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John Keats, um dos expoentes do Romantismo Inglês (parte – 1)

INTRODUÇÃO

Keats, embora tivesse a sensação de que poderia, com sua morte, um dia estar configurado entre os poetas históricos ingleses, quando morreu, em Roma, aos 25 anos, não parecia acreditar nisso. Por outro lado, Shelley, em carta a Severn, na qual estava o exemplar de Adonais (elegia funeral consagrada a Keats), afirmava que, mesmo com o gênio transcendente do vate, este, ainda assim, não alcançaria o grau de um poeta popular; e portanto, nem mesmo Shelley, com a sua homenagem, poderia evitar a negligência que cercava o nome de Keats, logo depois de sua morte. Contudo, a posteridade foi generosa com Keats, pois ele logo se tornaria uma grande influência para poetas como Tennyson e Swinburne; e sua balada “La Belle Dame sans Merci” seria como um padrão para os pré-rafaelitas, e, através desses pré-rafaelitas e esteticistas, atingiria, por fim, o Simbolismo francês. E hoje temos Keats como uma figura que está consolidada não apenas na literatura inglesa, como também nas próprias letras universais, onde se destacam, por sua vez, as suas grandes odes.

VIDA

John Keats nasceu em Finsbury, Londres, em 31 de outubro de 1795, e foi estudar na escola do Rev.J.Clarke, em Enfield, onde ficou até 1811. Na escola, Keats mostrava-se popular e bélico, mas de repente, em 1809, desenvolveu-se nele o gosto pela leitura, na qual começou a se aprofundar com avidez, e com isso partiu para uma imersão na mitologia. Em 1811, por sua vez, Keats entrou como aprendiz de Thomas Hammond, cirurgião e boticário em Edmonton. Keats fez, logo em seguida, uma tradução em prosa da Eneida de Virgílio, e em 1812 – diz-se ultimamente que em 1814 – escreveu uma “Imitação de Spenser”, cuja Faerie Queene o havia fascinado. E de 1815, em 2 de fevereiro, data o “Soneto escrito no dia em que Hunt é libertado da prisão”. Esse Hunt – Leigh Hunt – havia sido condenado à prisão em 1813 por um ataque contra o Príncipe Regente, publicado em seu jornal, o Examiner, que Keats lia bastante.

Keats teve o ano de 1816 como um momento importante, pois em 5 de maio viu publicado um poema seu: o soneto “O solitude!”, que saiu no Examiner. Em outubro do mesmo ano, Keats varou uma noite lendo com C.C.Clarke trechos importantes de Homero, na tradução de Chapman, e na manhã seguinte já tinha sua primeira obra tida por keatsiana, isto é, original, que foi o soneto “Ao compulsar, pela primeira vez, o Homero de Chapman”. Nesse mesmo mês conheceu Haydon, o pintor de carreira trágica, bem como o poeta John Hamilton Reynolds; e em dezembro já frequentava a casa de Hunt. E foi quando conheceu Shelley, só que Keats não se aproximou muito dele, e Keats, aliás, não se achegou a nenhum dos grandes poetas de seu tempo, como Wordsworth ou Coleridge, os quais até veio a conhecer, e tendo admiração pelo primeiro, contudo não evitou as divergências, pois considerava a poesia de Wordsworth como egotista, orientação que não era dada à sua própria poesia, e com o segundo, Keats deixou-lhe a impressão de que “já trazia a morte nas mãos”. Assim, o homem de letras mais importante de que ele cultivou a amizade foi Leigh Hunt (1784-1859), poeta, ensaísta e jornalista, autor de The Story of Rimini (1816), amigo de Byron e de Shelley, bem como de Hazlitt e Lamb.

