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Um movimento, um coletivo, um Samba Pras Moças

O último dia 12 de setembro foi um dia um tanto incomum na internet. Bastou que o ator Gregório Duvivier publicasse um texto sobre o relacionamento que teve com a atriz e cantora Clarice Falcão no jornal Folha de S. Paulo, para que, em pouco tempo, as redes sociais fossem tomadas entre os que se derretiam pela história de amor e os que a criticavam. Enquanto isso, em um canto pequeno e um tanto bonito daquelas redes, um grupo de mulheres resolveu não só filtrar aquele texto, como também abordar a temática: falar de ex, mas com textos escritos, como já se imagina, na voz feminina.

“A gente era muito novo junto quando de repente o que era pra ser pra sempre virou nada. Você foi o único homem pra quem eu pedi ‘fica’. Eu nunca tinha pedido antes e nunca pedi depois. Seu fim foi meu fim mais chorado”.(Aline Dias – Desculpei os transtornos, a gente nem foi filme).

Bastou um dia só, naquele 12 de setembro,  para entender que aquele espaço se tratava de algo muito maior, um coletivo literário de mulheres, o Samba Pras Moças, quase um movimento que “respira por si só”, como destaca uma das integrantes do projeto, Marcela Rangel.

Marcela é uma jovem jornalista que não consegue conter as palavras quando o assunto é o Samba Pras Moças, o espaço que a ensinou que a literatura feita por mulheres é importante, e é política. “Sempre escrevi meus textos e não mostrava para ninguém. Eu tinha um pouco de vergonha de mostrar para as outras pessoas por achar que ninguém iria querer ler aquilo, que não era de interesse de mais pessoas. Inclusive eu nem achava que meus textos eram bons também”, recorda.

O que fez Marcela encorajar-se a publicar textos foi o Samba, na figura inicial de outra mulher, a amiga Natasha Siviero, idealizadora do projeto lá em meados de 2010, quando fazia o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), um livro de crônicas. A pedido do orientador foi criado um blog para lidar com receptividade do público – que para ela também era difícil. Dali o Samba foi nascendo, mudando de layout, de proposta, estruturando o espaço e a primeira a ser convidada para escrever como ‘forasteira’ foi Marcela Rangel.

“A Natasha achava que ela escrevia coisas bobas porque se tratava de assuntos femininos. Só que a gente precisa ter mulher falando no mundo. A gente precisa ter literatura produzida por mulher, porque literatura é fundamental e escrever é um jeito de se empoderar”, conta Aline Dias, mais uma das mulheres que entrou no Samba e ajudou a impulsionar o projeto até chegar na forma como ele é hoje.

“Os protetores de porta que você deixou com tanto medo que danificassem as paredes não serviram para me proteger, nem de mim ou de você no passado, e tampouco agora protegeram a cama, aquela que nos acompanhou tanto tempo”.(Marcela Rangel – Minha casa agora é minha).

Natasha, Marcela e Aline (fotos ao lado) moram distantes hoje, espalhadas pelo sudeste. Enquanto Aline permanece no Espírito Santo, Natasha vive por São Paulo e, Marcela, na época da entrevista já visitava até o Mato Grosso do Sul – mesmo fixando-se no Rio de Janeiro. As três estudaram juntas no curso de jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e foi na optativa de Crônica, ministrada pelo professor e cronista José Irmo Gonring, que se afinaram enquanto amantes das crônicas.

Em alguns anos de Samba, o site já se mostra mais imponente, incorporou novas linguagens artísticas e conta atualmente com mais mulheres não só escrevendo, mas ilustrando, editando e experimentando linguagens literárias. A forma como essas mulheres chegaram tem a versão particular e divertida de como cada uma foi surgindo, teve quem foi convidada, teve quem foi se achegando e teve quem chegou por inovação. Contudo, todas permanecem, muito evidentemente, por amor ao projeto que é independente e levado aos trancos por cada uma. Elas se equilibram entre trabalho, freelas, filhos e rotina.

“O Samba hoje é o nosso lar. Ele é um lugar que a gente sempre volta, que nos sentimos seguras para falar e eu gosto muito do que ele se tornou – acredito até que ele tem muito mais a crescer ainda agregando mais mulheres que produzem arte. O futuro do Samba é ser casa para mais mulheres, ser voz para mais pessoas”, propõe Natasha.

Na fase atual, o Samba Pras Moças já conta com a participação de Laíssa Gamaro, Anna karla Lerbach, Giow Rosetti, Maria Gabriela Verediano, além de convidadas a participarem do espaço Samba Convida – e, óbvio, além de Natasha, Marcela e Aline, que planejam um encontro entre as colaboradoras, visto que nem todas se conhecem pessoalmente, o que não impede a afinidade entre elas pelo meio mais viável no momento, o virtual. “Sozinhas somos lindas, mas juntas somos maravilhosas e no nosso grupo particular tem a 'samboterapia'”, brinca Aline.

Com esse punhado significativo de mulheres, o Samba se permite hoje passear por tirinhas, ilustrações e até vídeo-arte recitando poemas. O primeiro deles já está na rede na voz e interpretação de Marcela, com texto de Natasha.

É vagando pelas produções de cada uma que se percebe o caráter político que a escrita ganha ao protagonizar mulheres, já que no Brasil ainda são poucas as escritoras se comparada aos homens que publicam. “O samba cumpre um papel político porque ele é feito por mulher falando de assunto de mulher e as pessoas se identificam”, frisa Aline.

O espaço se mostra, sem dúvidas, empoderador e acolhedor, com muito a dizer. No início Natasha conta que nem lhe passava pela cabeça que ele era um canto feminista. “Quando a gente começou a fazer o Samba, eu não tinha ideia de que ele era um espaço feminista. Fui tomando consciência disso com o feeedback do público. Foi com esse retorno que comecei a perceber como o Samba foi se formando um espaço que nos empoderava de alguma forma e, assim, nos demos conta de que era sim um espaço feminista bastante importante para nós”.

E enquanto essas mulheres rasgam-se em novos textos, o Samba vai sendo levado. Todas frisam que não são muito organizadas entre elas, mas há muito amor em tocar o projeto. Volta e meia, às vezes, ele saí do ar, por vontade ou por falhas, mas ele sempre volta. Não existe também definição sobre quem vai postar em cada dia da semana, elas até tentam, mas nunca conseguem, por vezes lidam com temas que as convocam a publicar todas de uma vez só, como o tema dos ex, e é nesse movimento meio caótico e muito bonito que o Samba se firma e se faz casa há tanto tempo para mulheres que escrevem e mulheres que chegam para ler.

Acesse o Samba Pras Moças em site e rede social

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