O PL 208/2016 repete a fórmula adotada na lei que regulamentou o Programa de Incentivo ao Investimento no Estado (Invest-ES). Na verdade, o texto repete os mesmos termos dos decretos que instituíram os benefícios logo no início da Era Hartung. De igual forma, a validade dos incentivos fiscais era colocada em xeque por não atenderem aos critérios estabelecidos na Constituição Federal, quais sejam: previsão em lei especifica ou aprovação unânime pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), colegiado formado pelos 27 secretários de Fazenda dos estados e do Distrito Federal.
Tanto o Compete-ES quanto o Invest-ES – até a publicação da lei na última semana – poderiam ser alvo de questionamentos judiciais. É o que ocorre com os Contratos de Competitividade, que provocaram uma série de ações populares contrários aos benefícios na Justiça estadual e de uma ação direta de inconstitucionalidade movida pelo governo de São Paulo no Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de a Justiça estadual ter extinguido as primeiras com o levantamento de filigranas jurídicas, o processo no STF ainda carece de apreciação – esse sim poderia ser a pá de cal nos incentivos, que contemplam 20 setores industriais, sendo os empresários atacadistas os maiores beneficiados.
Na justificativa do PL, Hartung foi econômico nas palavras, talvez buscando revelar o menos possível sobre a proposta – certamente contando com a ignorância da maior parte dos deputados ao tratar do tema. “O Programa tem o propósito de estabelecer medidas e mecanismos de proteção à economia do Estado, apoiando novos empreendimentos, como alternativa à necessidade de garantir a competitividade de setores ou segmentos da economia do Estado, em especial, para ocupação de espaços no mercado, frente aos benefícios fiscais concedidos por outras unidades federadas”, afirma no texto.
Em seguida, o governador revela o que há por trás desse “novo programa”: “Vinculado à celebração de Contrato de Competitividade – COMPETE/ES, que congregará e compatibilizará as ações voltadas para o desenvolvimento do Estado do Espírito Santo, observadas as diretrizes do planejamento governamental, objetivando contribuir para a expansão, modernização e diversificação dos setores produtivos do Estado, e estimular a realização de investimentos, a renovação tecnológica das estruturas produtivas e o aumento da competitividade estadual, com ênfase na geração de emprego e renda e na redução das desigualdades sociais e regionais”.
No entanto, todo esse economês cai por terra ao longo dos 30 artigos da proposta legislativa, sendo que o 29º garante a convalidação de todos os incentivos, seja por decreto ou outros meios precários, feitos por mais de uma década. Neste caso, não há sequer menção do termo “segurança jurídica”, empregado na ocasião do encaminhamento do projeto sobre o Invest-ES. Mas ao contrário daquela, os contratos de competitividade têm, pelo menos, uma estimativa de sua renúncia fiscal. A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017, aprovado na última semana, revela que as empresas incentivadas vão deixar de arrecadar quase R$ 1 bilhão por ano.
De acordo com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento (Sedes), que faz a gestão dos benefícios, as empresas que aderirem ao Contrato se comprometem a atingir: promoção do desenvolvimento sustentável; crescimento médio anual no número de empregos ofertados no setor; integração com instituições de ensino do 3º grau; capacitação e qualificação de mão de obra; investimentos na competitividade setorial e empresarial; crescimento na arrecadação do ICMS gerado pelo setor; crescimento anual das exportações; e a ampliação da participação no mercado local.
Contudo, não há maiores informações sobre o cumprimento dessas exigências, com exceção de relatórios de análise encaminhados por representantes de 012 dos 20 setores contemplados, com parcas informações sobre o mercado e o faturamento das empresas. Chama atenção que o setor atacadista é o principal beneficiado e o menos transparente. Estima-se hoje que mais de 600 empresas aderiram ao Compete-ES destinado ao setor. Em 2014, o Sindicato do Comércio Atacadista do Estado (Sincades) divulgou em seu único relatório sobre suas atividades que as empresas do setor movimentaram R$ 21 bilhões, porém, a arrecadação do ICMS ficou na casa dos R$ 500 milhões.
A lista das empresas beneficiadas pelo benefício de recolher apenas 1% dos 12% devidos nas operações interestaduais abrangem, inclusive, empresas que não guardam qualquer relação com o negócio atacadista. O maior exemplo vem da Suzano Papel e Celulose S/A, que, mesmo sendo sua atividade-fim a venda de papel, virou atacadista no Espírito Santo. Talvez por isso o governador capixaba seja o principal alvo da ação do governo paulista no Supremo. Isso porque as empresas beneficiadas cobram dos demais estados os créditos tributários sobre o que acabou não recolhendo ao Estado, um exemplo típico da chamada “guerra fiscal”.
No processo no STF, o então advogado-geral da União, Luiz Inácio Adams, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já se manifestaram pela ilegalidade dos benefícios concedidos por decreto. A ADI 4935 foi protocolada em abril de 2013, porém, o caso está parado desde outubro de 2014 nas mãos do relator, ministro Gilmar Mendes. Em abril desse ano, o Sindicato dos Servidores Públicos do Estado (Sindipúblicos) fez um novo pedido de ingresso na ação como amicus curiae (parte interessada). A entidade justifica que a matéria é relevante para a população, sobretudo, ao funcionalismo público devido à resistência do governo em dar transparência às renúncias fiscais.
O PL 208/2016 foi lido no expediente da sessão desta segunda e deve começar a tramitar esta semana. O texto deverá passar pelas comissões permanentes de Justiça e de Finanças. No entanto, o governo poderá recorrer ao regime de urgência para acelerar a votação, restringindo a discussão sobre o texto aos pareceres orais em plenário. O projeto de lei não exige quórum qualificado, podendo ser aprovado de forma simbólica.