Um artigo de Hunt (não assinado), em dezembro, chamava a atenção, no Examiner, para três poetas de futuro: Shelley, Keats e John Hamilton Reynolds. E em fins de 1816, por sua vez, Keats renunciou à medicina para dedicar-se inteiramente à poesia. E em 3 de março saíram à luz seus Poems, em Londres, editados por C. & J. Ollier, com uma epígrafe de Spenser. E apesar de algumas críticas favoráveis, o livro não vendeu bem, e então foi para o campo onde deu início ao Endimião, depois em Margate e Canterbury, em junho voltou a Hampstead, e em setembro foi para Oxford, e esteve em Stratford-on-Avon, lugar em que deu continuidade ao seu Endimião e em meados de outubro regressou a Hampstead. Em novembro, finalmente terminou, em Surrey, o Endimião. No ano seguinte, 1818, em fins de janeiro, escreveu o soneto “Se tenho medo” e em 19 de fevereiro enviou a Reynolds, em carta, “O que disse o tordo”, um belo soneto em versos brancos. E então Keats começou a escrever “Isabella”, poema tirado de um conto de Boccaccio, e produziu a “Epístola a John Hamilton Reynolds”. Endimião, um romance poético, foi então publicado em fins de abril por Taylor e Hassey. Terminou “Isabella”, e partiu para a Escócia, onde escreveu “Meg Merrillies”.

AS CRÍTICAS AO ENDIMIÃO

Setembro de 1818 não foi muito bom para Keats, pois ele recebeu, logo no dia 1º, como membro da escola “Cockney” (Hunt, Lamb, Hazlitt) uma virulenta crítica, sobre o Endimião, do Blackwood`s Magazine, e que, pela antipatia à posição liberal de Hunt, sobretudo, indicou que Keats voltasse aos seus “emplastros, pílulas e unguentos”, dizendo que era melhor ser um boticário esfomeado do que um poeta faminto. E no curso do mês, nova diatribe contra o Endimião, desta vez da Quarterly Review, e se tais ataques tinham cunho político, também tinha, contudo, razões de estilo, uma vez que o poeta não era dos que seguiam as regras neoclássicas, mas procurava a liberdade natural dos autores da época áurea da literatura inglesa. Pois Keats não tolerava seguir a linha de Pope, estando muito mais ligado ao “esmaltado e musical” que vinham de Spenser. Byron, por sua vez, ligado a Pope, não resistiu e respondeu a uma crítica de Francis Jeffrey na Edinburgh Review (1820), que era uma crítica elogiosa a Keats, e Byron chegou a expressar-se de modo grosseiro: “Nada mais sobre Keats, peço eu: esfolem-no vivo – se algum de vocês não o fizer, devo tirar-lhe a pele eu próprio. Não há como tolerar a salivante estupidez do homenzinho”. E Keats, que não era alto; comenta: “Ora, isso é abominável, também poderíamos chamar Bonaparte de ‘quite the little soldier’. Vocês veem o que é ter menos de seis pés e não ser lorde”. Mais tarde, em carta a Shelley, pouco depois da morte de Keats, Byron se explicaria: “Se eu soubesse que Keats estava morto – ou que estava vivo e era tão sensível, teria omitido algumas observações sobre sua poesia, para as quais fui provocado por seu ataque contra Pope e por minha desaprovação ao seu próprio modo de escrever”. E Byron, numa nota crítica, explica de novo que se indignara com Keats por ter este desconsiderado Pope, e, embora tivesse restrições de corrente estilística, admite que “o fragmento do ‘Hiperíon’ parece realmente inspirado pelos Titãs e é tão sublime quanto Ésquilo”.

E, depois da morte de Keats, tanto Shelley como Byron atribuíram, respectivamente, no Adonais e no Don Juan (canto XI), seu passamento prematuro às críticas adversas do poeta, mesmo com o fato de que Keats não dera importância aos destemperos. Na verdade, Keats sabia que o Endimião ainda não era a sua grande obra, pois se o Endimião ainda apresentava falhas de estrutura e ainda fosse um trabalho difuso, já continha as formas de grande poeta, num percurso que anunciava o júbilo que seria o ano de 1819 para Keats. Pois um poema que começa com o verso “Tudo o que é belo é uma alegria para sempre” e tem trechos como os do “Hino a Pã” não poderia ser ignorado, embora Keats tenha, ao fim, antes de sua morte, se queixado das críticas negativas.

