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Nem a falta de água faz o governo Hartung intensificar reflorestamento e agir com rigor em relação às indústrias

Um programa de reflorestamento tímido e burocrático, que não dialoga com os movimentos sociais do campo, e que tem orçamento (R$ 25 milhões, segundo anunciado esta semana na imprensa) equivalente a menos de um quarto da verba destinada à construção de barragens e do sistema de captação do Rio Reis Magos (mais de R$ 90 milhões e aproximadamente R$ 50 milhões, respectivamente). Uma medida drástica, de racionamento de água à população, ao invés da exigência ao setor industrial de adotar medidas mais severas de redução de consumo e de fontes alternativas de abastecimento.

Equívocos como esses dão uma forma grotesca à gestão do governo estadual sobre a questão hídrica no Espírito Santo. O descaso do poder público com a proteção dos recursos florestais não é exclusividade desta gestão estadual, nem das anteriores. Faz parte da cultura da gestão pública no Brasil, seja municipal, estadual ou federal, quiçá mundial. Mas é quando a crise chega num estágio perigoso como o atual, em que os rios Santa Maria e Jucu estão próximos da exaustão, cabe ao gestor da ocasião a responsabilidade de fugir à regra e encontrar soluções realmente inovadoras e eficazes.

“A gente responsabiliza, sim, o governador Paulo Hartung [PMDB]”, afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente no Espírito Santo (Sindaema), Fábio Giori, lembrando que o atual governador assumiu seu primeiro mandato em 2003 e, mesmo durante o governo Renato Casagrande (PSB), era o seu grupo político que estava no comando da Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan), do Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama) e da Secretaria de Estado de Saneamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano (Sedurb). “Então, desde 2003, o grupo do Paulo Hartung faz a gestão das águas e do meio ambiente no Espírito Santo”, analisa.

O sindicalista lembra que o modelo de desenvolvimento econômico do Espírito Santo é, em última instância, o verdadeiro gerador da crise hídrica. E cita o norte e o noroeste do Estado como o exemplo mais claro, em que 80% da área agricultável, em alguns municípios, é ocupada pela monocultura de eucalipto – principalmente da Aracruz Celulose (Fibria) – que tem consumo elevadíssimo de água, especialmente nos cinco primeiros anos do plantio. “A crise hídrica é reflexo do modelo econômico construído pelo governador Paulo Hartung”, sentencia.

Essa prioridade ao agronegócio se reflete também nos momentos de remediar, emergencialmente, a falta de água. Fábio cita as críticas feitas por coletivos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) quanto às 30 grandes barragens que serão construídas. “Eles já chamaram atenção em audiências com o governo: essas grandes barragens servirão à grande indústria e ao agronegócio, mas não vão resolver o problema dos trabalhadores rurais. Para eles, seria melhor construir um número maior de barragens de menor porte”, relata.

E beneficiar o trabalhador rural significa garantir a geração de emprego e renda no campo e a produção de alimentos que chega à mesa das famílias nas cidades capixabas. Mas não dá pra fazer isso sem um plano de investimentos, alerta o sindicalista.

“Paulo Hartung não vai fazer tudo o que precisa ser feito para enfrentar a crise. Por isso, não dá para depender dessa estrutura política em que um governo que assume não continua a obra do anterior”, alerta. “O Espirito Santo precisa de um Plano de Segurança Hídrica”, reivindica. Este, como aponta Fábio, deve contemplar planejamentos em saneamento, drenagem e resíduos sólidos, em alinhamento aos planos municipais e estadual de recuperação de nascentes e mata ciliar, e com controle e participação dos trabalhadores do campo e da cidade, como aponta o sindicalista.

Omissão

Os seis mil hectares divulgados pelo governo estadual correspondem a uma área menor do que a que foi, até agora, liberada pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) para plantios de eucaliptos pelas empresas Aracruz Celulose e Suzano. O aumento do deserto verde, portanto, é prioritário em detrimento da recomposição florestal, apesar de toda a propaganda vazia feita pelo governo, seja em matérias ou pronunciamentos vindos do Palácio Anchieta.

Com relação às indústrias da Grande Vitória, especialmente às da Ponta de Tubarão – Vale e ArcelorMittal – a falta de firmeza do poder público, inversamente proporcional à cobrança feita pelas organizações não governamentais, tem protelado perigosamente a adoção de medidas mais severas de redução do consumo da água do Rio Santa Maria.

Relativamente acomodadas com a frouxa exigência e escasso conhecimento técnico dos órgãos governamentais licenciadores e fiscalizadores, as empresas ainda não colocaram em práticas medidas já tecnicamente viáveis, como a dessalinização e a reutilização do efluente tratado oriundo das Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs). 

No agravamento da crise hídrica no início do ano passado, as duas empresas da Ponta de Tubarão consumiam um terço da água vinda do Rio Santa Maria. Hoje, a situação é diferente. “A Vale perfurou muitos poços artesianos em suas dependências e não temos certeza da regularidade ambiental dessas perfurações. Mas o consumo de água da Cesan diminuiu. De 200 litros por segundo, para 50l/s”, relata Fábio. Já a ArcelorMittal, conta o presidente do Sindaema, apesar de um contrato de 1000 l/s com a Cesan, reduziu para 600 l/s no início de 2015 e, hoje, está na faixa de 500l/s.

Apesar da redução, o consumo ainda é muito alto. Corresponde, por exemplo, à vazão liberada da barragem do Rio Bonito pela EDP Escelsa, em atendimento à Cesan toda vez que o sistema do Rio Santa Maria entra em colapso. “Se a dessalinização já estivesse funcionando, não precisaria usar o volume morto de Bonito”, critica Fábio.

O Santa Maria abastece todo o município da Serra, a parte continental de Vitória e uma pequena parte de Cariacica, entre 5% e 10%. Já o Sistema Jucu, que originalmente tinha uma vazão maior, hoje está em situação mais delicada, pois o rio Jucu não conta com nenhuma barragem ou represa para remediar. E é ele que abastece 80% a 90% de Vila Velha, cerca de 60% de Cariacica e toda a parte insular de Vitória.

Na posição do Sindaema, o racionamento veio muito tardiamente. “Você raciona quando ainda tem e pode fazer um controle pra não acabar”, opina o presidente. A situação dos dois rios que abastecem a Grande Vitória, Santa Maria e Jucu, é muito crítica.

Lamentável, portanto, que, devido à omissão do governo, a população esteja agora sendo penalizada com o racionamento. Até porque, racionamento e construção de barragens são medidas paliativas e emergenciais, para tapar um buraco deixado pela negligência histórica do poder público com a conservação florestal. Recuperar a cobertura vegetal é medida urgente e precisa ser realizada em parceria com os movimentos sociais do campo.

A Vale e Arcelor, ao contrário da população, não entraram no rodízio de racionamento imposto pelo governo do Estado. 

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