A criação da APA data de dezembro de 1994 e foi resultado de uma mobilização dos surfistas locais, preocupados em proteger a restinga, na época ameaçada de desmatamento por parte de uma imobiliária com pretensão de lotear a área mais ao sul da atual APA.
Aproveitando a mobilização pela restinga, o grupo conseguiu ampliar o foco e abranger também a proteção das lagoas de Carapebus e do Baú. Como resultado, a APA foi criada com cerca de 400 hectares, englobando cinco bairros: Praia Mole, Praia de Carapebus e Lagoa de Carapebus (integralmente), Cidade Continental e Balneário de Carapebus (parcialmente).
Apesar de nunca ter tido uma gestão efetivamente implementada pelo governo estadual e de ser pouco conhecida entre os visitantes e mesmo entre os próprios moradores, os 22 anos que se passaram desde a sua criação deixaram algumas marcas positivas, sendo a vegetação de restinga na Praia Mole e as áreas verdes do bairro Cidade Continental as duas mais significativas. O grande bairro estava sendo planejado nessa época e conseguiu-se, através da APA, incluir a preservação de várias áreas verdes, conservadas até hoje, beneficiando a paisagem e o clima local.
Belezas naturais
Na faixa litorânea da APA, sobressai, em Praia de Carapebus, a beleza da praia, com suas ondas fortes e areia amarelada. E, subindo a pequena falésia ao sul, na Praia Mole, propriamente dita, surgem várias piscinas naturais, propícias para brincadeiras e banhos despreocupados das crianças. Ultrapassando a barreira de pedras que formam as piscinas, porém, o paraíso é dos surfistas. São muitos os “picos” de surf dentro da APA e alguns campeonatos já foram realizados. No próximo ano a intenção é trazer um evento nacional.
A faixa de restinga conservada é estreita, mas abriga rica fauna e flora e uma beleza delicada, que realmente se destaca como um grande diferencial no litoral do município, onde predomina uma arquitetura excessivamente antropizada (área cujas características originais – solo, vegetação, relevo e regime hídrico – foram alteradas por consequência de atividade humana), com calçadões, quiosques e quase nenhuma vegetação. Uma das espécies identificadas no levantamento de fauna é o caticoco (Guerlinguetus ingrami), também chamado de esquilo ou caxinguelê, que se tornou símbolo da APA.
Do alto da pequena falésia, a vista enche os olhos e convida à contemplação. No extremo sul da APA, a praia quase deserta e ainda mais selvagem é visitada por famílias e casais que fazem piqueniques sob as sombras das árvores.
Voltando à parte mais urbanizada, a movimentação fica por conta do frescobol, futevôlei, mergulho, natação, e mais surf e bodyboard. Os poucos quiosques atendem aos visitantes, a maioria vinda de outros bairros da Serra, além de Vitória e Cariacica.
A maioria absoluta, no entanto, desconhece a existência da APA, como o casal Leni Gomes e Lúcio Azevedo, moradores da capital. “Não sabia”, afirma Leny. “Mas é uma boa. Deveria ter um centro de informações, de recepção do turista aqui”, sugere Lúcio, apontando para uma casa aparentemente abandonada, no início da subida para a Praia Mole. “Divulgar a APA vai valorizar mais o lugar, atrair mais visitantes”, pondera.
“Tem muito potencial”, confirma Marcelo Lima Guadagnin Cardoso, vice-presidente da Associação de Surf de Praia Mole (ASPM), membro da Associação de Moradores de Praia de Carapebus e um dos representantes do setor empresarial no Conselho Consultivo da unidade de conservação. “Como turismólogo, fiz um estudo bem profundo da APA e levantei os fatores turísticos, que são muitos”, afirma. “Falta um trabalho do gestor pra divulgar a APA entre os moradores e os turistas”, reclama.