FANNY BRAWNE

No mês de setembro de 1818, Keats começou a escrever “Hiperíon”, desta vez sob a influência de Milton, o qual renegaria logo em seguida, pois considerava que Milton tentara acomodar uma língua do Norte ao grego e ao latim, tendo, ao fim, portanto, um resultado poético artificial, e que, embora isso fosse até bom para Milton, seria a morte para ele, Keats. E, por fim, no mês de novembro, Keats conheceu Fanny Brawne. Pelas cartas e obras de Keats, raras mulheres parecem havê-lo impressionado antes. E conheceu Fanny Brawne, por sua vez, em Wentworth Place: vindo a relacionar-se com Fanny. O poeta conheceu por ela um amor às vezes atormentado que o acompanharia até a morte. Viriam a ter-se por noivos em outubro de 1819. E em dezembro deste ano escreveu “A fantasia” e “Bardos da paixão e da alegria”.

POEMAS:

LA BELLE DAME SANS MERCI: O poema começa em tom aflitivo, o cavaleiro que Keats vê está num tipo de perdição: “Ah! que pode afligir-te, infortunado,/Que assim vagueias pálido e sozinho?” (…) “Um lírio nessa testa eu bem o vejo,/De suor de febre e de aflição molhado;”. E os versos seguem, com a sua motivação real: “Uma dama nos prados encontrei,/Todo-formosa, filha de uma fada:/A cabeleira longa, os pés ligeiros,/A vista descuidada.” (…) “Eu fiz-lhe uma grinalda para a fronte,/E pulseiras e um cinto redolente;/Ela me olhou com ar de quem amasse,/Gemendo suavemente.”. A vida do cavaleiro estava entretecida à da dama, esta que era sem misericórdia, tal é o intento da mitologia quando das imagens femininas arquetípicas, e que conduz suavemente o amante à morte, tal uma viúva negra, mas o amor está também neste paradoxo, pois a dama ama, no entanto: “Procurou para mim raízes doces,/Orvalho de maná e mel do mato;/E numa língua estranha murmurou:/“Eu amo-te de fato”.” A dama amava, o cavaleiro também, e a vida e morte amorosas conduzem o poema, e que de dor finda ou profunda o cativeiro está posto, a dama sem misericórdia não tem pena do destino de seu amante, e Keats termina o poema com a óbvia conclusão, e a coda que dá o título e o sentido do poema como um todo: “Guerreiros, e reis pálidos, e príncipes,/Todos, de morte pálidos, eu vi,/E me diziam: – “Pôs-te em cativeiro/La belle Dame sans merci”.”

