A poluição hídrica é POP – Poluentes Orgânicos Persistentes. Os POPs constituem um exército de mais de 10 mil substâncias patenteadas e usadas só na indústria cosmética, a maioria nunca testada pela vigilância sanitária de qualquer país. Por não se degradarem facilmente, acumulam-se na teia alimentar do ambiente pluvial ou marinho, provocando uma série de perturbações à vida aquática e também ao ser humano.
“O elenco de compostos químicos orgânicos usados na indústria farmacêutica e cosmética é tão prejudicial para nós quanto para a biodiversidade marinha”, afirma o oceanógrafo Frederico Brandini, diretor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), em artigo publicado no site O Eco.
Além dos poluentes orgânicos, os xampus, sabonetes e outros produtos de higiene pessoal convencionais carregam petroquímicos. Tudo muito tóxico, cancerígeno, provocador de alergias, dermatites e outros problemas de saúde nas pessoas e nos outros seres vivos. “A contaminação crônica com remédios e cosméticos do nosso quotidiano é cada vez mais preocupante, uma vez que urinamos anualmente toneladas desses excessos de moléculas orgânicas não-metabolizadas”, alerta Brandini.
Tetradibutyl Pentaerythrityl Hydroxyhydrocinnammate, Dióxido de Titânio, Sodium Palmitate, Sodium Oleate, Sodium Laurate, Citric Acid, Bentonite, Pentasodium Pentetate, Etidronic Acid, Yellow 10, Red 4 (CI 14700) e Green5 (CI 61570) são algumas das substâncias citadas pelo oceanógrafo. A maioria é cancerígena e outras podem provocar sérios problemas de saúde no sistema neurológico ou na produção de hormônios. Há ainda os que ainda não foram testados e não se sabe o que podem causar.
Um mercado que vem crescendo para contrapor essa situação é a substituição dos atuais cosméticos por uma linhagem mais natural. No Espírito Santo, esse crescimento pode ser observado a partir do número de pontos de vendas desses produtos, que se multiplica continuamente. Nas feiras orgânicas, lojas especializadas e na internet, é possível encontrar uma diversidade crescente de marcas, muitas delas já nacionais e pelo menos uma capixaba.
A bióloga Denize Nascimento (foto à esq.) é uma das pioneiras no Estado. Especialista em Educação Ambiental e Engenharia Sanitária, Denize também é professora de Biologia e estudante de Fitoterapia e Cosmética Natural. Mas a Alquimia é sua arte preferida. Com sua pequena fábrica artesanal, inaugurada há um ano em Jacaraípe, realizou um desejo antigo de encontrar produtos que fizessem tão bem para a sua pele quanto para o planeta, e a preços acessíveis.
Adepta da alimentação natural e orgânica, Denize percebe que seu público consumidor, crescente, tem perfil semelhante, de pessoas mais conscientes e que buscam nos cosméticos uma ressonância para essa sua opção alimentar. “Tem crescido, sim, os capixabas estão cada vez mais conscientes”, observa a alquimista de Jacaraípe.
Além de um grande número de pessoas também mais sensíveis aos componentes tóxicos dos cosméticos convencionais e de pacientes oncológicos. “As pessoas me ligam, dizem que seus problemas de pele acabaram … Tenho tido feedbacks muito bons. É muito gratificante”, conta.
Síndrome dos produtos de prateleira
Ao mergulharmos no universo dos xampus, sabonetes, desodorantes, óleos e hidratantes naturais, difícil aceitar o por quê de tantas substâncias tóxicas usadas nas indústrias convencionais. O natural funciona: limpa, hidrata, perfuma e não faz mal à saúde de ninguém. A resposta, Denize resume em uma frase: “São produtos de prateleira”.
Ou seja, para serem transportados por milhares de quilômetros, muitas vezes para outros países, e permanecerem intactos até o destino final – as prateleiras – e assim continuarem por muitos e muitos meses mais, com a mesma consistência, cor e perfume, são adicionados diversos corantes, antibióticos, espessantes e lauril, esse, para produzir espuma durante o uso, criando a falsa impressão de mais limpeza. “O lauril não é removido do esgoto e é muito prejudicial. A espuma é apenas um produto visual, não tem fundamento nenhum de limpeza”, denuncia.
Brandini compartilha da visão de Denize sobre a síndrome da prateleira de supermercado: “Somos seduzidos por uma infinidade de produtos cosméticos dispostos nas prateleiras dos supermercados. Nos lavamos, nos perfumamos e nos lambuzamos diariamente com sabonetes e xampus (que nada mais são do que sabão perfumado), pasta de dentes e cremes hidratantes com abrasivos microscópicos, alvejantes químicos e essências cuja origem natural do produto é duvidosa, para não dizer caluniosa”, diz. “Eu não confiaria em nada que diga “manter fora do alcance das crianças”, ironiza o oceanógrafo.
Na fábrica artesanal de Denize e em tantas outras que se multiplicam no Brasil e no exterior, uma nova ética e estética estão se erguendo e saciando a necessidade, crescente na sociedade, de que cada um pode fazer uma parte no processo de proteção ambiental, começando por proteger a própria saúde.
'Faça uma lista'
Em seu artigo, o oceanógrafo ainda convoca o leitor: “Sem querer preocupá-lo (a), eu sugiro que após ler esse artigo você perca um pouco do seu tempo e acesse o banco de dados do SkinDeep. Vá até o banheiro e selecione qualquer produto de higiene pessoal. Faça uma lista com o nome dos compostos químicos descritos na ‘composição’ do seu sabonete, xampu ou pasta de dente preferidos. Veja a capacidade que cada um tem de produzir algum mal à saúde e seu potencial de acúmulo no meio ambiente”, adverte.
“São todos produtos que eu, você e todos nós usamos indiscriminadamente todos os dias desde a Revolução Química Industrial, após a Segunda Guerra. São décadas de uso constante. Talvez os POPs não sejam as causas diretas de muitos problemas de saúde que nós e os animais marinhos sofremos, ou que ainda sofrerão. Mas com certeza são mais uma herança que deixaremos para o banco de contaminantes da biodiversidade marinha. Corremos o risco de nos tornar uma sociedade intoxicada por nosso próprio veneno em frascos fálicos e potes cheirosos, marcando diariamente nossos territórios com urina contaminada”, relata, lamentavelmente.