No entanto, o órgão responsável pela execução da política indigenista no País é um dos que tem o orçamento mais atrofiado e irrisório dentro do governo federal. Em 2016, a Fundação Nacional do Índio (Funai) recebeu apenas R$ 542,2 milhões, o equivalente 0,018% do Orçamento Geral da União.
E o pior é que cerca de 90% desse valor está comprometido com a manutenção da estrutura do órgão, com pagamento de salários, infraestrutura e aluguéis. O pouco que sobra ainda tem que honrar os chamados 'restos a pagar', que referem-se a ações realizadas em anos anteriores.
Resultado: até novembro, a Funai gastou cerca de R$ 21 milhões com os 817.963 indígenas que vivem no País, com ações realizadas no ano como demarcações e fiscalização de terras, gestão territorial e promoção de direitos sociais, culturais e de cidadania. Isso dá algo em torno de R$ 25,00 por indígena!
Esses e outros números que comprovam quão degradada está a política indigenista brasileira integram a Nota Técnica Orçamento e Direitos Indígenas na Encruzilhada da PEC 55 publicada essa semana por Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), e por Marcela Vecchione Gonçalves, professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA-UFPA).
Racismo institucional
“Obviamente esse cálculo é meramente ilustrativo, inclusive porque inclui 39% dos indígenas que vivem nas cidades, e para os quais a política indigenista é uma promessa ainda mais distante, quando não cambaleante, em obstáculos de preconceito e racismo institucional. Os números mostram assim a situação de degradação em que se encontra a política indigenista hoje no Brasil”, afirma Alessandra, lembrando que a PEC 55 pode deixar a situação ainda mais grave.
“Essa PEC cortará brutalmente os gastos primários, que são todos os gastos do governo com políticas públicas, com o único propósito de liberar espaço no orçamento público para o pagamento dos juros da dívida pública federal. Ou seja: na sua essência, a PEC 55 tem a intenção de garantir que aqueles que de fato têm poder no Brasil – os grandes bancos e investidores que ganham dinheiro com a dívida pública -, possam dormir tranquilos com a certeza constitucional de que seus rendimentos “a preço de ouro” estarão seguros e protegidos acima dos direitos de toda a sociedade, incluindo os direitos dos povos indígenas”, afirma a Nota Técnica.
O coordenador técnico local da Funai Aracruz, Vilson Benedito, o Jaguareré, concorda com o estudo e se diz pessimista com o futuro da instituição, já que a PEC vai limitar os recursos e permitir que verbas sejam remanejadas entre os órgãos. “Vai sacrificar mais ainda a Funai”, afirma.
Orçamento diminui a cada ano
Em 2016, as três Terras Indígenas do Espírito Santo (Tupinikim e Guarani, Caieiras Velhas II e Comboios) receberam apenas R$ 45 mil para conduzir seus programas de etnodesenvolvimento. A saída é fazer escolhas: combustível na viatura ou compra de sementes? Adubo ou reforma na sede da Funai? Muitas demandas ficam por serem atendidas e a solução tem sido fazer parcerias com a prefeitura e com o Estado.
A prevenção do fogo é uma questão séria nas TIs capixabas, e não há equipamentos nem brigadistas formados para atuar. O potencial de geração de renda de forma sustentável também não está sendo desenvolvido. As comunidades indígenas querem apoio para desenvolver programas extrativistas e Sistemas Agroflorestais (SAFs), por exemplo.
Outra importante necessidade é a de reflorestamento. Segundo estudos já realizados, são 2.500 hectares para serem plantados, com espécies voltadas para o extrativismo, para o enriquecimento da floresta existente e para geração de renda e alimento.
O orçamento, porém, só tem diminuído a cada ano, segundo Jaguareté, mais uma prova da negligencia com a questão indígena e ambiental no país. Um episódio em especial foi exemplar desse descaso. Em 2008, foi assinado um Termo de Ajuste de Conduta, em que o governo federal se comprometeu a promover programas de sustentabilidade e recuperação ambiental do território indígena no Espírito Santo. Seriam investidos R$ 6 milhões em projetos etnoambientais. Cinco anos depois, em 2013, a então presidenta da Funai, Maria Augusta Assirati, disse que o TAC foi equivoco e que a responsabilidade pelos investimentos era da Aracruz Celulose (Fibria). Porém, não providenciou nenhuma determinação legal para que a empresa realizasse o trabalho.