ODE SOBRE UMA URNA GREGA: O poema começa e se abre no sentido da urna grega e o que ela contém, objeto especulativo de Keats para a sua versificação: “Tu, ainda não violada noiva de repouso,/Criança, de que o silêncio e o tardo tempo cuidam,/Silvestre historiadora, que assim podes exprimir/Um florido conto com maior doçura do que a nossa rima:”. A rima do poeta não dá conta da amplitude da silvestre historiadora, e o estro de Keats ainda se esforça, e não vê saída: “Doida perseguição! Que luta por fugir?/Que frautas e pandeiros? Que furor selvagem?” (…) “Ela não pode se fanar: se não alcanças teu prazer,/Para sempre a amarás e ela será formosa!”. E o amor, mais uma vez, aparece em júbilo, como uma feliz canção: “Oh mais feliz amor! oh mais feliz, feliz amor!/Ardendo para sempre e sempre a ser fruído,/Arfando para sempre e para sempre jovem!”. O estro é de inspiração grega, a forma do poema se dá em graça e exatidão quando de seu sentido total, a urna grega tem a sua estética e seu fundo que lhe dá a origem e o caráter, no todo é a cultura grega antiga, obsessão dos poetas clássicos e românticos: “Ó forma ática! Atitude bela! com um entrelace/De virgens e varões de mármore a cercar-te,/Com ramos de floresta e com pisadas ervas,/Tu, forma silenciosa!” (…) “Quando a velhice destruir a geração de agora,/Tu permanecerás, no meio de outras dores,/Não das nossas, amiga do homem, a quem dizes:/“A beleza é a verdade, a verdade a beleza” – é tudo/O que sabeis na terra, e tudo o que deveis saber.”. Ao fim, com a gloriosa coda, o poema consegue o alcance de toda a beleza como a própria verdade, pois quando se diz, por Keats, da forma ática, atitude bela, o poema tem desenlace na própria beleza como fundamento da silvestre historiadora, o verso e o estro, que cabe ao poeta Keats, está autoconsciente e verbaliza esta “verdade/beleza” como coda e inteireza de todo o poema, a concepção aqui filosófica nada mais é que a aliança de uma verdade de existência (filosofia) com a estética poética, a poesia é o que salva a beleza da frieza de uma verdade calculada, pois aqui o resgate da verdade é feito em função do sentido da poesia, e por falar em Keats, que é poeta e faz poesia, o verso conduz esta forma ática para que a poesia, ao fim, tenha esta frente no que diz sobre a verdade, e esta ciência é a beleza como a verdade, e nada mais.

ODE A UM ROUXINOL: O poema abre neste idílio do rouxinol de um lado, e a agonia do poeta de outro, num embate sublime entre o bel canto da imortalidade e a finitude e aflição do poeta, que, por saber-se refém do rouxinol, lhe faz a homenagem, como num esforço de conquistar um pouco do sublime que está no tal pássaro: “Dói-me o coração, e aflige meus sentidos/Um torpor de sono, como se eu tivesse/Bebido da cicuta ou esgotado há um só instante/Um lânguido narcótico e descido para o Lete:/Não é porque eu inveje a tua boa sorte,/Porém porque me alegro a ver-te assim feliz/Que tu, arbórea Dríade das asas leves,/Em nesga melodiosa/De um verdor de faias e de sombras incontáveis/A plena e fácil voz celebras o verão.”. O poeta, narcotizado, descendo o umbral, na fronteira entre a vida e a morte, no rio mítico do Lete, se conduz nesta dor de coração, e admira e se alegra, no entanto, com a visão do rouxinol, que lhe dá o poema, o qual vai do lamento ao júbilo, num pêndulo existencial que o leva da dor mortal ao bel canto que lhe dá o coração e a sorte que está nesta ausculta que é o verão, por fim, e o poema segue entre o idílio do rouxinol e a aflição do poeta Keats, que tem esta doce e amarga sensação de se perder: “Esvair-me bem longe, dissolver-me e em tudo me olvidar/Daquilo que entre as folhas tu jamais sentiste,/A fadiga, a febre e a inquietação,/Aqui, onde os homens sentam para ouvir gemidos uns/dos outros,”. A sensação agora é febril, dissolver-se, esvair-se, são os verbos dominantes nos últimos versos, o olvido, nada mais que a luta contra a angústia da qual o poeta foge, sua presença como mortal, e que o rouxinol não conhece, pois aqui o pássaro se vincula à espécie de que faz parte, e o homem, o único que conhece a morte, então é antes o sujeito, o indivíduo, e a angústia dos gemidos de pensar na morte e no próprio viver subjetivo são compartilhados em humanidade com outros humanos como Keats, a constatação é grave e terrível, os homens se unem nada mais do que para ouvir os gemidos uns dos outros, e Keats se volta ao rouxinol como um último refúgio e uma doce esperança que se faz de graça e utopia, este campo verdejante que vai da idade de ouro ao paraíso perdido que conduz a canção: “Ao longe, ao longe! Para ti quero voar,/Não no carro de Baco e seus leopardos,/Porém nas asas invisíveis da Poesia,”. E o que restou desta sensação, para Keats? As asas invisíveis da poesia, seu murmúrio mortal que alcança na pena o sublime que vai em direção ao pássaro que, por sua vez, tem a canção mais bela que a miragem de um poeta.

