Filho de Berto Florentino, contraguia do Ticumbi de Itaúnas, uma das mais importantes manifestações folclóricas do Espírito Santo, Evaldo é considerado mais uma vítima das injustiças cometidas contra as comunidades quilombolas rurais de Conceição da Barra e São Mateus, em atendimento aos interesses econômicos das empresas Aracruz Celulose (Fibria) e Suzano.
A perseguição do Estado contra a comunidade afrodescendente residente nas periferias das cidades já é bastante conhecida, devido às denúncias nas redes sociais, por vezes nos jornais, e principalmente pela vivência no dia a dia, quando se ouve ou mesmo se testemunha esses atos de abuso e preconceito.
“Os quilombolas estão mais vulneráveis por dois motivos”, explica Jacenildo Reis, advogado do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos do Centro de Defesa dos Direitos Humanos. (PPDDH-CDDH). O primeiro é a distância dos grandes centros urbanos. E o segundo, o interesse econômico de duas grandes empresas de celulose na região, mas principalmente da Aracruz Celulose (Fibria), que tem o controle político de grande parte das autoridades e até do Estado, como instituição. “Porque se olharmos o mapa de doações eleitorais, podemos enxergar isso claramente”, denuncia o advogado.
Jacenildo Reis conta que isso já acontece há muito tempo. Já houve casos, há alguns anos, de quilombolas serem detidos e, antes de irem para a delegacia, passarem primeiro no escritório da Aracruz Celulose. “Uma vergonha, um absurdo”. Diante da repercussão negativa, a empresa então passou a adotar uma postura um pouco diferente, de fazer com que as lideranças e seus familiares sejam levados diretamente para as delegacias. “Mas ela continua tendo controle sobre determinações de prisões”, afirma Reis.
Evaldo foi preso pela Polícia Civil nessa quarta-feira (26), em uma estrada rural de Conceição da Barra (norte do Estado), enquanto guiava seu carro de volta para casa na companhia de sua mãe. A acusação: assassinato de um cabeleireiro na localidade de Lagoa Santa, em Pedro Canário.
Humilhar para enfraquecer a luta
A criminalização das lideranças é a estratégia mais utilizada nos últimos anos para enfraquecer a luta quilombola pela retomada de seu território tradicional e consequente recuperação da saúde da terra, hoje profundamente degradada, pobre e seca, após décadas da monocultura de eucaliptos.
“Ela direciona a Polícia a imputar fatos delituosos a alguma liderança ou defensor dos direitos humanos e os leva presos, sob suspeita de algum crime. Até que respondam ao processo e sejam soltos, ficam aniquilados. Muitas vezes, após passar por esse trauma de prisão, pela vergonha de serem algemados dentro da sua comunidade e levados em camburões, deixam de fazer militância, atingindo-se então o objetivo de enfraquecer a luta quilombola”, explica o advogado.
Este ano, já se chegou a uma situação de quatro lideranças estarem presas injustamente. E as comunidades precisaram protestar firmemente, com fechamento da BR 101 por mais de oito horas, e recorrer ao Tribunal de Justiça, pois a atuação dos magistrados da região não aconteceu, como apontam as comunidades.
No caso do jovem Evaldo, o objetivo é minar a força de seu pai, Berto Florentino, que além de liderança política da luta quilombola, é também liderança cultural, pois é o mais antigo membro no Ticumbi de Itaúnas, ajudando a guardar, há 45 anos, um dos maiores símbolos da identidade capixaba, e uma tradição em sua família há mais de 100 anos. “A representatividade dele [Berto] é muito grande. Atingir a família do Berto é atingir o núcleo cultural dos quilombolas de São Domingos”, esclarece o advogado do PPDDH.