Imagens registradas por moradores e turistas denunciam a situação dramática do Riacho Doce, pequeno paraíso do litoral capixaba localizado na divisa com o estado da Bahia, acessível por automóvel particular ou caminhada pela praia de aproximadamente dez quilômetros, a partir da Vila de Itaúnas, no município de Conceição da Barra, norte do Estado.
Apesar da grave crise hídrica que assola o norte e noroeste do Espírito Santo, no caso do Riacho Doce, o motivo de sua calamidade remonta há mais tempo e, em busca de reavivar a memória e vivificar a história amarga já há tanto conhecida, buscamos os moradores de Itaúnas e reunimos aqui trechos de seus relatos, que contam, de fato, porque secou o Riacho Doce.
Há muito tempo surgem queixas e, mais do que isso, verdadeiras súplicas dos moradores – nativos e não-nativos – de Itaúnas, denunciando duas situações gravíssimas: crimes ambientais ocorrendo livremente, sem qualquer punição por parte dos órgãos públicos, e opressão e até mesmo ameaças contra quem ousar denunciar os desmandos.
“Tem que ter investigação federal, porque tem muita coisa errada acontecendo aqui”. “O que a gente tá vivendo aqui é tenso demais. A gente vê as irregularidades e não podemos fazer nada”. São alguns dos lamentos ouvidos recentemente, durante a produção da reportagem. Todos os que conversaram com Século Diário só o fizeram mediante garantia de que não serão identificados. Demonstram receio e revolta.
Mas afinal o que acontece com a natureza majestosa do distrito de Itaúnas e arredores? “Coisa que nunca imaginaria que iria ver, que é desmatamentos dentro de áreas de reserva, dentro de fazendas. Muito desmatando, mesmo, de mata virgem”, confidenciam.
Os relatos dão conta que a situação começou a ficar assim há cerca de sete anos, na gestão do biólogo André Tebalde, atual secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Saneamento, Habitação e Meio Ambiente (SEMDESHMA). Ele é conhecido por suas ligações com o prefeito Jorge Donati (PSDB).
O tucano é proprietário de uma indústria alcooleira que, segundo os moradores ouvidos pela reportagem, exala “um mau cheiro muito grande, que prejudica toda a região”. “Fora os venenos, que são jogados no rio Itaúnas”. O manancial tem sido motivo de preocupação, pois está com cor e cheiro muito estranhos. “A gente procura informação e eles [gerência e funcionários do Parque Estadual] não passam informação, pelo contrário, tratam a gente com muita estupidez”, reclamam.
Muito estranho também foi “tirar aquele monte de areia das dunas pra fazer obras em Braço do Rio e na estrada de Itaúnas”, relatam. E ainda tem a caça ilegal: “Estão caçando demais pra vender. Capivara, paca, tatu … grupos que se comunicam pelo WhatsApp e levam tudo pra Minas Gerais e Vitória”.
Mas a maior parte das denúncias dos moradores envolvem mesmo uma infinidade de desmatamentos ilegais que têm ocorrido constantemente, nos últimos sete anos, em fazendas particulares e terras da Aracruz Celulose/Fibria, para plantio de eucalipto e pastagem.
São inúmeros, como “extração ilegal de madeira para construção e decoração de uma pousada nova, ainda sem nome, na vila, que passava em contêineres dentro da vila (denunciado ao Instituto Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos [Iema], que nenhuma providência tomou); alqueires e mais alqueires desmatados da antiga fazenda do Zé Maria; desmatamentos na Fazenda Areia Branca, esta com licença ambiental … e por aí vai. Os fazendeiros estão conseguindo licença do Parque pra desmatar em área de preservação”, esbravejam.
Mas voltemos ao Riacho Doce, cujas fotos evidenciando sua agonia, motivaram a vazão destas denúncias reprimidas, que tanto sufocam os moradores que amam a sua Vila de Itaúnas. A leitora que nos enviou, o fez para também dar vazão à sua tristeza. A ideia era levar o filho para conhecer o famoso Riacho Doce, que ela conheceu através de seu pai, que por sua vez, conheceu através do pai de seu pai …pois esse Riacho Doce não existe mais, pelo menos não neste momento.