POEMAS:

LA BELLE DAME SANS MERCI

 

Ah! que pode afligir-te, infortunado,

Que assim vagueias pálido e sozinho?

O junco à beira-lago já secou;

Não canta um passarinho.

 

Ah! que pode afligir-te, infortunado,

De feição macilenta e assim desfeita?

O celeiro do esquilo está repleto,

E finda está a colheita.

 

Um lírio nessa testa eu bem o vejo,

De suor de febre e de aflição molhado;

E uma rosa que murcha em tua face

Logo terá secado.

 

Uma dama nos prados encontrei,

Todo-formosa, filha de uma fada:

A cabeleira longa, os pés ligeiros,

A vista descuidada.

 

Tomei-a em meu corcel de passo lento,

E o dia inteiro nada mais vi, não;

Pois pendida de lado ela cantava

De fada uma canção.

 

Eu fiz-lhe uma grinalda para a fronte,

E pulseiras e um cinto redolente;

Ela me olhou com ar de quem amasse,

Gemendo suavemente.

 

Procurou para mim raízes doces,

Orvalho de maná e mel do mato;

E numa língua estranha murmurou:

“Eu amo-te de fato”.

 

Levou-me para a sua gruta mágica,

E com suspiros fundos me fitou;

Fechei-lhe os olhos tristes, descuidados,

_ Meu beijo a acalentou.

 

Na gruta, sobre o musgo, nós dormimos,

E ali sonhei – que triste a minha sina! –

O último sonho que haja eu sonhado

No frio da colina.

 

Guerreiros, e reis pálidos, e príncipes,

Todos, de morte pálidos, eu vi,

E me diziam: – “Pôs-te em cativeiro

La belle Dame sans merci”.

 

Com o negro aviso, seus famintos lábios

Vi escancarar-se à sombra vespertina;

E despertando me encontrei aqui,

No frio da colina.

 

E este é o motivo pelo qual eu me acho

Aqui, vagando pálido e sozinho,

Malgrado, seco o junco à beira-lago,

Não cante um passarinho.

 

(Poema dos mais célebres da literatura inglesa, base de sustentação para os pré-rafaelitas, foi escrito em abril de 1819 e revisto em 1820. A primeira versão consta de uma carta-jornal a George e Georgiana Keats e foi publicado por Colvin no Macmillan`s Magazine de agosto de 1888; a segunda, no Indicator de 10 de maio de 1820, com uma nota de Leigh Hunt. A expressão “la belle dame sans merci” já havia sido usada por Keats na “Véspera de santa Inês”, XXXIII, para denominar uma “cantiga de Provença”. Embora o título remonte ao de um diálogo de Alain Chartier (1385-1433), Keats parece tê-lo colhido num poema do século XV, de Sir Richard Ros, que ele viu na coleção The Works of English Poets from Chaucer to Cowper (1810). Muitas fontes, entre as quais Spenser, Wordsworth e Coleridge, têm sido citadas para explicar o poema ou versos dele. Amy Lowell apontou trechos do Paimyrin of England que apresentam analogias de situação com a balada e ofereceram talvez algumas sugestões a Keats, que leu o romance com avidez. E tem sido vista na “belle dame” uma transposição da noiva, Fanny Brawne, e até da arquetípica deusa branca (vide Robert Graves, The White Goddess, cap.24, onde também conclui que a “belle dame” representa para Keats o Amor, a Morte por consumação e a Poesia.)

