Fato 1: os peixes do Rio Doce estão contaminados por metais pesados e outros contaminantes oriundos da lama tóxica da Samarco/Vale-BHP e consumi-los consiste em um risco à saúde.
Fato 2: a omissão dos órgãos ambientais no Espírito Santo é tamanha, que a pesca dentro do Rio Doce ainda não foi proibida, quase 11 meses após o crime.
Fato 3: os pescadores têm sido muito precariamente assistidos pela empresa e, por desinformação e revolta, continuam pescando e comercializando.
Fato 4: por omissão dos órgãos responsáveis pela qualidade sanitária do pescado, a população nas cidades não tem como saber qual peixe é oriundo do Rio Doce e leva para casa um produto contaminado.
Parece sinopse de filme de ficção, mas é verdade. Os próprios pescadores não entendem como é possível a pesca no Rio Doce ainda não ter sido proibida. “Por que o juiz liberou o rio que recebeu todo tipo de contaminação?”, pergunta Lione Sarlo, presidente da Associação de Pescadores de Regência.
O pior é que, na verdade, nenhum juiz sequer se viu diante de um pedido de proibição da pesca no Rio, a Justiça ainda nem julgou essa possibilidade. Como isso é possível, diante de tantos indicativos de que o problema é real?
A única região com pesca proibida é no mar, uma área de 77 quilômetros ao redor da Foz, numa profundidade de até 25 metros, desde o dia 22 de fevereiro. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) chegou a orientar a não comercialização de peixes oriundos desta área proibida, mas absolutamente nenhuma fiscalização nesse sentido tem sido realizada. Século Diário entrou em contato, no final de abril, com a assessoria de comunicação da Secretaria de Estado da Saúde, que atende à Anvisa, e do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf), solicitando informações sobre essa fiscalização, mas não obteve nenhuma resposta.
Ora, se no mar está proibida, como pode estar liberada no rio? Lione tem razão em estar perplexo.
Fato 5: há um verdadeiro pavor, entre vários órgãos públicos e da Samarco/Vale-BHP, de anunciar a contaminação dos peixes, pois o impacto sobre a economia capixaba pode ser incalculável.
Várias coletas de peixes têm sido feitas, mas até agora nenhum resultado foi divulgado. “Saiu da associação três carros de peixe pra análise. Por que não mostra pra gente os resultados? A empresa tem que mostrar a análise do peixe e da água e até agora não mostrou. Tem alguma coisa por trás disso”, questiona, novamente, o presidente da Associação de Pescadores de Regência.
Dados existem, mas não são divulgados
A não-divulgação, este mês, de uma nota técnica do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), confirmando a contaminação de todo o Rio Doce, para todos os usos – incluindo abastecimento humano, mesmo com tratamento avançado, recreação primária e secundária, irrigação e dessedentação animal – reforça a ideia de que os metais pesados e outros poluentes estão, sim, se alojando no organismo dos peixes que, ao serem consumidos, passarão esses contaminantes para as pessoas. A nota está circulando entre os órgãos afins com o tema, mas não teve divulgação na sociedade e, mesmo datada de mais de um mês, ainda nenhuma providência governamental foi tomada, sequer alerta à população.
Relegados à falta de informação e a um auxílio financeiro pífio – muito aquém da renda média obtida com a pesca –, os pescadores do rio e da foz continuam pescando.
Os peixes habitualmente viventes na lama natural (porção abaixo do banco de areia, no meio do rio), como tainha, corvina, carapeba e mariscos, não estão tendo procura. Mas o robalo, que vive na areia, nas laterais do corpo d'água, ainda tem tido boa saída. E tome robalo com chumbo, cádmio, níquel, arsênio e outros metais pesados, amargando o paladar dos consumidores ao longo do Rio Doce, em Vitória e, dizem os próprios pescadores, até em Minas Gerais.
“Estão brincando com coisa séria. E nós estamos com pés e mãos quebradas”, reclama o pescador. “Não queremos viver só de cartão, queremos trabalhar, queremos viver a vida que a gente vivia”, lamenta. Além do auxílio mensal ser muito pequeno, as indenizações ainda não saíram. “Fizeram reunião essa semana e disseram que precisam fazer essas ações se não vão tomar multa. Tem que multar mesmo”.
O presidente da Associação critica a forma como tem sido feitos os cadastros e as comunicações dentro da comunidade. Há muita gente recebendo injustamente e outros, que precisam, estão sem nenhum apoio. O correto, diz, seria procurar as Associações de Pescadores para ter os nomes das pessoas que devem ser cadastradas, o que não foi feito até hoje.
Ao contrário, na última visita da Defensoria Pública na região, o defensor a quem estava na quadra fazer uma fila, que iria receber o cartão. ”Um monte de gente ‘de fora’ fez o cartão e um monte de morador e pescador ficou sem”, denuncia.