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???A Boa Bicha???, um livro de pluralidades de Sérgio Rodrigo

 
Só a bicha sabe sobre o medo de chupar um pau atrás de um muro. Aliás, só a bicha que chupa paus atrás de muros sabe o que é temer ser pega, violentada e morta por chupar um pau atrás de um muro. (Trecho do conto A Boa Bicha)
 
“O conto A Boa Bicha foi escrito quase numa tacada só. Foi um conto muito delicioso de escrever, ele me veio assim como gozos. E eu o escrevi em contato com a Marília (editora da Pedregulho) e lembro de falar a ela que se me deixasse, eu iria escrever um romance imenso, um Grande Sertão: Veredas bicha – porque estava me dando tesão em escrever. Fiquei um bom tempo sem escrever, então voltar a escrever me deu um grande prazer. E esse conto foi como nenhum outro, fluiu mesmo. Esse personagem que vai caminhando, os gozos que ele foi tendo, eu fui tendo junto”.
 
A fala acima é uma recordação de Sérgio Rodrigo quando escrevia o conto A Boa Bicha, que dá nome ao seu livro de estreia na literatura – “lançar este livro está sendo quase como perder uma espécie de virgindade”, pontua. E por falar em lançamento, o livro foi levado ao público na última terça-feira (19), no campus de Goiabeiras da Ufes, em Vitória. Agora o livro segue em venda online na página oficial da editora Pedregulho. E é bom se antecipar, visto que Sérgio só produziu 150 exemplares. “Minha ideia é o que livro suma mesmo, que as pessoas comprem e acabe rápido”, pontua. 
 
A Boa Bicha marca a “saída do armário” de Sérgio Rodrigo como escritor. Para ele, o livro ainda carrega certa imaturidade em alguns contos, muita vivência em outros e a importância de compartilhar uma escrita que apresenta a bicha. Sim, a bicha. Esse termo que muita gente usa ainda como palavra de ofensa, mas que para Sérgio não tem nada a ver com um termo pejorativo.
 
“A escolha pelo uso da palavra bicha, ao invés de homossexual ou gay, foi uma opção até política. É uma tentativa não solitária de ressignificar esse termo, mostrar que não é problema nenhum ser bicha, muito pelo contrário. Ser bicha é um tipo de vivência, uma experiência de estar no mundo bastante colorida, plural e criativa – que são coisas que dentro do livro procuro encarnar, uma vivência da sexualidade e do gênero que acontece como criação dentro do mundo”, explica Rodrigo. 
 
Ler A Boa Bicha é passear com o autor por alguns cotidianos, algumas vivências e ruas particulares. A cidade atravessa muito dos contos do livro, assim como a sexualidade, que entra naturalmente, às vezes, como uma descoberta – como no conto Aqueles Pelos, em que uma menina desperta em seu corpo o prazer de apreciar um outro corpo, mesmo que intocável –, outras vezes como um exploração de novas experiência, a exemplo do conto principal, A Boa Bicha – uma descoberta e tanto do livro, um conto-tema que faz jus à obra. 
 
Contudo, não espere que A Boa Bicha se resuma a um livro que aborde unicamente a sexualidade e a bicha. A obra mostra-se sensível também ao retratar a pluralidade de temas, como a morte, avidamente representada no conto Leito Materno, que detalha de forma tocante as últimas horas da relação de um filho com sua mãe. Ou em Pé de Coelho, que revela aos poucos como uma família lida com a morte de um tio. E, por inteiro, definitivamente, A Boa Bicha não é um livro de temática homoerótica, é um livro livre, obviamente, de rótulos – o que pode até decepcionar alguns que resumam a obra pela capa, ou pelo conto-tema. “Sobre isso das pessoas se decepcionarem eu acho ótimo. Deleuze [Gilles Deleuze, filósofo francês – 1925-1995] já falava isso, decepcionar é um prazer”, acrescenta.
 
A pluralidade da obra se conduz pelo experimentalismo da escrita, pontuada por muita criatividade e pelo que Sérgio Rodrigo chama de “dar pinta”. O humor existe e é sarcástico, em contrapartida a abordagens mais cruas, sem gírias, diretas, mas repleta de detalhes – aliás, a maioria dos contos do autor é de característica longa, mas de leitura rápida. Um livro que é um convite à diferença e às sexualidades, e até por um certo surrealismo – como no conto Presente, em que uma viúva guarda o pênis do marido na sala de casa. Tudo se une para marcar de forma bastante relevante a chegada de Sérgio Rodrigo à literatura.  
 

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