(O poema foi escrito em 1819, um dos anos de maior produtividade literária de Keats, pois ele havia lido o Livro III da obra “Faerie Queene”, de Edmund Spenser, onde uma das personagens principais, Florimell, é a representação da Beleza. Tudo isso serviu de inspiração para Keats escrever o poema. “La Belle Dame sans Merci” significa “a bela dama sem misericórdia”. E como dito, o título do poema é, na verdade, o título de um poema do escritor francês do século XV, Alain Chartier. E é também provável que Keats conhecesse uma versão supostamente traduzida por Chaucer.

O poema é uma literary ballad, inspirada nas folk ballads da época medieval. É possível observar várias características típicas de uma balada, como a centralização em um único evento (a história da dama relatada pelo cavaleiro), e a apresentação da história por meio de um diálogo, com pouco uso de figuras de linguagem como metáforas e metonímias.

A interpretação mais comum é a de que um cavaleiro conhece a Belle Dame, se apaixona por ela (e o amor parece ser recíproco), e então ela o leva até a sua gruta, mas quando ele acorda, ela não está mais lá.  E, arrasado por ter sido desprezado por sua amada, ele começa a vagar pelos campos e colinas geladas, pronto a morrer de desilusão amorosa. Pode-se relacionar isso ao que Carl Jung chama de arquétipos, uma vez que a sereia, as ninfas, as fadas etc., eram figuras femininas que, em qualquer cultura, seduziam os homens e os conduziam à morte. Isto significa que estas entidades simbolizavam a própria morte através do encantamento por uma figura feminina. E Keats usa, então, a Belle Dame como representação feminina da morte pelo encantamento, como uma força que arrebata os homens e os leva para um lugar insólito.)

 

ODE SOBRE UMA URNA GREGA

 

Tu, ainda não violada noiva de repouso,

Criança, de que o silêncio e o tardo tempo cuidam,

Silvestre historiadora, que assim podes exprimir

Um florido conto com maior doçura do que a nossa rima:

Que legenda franjada de folhagens te rodeia a forma

De divindades ou mortais, ou de umas e outros,

Pelo vale de Tempe ou nos da Arcádia?

Que homens são esses ou que deuses? Que virgens

relutantes?

Doida perseguição! Que luta por fugir?

Que frautas e pandeiros? Que furor selvagem?

 

É doce a melodia que se escuta; mais ainda,

Aquela que não se ouve; soai pois, ó brandas frautas;

Não para o ouvido material, porém mais gratas

Tocai-nos para o espírito árias insonoras:

Formoso jovem sob as árvores, não podes mais cessar

Tua canção, nem estas árvores despir-se;

Jamais, jamais, afoito amante, podes tu beijar,

Embora próximo da meta – entanto não te aflijas;

Ela não pode se fanar: se não alcanças teu prazer,

Para sempre a amarás e ela será formosa!

 

Felizes, ah! felizes ramos! não podeis perder

As vossas folhas, nem dizer adeus à primavera;

Melodista feliz, infatigável,

Para sempre a modular cantigas para sempre novas;

Oh mais feliz amor! oh mais feliz, feliz amor!

Ardendo para sempre e sempre a ser fruído,

Arfando para sempre e para sempre jovem!

Amor acima da paixão dos homens que respiram,

Essa que deixa o coração desconsolado e farto,

A testa em fogo e ressequida a língua.

 

Quem serão estes que estão vindo para o sacrifício?

Para que verde altar conduzes, misterioso sacerdote,

Esta novilha que levanta para os céus o seu mugido,

Tendo os sedosos flancos revestidos por guirlandas?

Que pequenina urbe junto ao rio ou mar

Ou construída em montanha, com tranquila cidadela,

Por esta gente é abandonada, esta manhã piedosa?

Cidadezinha, para sempre tuas ruas ficarão silentes,

Nem alma alguma voltará jamais para dizer

Por que razão está desabitada.

 

Ó forma ática! Atitude bela! com um entrelace

De virgens e varões de mármore a cercar-te,

Com ramos de floresta e com pisadas ervas,

Tu, forma silenciosa! como a eternidade

Além do pensamento nos perturbas: fria pastoral!

