BIOGRAFIA: (CONTINUAÇÃO)
A ligação entre Paul Verlaine e Arthur Rimabud, no entanto, se caracterizou por um embate tumultuoso, que resultou no caso conhecido de um incidente que marcou a biografia de ambos e parte da história da poesia francesa, que foi quando ocorreu um drama: em julho de 1873, em Bruxelas, com Verlainesob, à influência da bebida, disparou duas vezes com uma arma de fogo contra Rimbaud, o qual o queria abandonar, e Verlaine foi preso.
Durante os dois anos em que Verlaine ficou na prisão, em Mons, teve que enfrentar, logo a seguir, o pedido de divórcio de sua esposa. Verlaine fica abalado com a notícia e se converte à fé católica. Quando foi libertado da prisão, Verlaine tentou uma reconciliação com Rimbaud, mas foi em vão. Passou a viver no Reino Unido até o ano de 1877, quando finalmente decide regressar à França. Um dos resultados destes períodos de Verlaine entre crise e conversão são os seus dois livros: Romances sans paroles (1874; Romances sem palavras) e Sagesse (1880; Sabedoria). Tais obras revelam, por conseguinte, a influência do gênio de Rimbaud na fluência, nos temas e nos ritmos, o que inovou a sua poesia.
No entanto, mesmo com a sua fama crescente e de ser agora considerado, então, já como um mestre por poetas jovens do simbolismo, Verlaine se via em meio do fracasso de seus esforços por fazer recuperar a esposa de volta e de levar uma vida mais amena e retirada, o que levou o poeta a uma profunda recaída e retorno ao mundo da boêmia e do alcoolismo.
Mesmo assim, Verlaine dá seguimento a sua obra literária, no que se segue trabalhos como “Amour” de 1888, e vieram, junto com este, trabalhos que teriam o caráter ocasional de recuperar seu antigo vigor e magia, em que sua produção posterior teve mais destaque na prosa, como o hoje bem conhecido e famoso ensaio “LesPoètesmaudits” (1884; Os poetas malditos), que foi o trabalho mais importante para o reconhecimento público da poesia de Rimbaud, de Mallarmé e outros autores. Por fim, temos as tormentas, que foram suas obras autobiográficas como “Meshôpitaux” (1892; Meus hospitais) e “Mesprisons” (1893; Minhas prisões).
No fim de sua vida, Verlaine entrou num estado de esgotamento e começou a se degradar progressivamente, apesar de sua celebridade e do respeito que ele tinha angariado da nova geração de poetas, a qual o consagrou como o “Príncipe dos Poetas”. Desta feita, Paul Verlaine passou a viver de forma miserável de hospital em hospital e de café em café, até que veio a falecer em 1896, em Paris.
POEMAS:
O LUAR GRISALHO: o poema começa com a relação de Verlaine com a natureza, que é a imagem pacífica do bosque, este lugar metafísico que está lá na natureza e também em um lugar imaginário, ou melhor, a provocação de imaginação com esta relação com a natureza que se dá, e que na pena de Verlaine, resulta em poesia: “O luar grisalho/Brilha no bosque;/De cada galho/Parte uma voz que/Roça a ramada …/Ó bem-amada.” Ele se dirige então a bem-amada, e lhe dá estas visões, e o sonho vem como convite: “Sonhemos: é hora./Um grande e brando/Quebrantamento/Vem, vem baixando/Do firmamento/Que o astro ilumina …/É a hora divina”. O final é brilhante, o sonho tem sua hora, e esta é chegada, e quando se chega ao momento certo, a coda fecha com grande delícia, pois é a hora divina.
O LAR, A ESTREITA LUZ …: o poema é cotidiano, simples, prosaico, começa na relação de Verlaine com o lar e suas atividades mundanas: “O lar, a estreita luz de uma lâmpada honesta;” (…) “A hora do chá cheiroso e dos livros fechados;/O prazer de sentir o fim de uma noitada;/A adorável fadiga e a espera idolatrada/De uma sombra nupcial e de uma noite doce,/A tudo isso o meu sonho terno dedicou-se”. E agora, ao fim do poema, o prosaico ganha aspecto também metafísico, ou melhor, de uma certa poesia que ultrapassa a visão cotidiana, pois a noitada é um sonho do poeta, e que tem a adorável fadiga, e de uma espera, que é a noite doce, na qual o poeta, com ternura, dedicou este seu pequeno sonho, isto é, seu pequeno poema.
A VOZ DOS BOTEQUINS …:Este poema é a imagem perfeita dos poetas do século de Verlaine, assíduos da boêmia, e que tem neste ideal a relação direta que se dava entre poesia e dissipação, caminho tortuoso que reflete também na biografia de Verlaine, como vimos acima, e o poema de boêmia começa, nesta imersão no botequim, e a voz que de lá ecoa: “A voz dos botequins, a lama das sarjetas,/Os plátanos largando no ar as folhas pretas,”. O poeta descreve este ambiente, e de forma poética, como convém ao poeta boêmio, e que avança em seu périplo: “Lentamente, o olhar verde e vermelho rodando,/Operários que vão para o grêmio fumando/Cachimbo sob o olhar de agentes de polícia,/Paredes e beirais transpirando imundícia,/A enxurrada entupindo o esgoto, o asfalto liso,/Eis meu caminho – mas no fim há um paraíso.”. O poema também ganha um aspecto cotidiano, na imagem dos operários, os quais também, como os poetas, têm este lado de se dissipar no botequim, e para Verlaine, no fim de tudo, e ele está tranquilo, tem um paraíso, a coda se fecha em esperança, o poema vai da vida de boêmia a uma promessa porvindoura.
POEMAS:
DO LIVRO: LA BONNE CHANSON
O LUAR GRISALHO
O luar grisalho
Brilha no bosque;
De cada galho
Parte uma voz que
Roça a ramada …
Ó bem-amada.
Reflete o lago,
Espelho puro,
O vulto vago
Do choupo escuro
Que ao vento chora …
Sonhemos: é hora.
Um grande e brando
Quebrantamento
Vem, vem baixando
Do firmamento
Que o astro ilumina …
É a hora divina.
O LAR, A ESTREITA LUZ …
O lar, a estreita luz de uma lâmpada honesta;
O devaneio com um dedo contra a testa
E os olhos a sumir nos olhos bem-amados;
A hora do chá cheiroso e dos livros fechados;
O prazer de sentir o fim de uma noitada;
A adorável fadiga e a espera idolatrada
De uma sombra nupcial e de uma noite doce,
A tudo isso o meu sonho terno dedicou-se
Sem tréguas, contra vãs dilações cotidianas,
Devorando, impaciente, os meses e as semanas!
A VOZ DOS BOTEQUINS …
A voz dos botequins, a lama das sarjetas,
Os plátanos largando no ar as folhas pretas,
O ônibus, furação de ferragens e lodo,
Que entre as rodas se empina e desengonça todo,
Lentamente, o olhar verde e vermelho rodando,
Operários que vão para o grêmio fumando
Cachimbo sob o olhar de agentes de polícia,
Paredes e beirais transpirando imundícia,
A enxurrada entupindo o esgoto, o asfalto liso,
Eis meu caminho – mas no fim há um paraíso.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.