação muitos contos saíram, ganharam novos detalhes, alguns foram publicados em revistas, outros mudaram de títulos.
Este é o primeiro livro especificamente de contos do escritor, que estreou com quadrinhos lá em 2013; entrou no romance em 2014, com a publicação A paz dos vagabundos; e agora passeia pelos contos, onde gosta de estar. “Desde que comecei a me enxergar como escritor eu penso em contos. De fato, a prosa me faz mais feliz do que a poesia quando falo sobre a minha produção”, salienta ele, que no momento dedica-se a um novo romance e, para isso, tem estudado estruturas de narrativas literárias mais extensas, além de ler o argentino Borges e tomar alguns de seus exemplos.
Tem Sol na Ponta do Deque já recebeu um pequeno evento de lançamento na última edição do Sarau Ruínas, em Guarapari, no início do mês – e ainda terá incursões de lançamento pelo Sudeste e até Sul do país. Mas seu evento oficial de lançamento será realizado mesmo em Vitória, na próxima quarta-feira (15), a partir das 19h, no Bar do Bimbo, Centro de Vitória. Por lá o livro será vendido por R$ 20,00.
Serviço
O lançamento do livro Tem sol na ponta do deque, de João Chagas, será realizado na próxima quarta-feira (15), às 19h, no Bar do Bimbo – rua Sete de Setembro, Centro de Vitória. O livro será vendido por R$ 20,00.