Quando a velhice destruir a geração de agora,

Tu permanecerás, no meio de outras dores,

Não das nossas, amiga do homem, a quem dizes:

“A beleza é a verdade, a verdade a beleza” – é tudo

O que sabeis na terra, e tudo o que deveis saber.

 

ODE A UM ROUXINOL         

 

I

Dói-me o coração, e aflige meus sentidos

Um torpor de sono, como se eu tivesse

Bebido da cicuta ou esgotado há um só instante

Um lânguido narcótico e descido para o Lete:

Não é porque eu inveje a tua boa sorte,

Porém porque me alegro a ver-te assim feliz

Que tu, arbórea Dríade das asas leves,

Em nesga melodiosa

De um verdor de faias e de sombras incontáveis

A plena e fácil voz celebras o verão.

 

II

Oh! um trago de vinho! que se tenha refrescado

Longa idade no seio da profunda terra!

Que saiba a Flora e a campos verdejantes,

A dança, a canto provençal e a júbilo queimado pelo sol!

Oh! uma copa que transborde o quente Sul,

Cheia da verdadeira, da Hipocrene rubra,

Tendo a piscar nas bordas bolhas como pérolas

E uma boca de púrpura tingida!

Que eu pudesse bebê-la e sem ser visto abandonasse o

Mundo,

E contido esvaecesse na floresta escura!

 

III

Esvair-me bem longe, dissolver-me e em tudo me olvidar

Daquilo que entre as folhas tu jamais sentiste,

A fadiga, a febre e a inquietação,

Aqui, onde os homens sentam para ouvir gemidos uns

dos outros,

Onde a paralisia faz tremer uns poucos, tristes, últimos

cabelos cinza,

E a juventude empalidece e morre espectralmente

macilenta

Onde apenas pensar é encher-se de tristeza

E de desesperanças de olhos plúmbeos;

Onde à beleza não é dado conservar olhos brilhantes,

Nem, além do amanhã, a um novo amor languir por

eles.

 

IV

Ao longe, ao longe! Para ti quero voar,

Não no carro de Baco e seus leopardos,

Porém nas asas invisíveis da Poesia,

Embora o cérebro, pesado, hesite e me rearde.

Já estou contigo! meiga é a noite,

E talvez em seu trono esteja a Lua, essa rainha,

tendo a enxamear-lhe em torno as suas Fadas

estelares.

Mas aqui não há luz,

Senão aquela que dos céus com as brisas é soprada

Por entre sombras verdejantes e caminhos tortos e

musgosos.

 

V

Não posso ver que flores a meus pés se encontram,

Nem que perfume suave paira sobre os ramos,

Mas adivinho, em treva embalsamada, todos os aromas

Com que o mês favorável dota a relva,

A moita e as árvores frutíferas do mato;

O branco pilriteiro e a rosa brava pastoril;

A violeta que logo murcha oculta sob as folhas;

E de meados de maio a primogênita,

A rosa almiscarada que reponta cheia de orvalhado

vinho,

Pouso de moscas murmurantes pelas noites estivais.

(A “Ode a um rouxinol”, uma das prediletas no grupo das grandes odes, trata da felicidade que é o canto do rouxinol, das tristezas do mundo e da sedução da morte; todavia o canto da avezinha transcende a mortalidade e é tão belo que o poeta, no fim, indaga se não terá sonhado. Jorge Luis Borges toma a ode como “fonte de inesgotável poesia”. Keats seguiu a inovação de Coleridge, que foi o primeiro, diz-se, a fazer do canto do rouxinol um canto de alegria. Dias antes de escrever a ode, Keats conversara com Coleridge, e na palestra entraram rouxinóis. A ode foi publicada nos Annals of Fine Arts em julho de 1819, contendendo-se sobre se foi escrita no início ou em meados de maio, se antes ou depois da “Ode sobre uma urna grega”.)


Gustavo Bastos, filósofo e escritor

Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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