A edição desta terça-feira do jornal A Tribuna traz, na editoria de polícia, sem destaque, três notícias sobre crimes violentos que foram cometidos por motivos fúteis. O primeiro, um motorista de táxi executivo morto com 20 tiros sem motivo aparente; em outra ocorrência, um adolescente morto ao dizer o apelido; e o terceiro, e mais estarrecedor, o caso de uma criança de 9 anos baleada em José de Anchieta, na Serra, no momento em que comprava churrasquinho.
A criança – baleada no peito – está internada em estado grave no Hospital Jayme Santos Neves, no mesmo município, e o irmão dela, de 5 anos, que também foi baleado no pé, já teve alta.
Os casos das crianças baleadas – no meio de um tiroteio no início da noite, enquanto faziam atividades comuns – não causou comoção social, mesmo diante do descalabro do fato e, caso acontecesse em outra localidade mais nobre, teria reação diferente por parte da sociedade e do próprio poder público. A percepção de violência nesses bairros mais periféricos continua a mesma, mesmo que os números de homicídios tenham aparentemente reduzidos.
Na ocasião do lançamento da campanha #CompartilheoBem, o secretário de Estado de Segurança Pública, André Garcia, lembrou que ela aposta na promoção da cultura de paz entre os cidadãos para reduzir esses índices de violência. O Estado, no entanto, não apresenta qualquer contrapartida para que essa redução seja efetiva.
O atual governo aposta em uma tendência de redução dos índices e homicídios, consolidada a partir de 2012, para promover uma campanha em cima de números que já têm trajetória descendente, tomando para si a responsabilidade pela redução, o que não condiz com a realidade.
Em artigos publicados na época do lançamento da campanha, tanto o governador quanto André Garcia alegaram que tudo o que o governo poderia ter feito, já fez – citando os programas Escola Viva e Ocupação Social, que ainda não entregaram nenhum resultado prático – sem mencionar que não há nenhum concurso previsto para a recomposição do quadro da Polícia Civil e que as instituições policiais do Estado estão sucateadas e em processo de redução de custos que atinge, inclusive, combustíveis e celulares dos policiais.
Essa tentativa de transferir a responsabilidade para a população sobre a redução dos índices de criminalidade não é tática nova do governador. Em 2010, ano em que o atual prefeito de Vila Velha e então secretário de Segurança, Rodney Miranda (DEM), estava prestes a se desincompatibilizar do cargo para tentar uma vaga de deputado estadual, Hartung tinha duas missões: mostrar que a gestão de Rodney havia sido bem-sucedida (mesmo com os índices de homicídios chegando a patamares absurdos) e tentar fazê-lo deputado estadual.
Para isso, a dupla elegeu o tráfico de drogas como principal motivo dos homicídios, espalhou outdoors pela Grande Vitória com a imagem de um prato cheio de um pó branco, em alusão à cocaína, apontando que 70% das mortes eram decorrentes do tráfico de drogas, e uma responsabilidade de toda a sociedade, se isentando das mortes de mais de 14 mil pessoas que foram assassinadas no Estado entre 2003 e 2010.
O então candidato a uma vaga na Assembleia Legislativa percorreu municípios do interior do Estado também alegando que o governo fazia a parte dele – justamente no momento em que o sucateamento das polícias era muito mais acentuado – e, assim, sensibilizando prefeitos e população. É importante frisar que não houve qualquer investimento na área de segurança pública (aquisição de aparato para as polícias e realização de concurso público) durante os dois primeiros mandatos de Hartung (2003-2010) e o único concurso para a Polícia Civil em mais de 15 anos foi iniciado no apagar das luzes do segundo mandato, com andamento dado pelo sucessor dele, o ex-governador Renato Casagrande (PSB).
Além disso, foi o governo Casagrande que houve alguma aquisição de aparato para as polícias Civil e Militar, que nem pode ser tratado como reforço, mas como reposição daquilo que estava inutilizado por anos de abandono.
O objeto das causas de homicídio mudou. Agora o foco está no fato de 40% das mortes ocorrerem no Estado por motivos banais. No entanto, a maneira como a segurança pública é tratada por Hartung não mudou, já que ele continua não apresentando planejamento para a área e não propõe políticas públicas e valorização dos profissionais do setor.
Prova do abandono das polícias é o fato de estarem acumulados 18 mil mandados de prisão. O acúmulo se dá por não haver efetivo policial suficiente para cumprir os mandados.