A história de ocupação e as possibilidades de retomar a sustentabilidade da região do Vale do Rio Doce foram discutidas no seminário “Vale do Rio Doce: passados, presentes e futuros”, realizado nesta segunda-feira (20) no auditório do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
O professor Haruf Salmen Espíndola, da Universidade Vale do Rio Doce (Univale), ministrou a palestra de abertura, sobre a formação histórica da região.
Haruf destacou uma mudança drástica de percepção sobre a região: em 1989 foi classificada oficialmente, segundo diagnóstico do governo mineiro, como um local problemático – mais ainda do que o já conhecidamente castigado Jequitinhonha, visto que o Rio Doce não dispunha sequer de um diagnóstico mais concreto de seus desafios e particularidades –, sendo que, pouco mais de 30 anos antes, era considerada terra de promissões e abundância. Desvendar o que aconteceu nesse ínterim foi sua maior motivação para se dedicar aos estudos sobre o Vale.
A explicação para isso passa por uma das principais peculiaridades regionais, que foi o fato do ponto máximo de formação do território ter sido concomitante com o início do processo de industrialização no país (entre 1930 e 1960). Nesse contexto, a presença das indústrias de base foi o principal responsável por definir seu perfil socioeconômico. A mineração e a siderurgia foram desde o início os carros-chefe, dada a abundância de minério de ferro, florestas e água. Uma curiosidade é que o intenso desmatamento chegou a ser defendido, e aclamado, na década de 1930, como solução para o problema da malária, entre outros benefícios.
Resumidamente, no auge ainda da expansão industrial, a economia produzia índices elevados de produção e exportação e, junto com ela, o crescimento demográfico. O colapso ambiental passou a ser manifestar mais fortemente na década de 1960, quando a redução da cobertura florestal chegou a 2,5% da original, além da perda de solo e escassez de recursos hídricos, entre outras consequências nefastas. Na década de 1990, todos os indicadores econômicos e demográficos apresentam forte inflexão, com reduções populacionais de pelo menos 30% nos municípios e fuga intensa do capital. A peça teatral “O Último que Sair Apague a Luz”, de Silvio Piazzorolo e o Grupo Insistente Cia. retrata, com ironia, essa situação calamitosa.
“O desastre da Samarco/Vale /BHP não foi um desastre natural, foi um desastre tecnológico, uma irresponsabilidade, resultado da falta de planejamento e compromisso com a sustentabilidade por parte das empresas e dos governos”, protestou Haruf, enfatizando o caráter de discriminação ambiental da tragédia, visto que destruiu povoados e impactou principalmente comunidades negras e fragilizadas socialmente. Afirmou que o crime precisa ser investigado, com devida punição dos responsáveis , mas que ele não pode encobrir as décadas de seguidas tragédias e irresponsabilidades diversas, de vários atores sociais. “É preciso fazer uma reconversão histórica”, propôs.
Em seguida à palestra, formou-se uma mesa-redonda com a presença dos professores Marta Zorzal e Silva e Paulo Sérgio de Paula Vargas, da Ufes, e do jornalista Rogério Medeiros, diretor do jornal Século Diário, com mediação do professor Kleber Frizzera, também da Ufes.
Marta Zorzal apresentou a história da empresa Vale, fundada em 1942, como forma de atender às demandas dos aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje reúne um conjunto de dezenas de empresas, que atuam principalmente nos segmentos de Mineração, Logística, Energia e Siderurgia.
O professor Paulo Sergio apresentou os dados e propostas produzidas pelo projeto “MG – ES: um sistema infraestrutural”. Destacou que só é possível compreender o sistema MG-ES com suas articulações internacionais, entendendo que todos os controles de fluxos e articulações entre os elementos logísticos visam um “alisamento” e aceleração do território, comprimindo o espaço, para facilitar o escoamento dos recursos naturais para o mercado externo, provocando uma baixa interlocução com as comunidades locais. Esses vazios urbanos, por outro lado, podem abrigar novas formas de desenvolvimento do território urbano. “É preciso irrigar de atividades o território”, sugere o projeto em suas conclusões.
O jornalista Rogério Medeiros aprofundou a crítica sobre o distanciamento entre os lucros gerados pelas atividades de mineração, celulose, siderurgia e portos e os benefícios gerados para a população capixaba. Destacou a desproporção entre os desastres ambientais provocados historicamente e o número de empregos gerados, bem como o volume de recursos que chegam aos cofres públicos, visto que há isenção de Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) e que as sedes administrativas de todas as grandes empresas estão fora do Espírito Santo (a Vale está no Rio de Janeiro, a ArcelorMittal em Minas Gerais e a Fibria -Aracruz Celulose – em São Paulo).
Rogério denunciou ainda que, além de não receber ICMS, o governo estadual ainda tem que repassar às prefeituras onde as empresas mantém seus escritórios locais, o valor correspondente a 30% do que seria gerado de ICMS caso não houvesse a isenção do imposto. “O governo tem prejuízo dobrado, pagando do seu bolso pra que elas nos cubram de poluição”, criticou.
No período da tarde, a programação do Seminário consistiu num encontro com apresentação e debate de propostas em execução e projetos, além da formação de uma proposta de intercambio entre a Ufes e a Univale.