Ao longo das trinta páginas do recurso, a defesa repete a estratégia de desqualificar os relatórios e provas levantadas pela Polícia Federal. No entanto, a principal queixa da mineradora é sobre a possibilidade de nova interdição após a conclusão de uma perícia solicitada pela Justiça Federal de Vitória, mesma instância que determinou a suspensão das atividades econômicas no porto em janeiro deste ano.
No julgamento realizado no início de junho, a 2ª Turma Especializada do TRF-2 determinou a realização da perícia em até 60 dias, a ser custeada pela empresa. Os peritos vão verificar a eficácia das medidas que devem ser implementadas para minimizar as emissões de poluentes e o derramamento de minério no mar. A empresa, desde o início do processo, tenta reverter a imposição de condicionantes nesse sentido.
Para isso, a defesa sugere que a decisão não levou em consideração que a empresa é parte em outras ações judiciais sobre o tema, além de que as atividades seriam “minuciosamente reguladas e fiscalizadas” pelos órgãos ambientais. “Jamais foi constatada qualquer irregularidade no cumprimento das condições impostas pelos órgãos ambientais e, mesmo com a sua evidente pré-disposição a acusar a Vale, os relatórios mencionados no acórdão também não chegam ao ponto de sustentar tal posição [interdição do porto]”, sustenta.
E prossegue: “Nenhum dos relatórios, ‘estudos’ ou depoimentos constantes do inquérito sequer sugere a possibilidade de paralisação das atividades do Porto de Tubarão, possibilidade que o acórdão recorrido deixa em aberto, mediante uma nova apreciação da própria autoridade coatora, após a produção da prova pericial”, afirma a peça recursal.
Segundo a empresa, não há comprovação da prática de crime ambiental. “Pelo contrário, todos eles [elementos no inquérito], sem qualquer exceção, registram, quando muito, que há queda residual de minério de ferro no mar do entorno do próprio porto, sem jamais afirmar que há mortandade de animais, ou qualquer prejuízo efetivo à fauna, flora ou à saúde humana decorrentes da atividade portuária”, garante a poluidora.
No entanto, a situação encontrada pelos policiais federais foi justamente o contrário: a poluição atmosférica causada pela atividade de pelotização de minério de ferro, bem como a queda no mar de Camburi de carvão mineral – usada na aciaria das indústrias – durante seu transporte, formando uma pluma que vai parar nas areias da praia. Tudo isso foi devidamente ignorado pela empresa que, no recurso, alega que “não há identificação de qualquer cidadão específico, ou morador de Vitória, que tenha adquirido problemas respiratórios ou cardiovasculares comprovadamente em razão de emissões das atividades exercidas”.
Outro ponto questionado é a determinação do TRF-2 para que a empresa garanta o acesso irrestrito das equipes da PF ou agentes técnicos indicados pela Justiça às instalações do Porto de Tubarão, em qualquer horário do dia ou da noite, para monitoramento da poluição no local. Sobre este ponto, a Vale registra que não se opõe ao acompanhamento da PF ou qualquer autoridade de fiscalização. No entanto, a empresa não explica o por quê de ter solicitado o fim também dessa obrigatoriedade.
Antes de ser encaminhado ao STJ, o recurso deverá ser admitido pelo vice-presidente do TRF-2, desembargador federal Reis Friede. O Ministério Público Federal (MPF) terá direito de se manifestar em 30 dias a partir de quando for intimado. A princípio, as entidades ambientais e de moradores vítimas da poluição não poderão se manifestar, já que não figuram como partes no processo.
Interdição
O complexo portuário de Tubarão teve as atividades interditadas pela segunda vez em sua história nas primeiras horas da manhã do dia 21 de janeiro. No dia anterior, o juiz federal Marcus Vinícius Figueiredo de Oliveira Costa decidiu pela suspensão das atividades econômicas no local, após flagrantes de poluição no ar e no mar de Camburi. O magistrado destacou que a poluição causada pela Vale e ArcelorMittal Tubarão (antiga CST), mais tarde excluída da ação por não ter relação direta com os fatos, não era um episódio isolado, mas sim fruto de uma “conjuntura consolidada”.
Na decisão, o magistrado acusou ainda as empresas de protelarem medidas para acabar com o pó preto, além de “preterir o direito da população à saúde e ao meio ambiente” em detrimento de interesses econômicos. Marcus Vinícius citou o estudo sobre doenças provocadas pela poluição atmosférica na Grande Vitória para associar as operações das poluidoras às doenças provocadas nos moradores da região metropolitana. Também foram levados em consideração os relatórios de duas CPIs – uma na Assembleia Legislativa e outra na Câmara de Vitória. Naquela oportunidade, o MPF se posicionou contra a interdição.
Já a liminar permitindo o retorno das atividades foi concedida no dia 25 daquele mês. No início de junho, a 2ª Turma Especializada do TRF-2 revogou, por dois votos a um, a decisão de 1º grau que determinava a paralisação das operações da Vale em Tubarão. No colegiado, votaram a favor do mandado de segurança impetrado pela empresa a relatora do caso, desembargadora federal Simone Schreiber, seguida por Messod Azulay, enquanto Ivan Athié se manifestou contrário ao pedido, mas foi voto vencido.