Falta gestão
Marcelo e outros moradores, envolvidos na implementação da APA, afirmam categoricamente a falta histórica de compromisso do Instituto Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Iema), gestor responsável pela APA. O órgão nunca nomeou um técnico para assumir a gestão de forma duradoura, o que simplesmente inviabiliza a implementação da APA, apesar dos esforços da comunidade e até da disponibilidade de recursos financeiros, oriundos de compensação ambiental da expansão da ArcelorMittal Tubarão, vizinha de muro da unidade de conservação.
São R$ 1,2 milhão parados, há cerca de dez anos. Uma parte do recurso da compensação, na época, financiou a compra de dois veículos, a elaboração do Plano de Manejo e a realização de um curso de capacitação para os conselheiros. A construção da sede, no entanto, ainda não aconteceu.
Uma nova técnica do Iema aceitou este ano assumir a missão e a expectativa é de que, desta vez, o trabalho tenha continuidade e renda frutos. Um imóvel também já está sendo negociado para desapropriação e instalação da sede. Resta pouco mais de um ano para que o Conselho efetivamente comece a funcionar. As expectativas são boas e os desafios são muitos.
Os impactos ambientais são variados, destacando-se a poluição intensa das lagoas, o excesso de lixo na praia e nos bairros, as invasões às margens da Lagoa de Carapebus e a caça ilegal. Há cerca de dois meses um dos caçadores locais foi preso pela Polícia Militar após denúncia de moradores.
Enquanto produzíamos esta reportagem, presenciamos o trabalho de vistoria da equipe de fiscalização ambiental da Prefeitura da Serra, atendendo a uma denúncia, confirmada, de construção de uma casa de madeira improvisada na APP da Lagoa. “Fizemos o embargo e encaminhamos um processo de pedido de aluguel social para a família”, conta a fiscal de meio ambiente Simone Farage. “São muitos os casos como esse, inclusive casas de alvenaria”, relata.
A prefeitura, aliás, integra o conselho consultivo, mas também é alvo de muitas críticas. “Pelas características, a APA deveria ser municipal”, informa a coordenadora de Áreas Protegidas do Iema, Joseany Trabach . A municipalidade, porém, nunca manifestou o mínimo interesse em assumir a APA.
A Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan) é outro órgão público em débito com a APA. Na Lagoa de Carapebus, uma situação já denunciada no Ministério Público continua sem solução: o mau funcionamento da estação elevatória da Cesan, construída ao lado de uma das nascentes da lagoa. “Ela sempre transborda, poluindo a nascente”, denuncia Marcelo.
Em ambas as lagoas, a falta de ligação das residências à rede coletora de esgoto faz perdurar a intensa poluição das duas lagoas e, eventualmente, quando elas são “abertas”, também do mar. Na Lagoa do Baú a situação é ainda mais grave. Marcelo conta que já documentos e relatos de técnicos do órgão dando conta de que cerca de 70% do volume da Lagoa do Baú consiste em esgoto.
Para além da necessidade primordial das obras e parcerias com órgãos públicos, as últimas reuniões do Conselho evidenciaram outra prioridade, que é a realização de um programa de comunicação ambiental e de um plano de educação ambiental juntos aos moradores, turistas e escolas.
“A questão do lixo é muito pertinente. Tem o serviço de coleta, mas muitas pessoas colocam em dias e horários inadequados, os cachorros rasgam as sacolas e sujam muito o bairro”, observa Cecília Navarro, moradora de Praia de Carapebus e professora no Cemei do bairro. “Precisamos de mais consciência ambiental no nosso bairro”, reivindica.
Apesar do descaso histórico dos órgãos públicos e da imensa gama de problemas ambientais e culturais, o futuro da APA pode ser visto de forma promissora, considerando a soma dos atributos ambientais, do potencial turístico, dos recursos financeiros iniciais disponíveis, da lei e de um grupo significativo de pessoas comprometidas com a causa. Com o apoio mínimo do Estado, a gestão vai acontecer.