O conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Sebastião Carlos Ranna, determinou a notificação de todas as autoridades e empresários citados na representação feita pelo MInistério Público de Contas (MPC), que denuncia a prática de cartel e outras irregularidades no contrato de concessão da Terceira Ponte. A decisão foi publicada nesta quinta-feira (15) e estabelece o prazo de 15 dias para os citados apresentarem as informações exigidas. No processo, o MPC pede o afastamento imediato das empresas controladoras da ponte, além da intervenção do governo do Estado no serviço e o fim dos pedágios na Terceira Ponte e na Rodovia do Sol, em Guarapari.
A representação foi protocolada no último dia 27 de setembro, mas só agora teve o primeiro ato processual. Sobre a demora de quase três meses, Ranna alegou que o atraso foi provocado pela arguição de impedimento proposta pela Concessionária Rodovia do Sol S/A (Rodosol). A empresa tentou impedir a participação do relator do julgamento, porém, a Justiça e o próprio TCE rechaçaram essa pretensão. Por conta disso, Ranna decidiu pelo recebimento da denúncia, cujas causas de pedir estão entre as atribuições da Corte de Contas.
Em relação ao pedido de medida cautelar (pelo afastamento imediata dos grupos econômicos), o conselheiro-relator entendeu melhor, “por prudência”, ouvir as partes antes de decidir sobre o tema. Entre os notificados estão: o atual secretário estadual de Transportes, Paulo Ruy Carnelli; o diretor-presidente do DER-ES, Enio Bergoli; o diretor-presidente da ARSP, Antônio Júlio Castiglioni Neto; o ex-governador Vitor Buaiz; os responsáveis pelo primeiro consórcio que administrou a ponte (Aziz Vieira Chaer, Fernão Dias Pais, Mozart Miranda Mendes, João Francisco Peixoto Sofal, Alberto Nolli Teixeira, Álvaro Affonso Moreira Penna e João Bosco Santos Dutra); além do empresário Fernando Aboudib Camargo, dono da Tervap Pitanga – uma das donas da Rodosol.
Também deverão prestar informações os representantes legais de diversas empresas citadas na representação: grupo Coimex (liderado por Otacílio Coser), grupo A. Madeira (Américo Madeira) e grupo Urbesa/Arariboia (espólio de Wilmar Barroso, já falecido) e grupo Banco Rural. Foram mencionadas ainda na denúncia as empresas Cotia Trading S/A e Metron Engenharia Ltda. Todos eles terão o mesmo prazo de 15 dias para apresentar explicações.
O conselheiro-relator também decidiu pela cientificação de outras autoridades, como o governador Paulo Hartung (PMDB), bem como os representantes da Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça, Ministério Público Estadual (MPES), Ministério Público Federal (MPF), do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Procuradoria Geral do Estado (PGE), da Secretaria de Controle e Transparência (Secont) e o juízo da 2ª Vara de Fazenda Pública Estadual, onde tramita uma ação civil pública movida pelo MPES há 18 anos, em que também é pedida a decretação da nulidade do contrato de concessão.
Para o MP de Contas, a concessão da Terceira Ponte foi “maior fraude à Lei de Licitações já perpetrada no Espírito Santo”, contando com a “imprescindível colaboração do grupo Banco Rural” por meio da empresa Servix Engenharia para disputar e vencer a concorrência pública em 1998. A vencedora – que fazia parte do núcleo de engenharia do Banco – teria atuado como laranja do consórcio local de empresários para ocultar os reais sujeitos titulares da relação jurídica, neste caso, os donos da ponte.
Segundo o documento, a fraude passou a ser executada imediatamente no dia seguinte à celebração do contrato. No dia 22 de dezembro de 1998, a Servix Engenharia transferiu 67% do total das ações da Rodosol para o consórcio Local, mediante cessão das ações para os grupos A. Madeira (por intermédio da Dudalto Veículos, do mesmo grupo) e Urbesa/Arariboia (por meio da Urbesa Administração e Participações Ltda.), passando os grupos à condição imediata de acionistas majoritários da concessionária. Posteriormente, as ações seriam cedidas aos grupos Coimex e Tervap, indicando uma prévia negociação entre os atuais controladores – ainda na época do início da concessão.
O MP de Contas destaca ainda que a Servix deixou, definitivamente, em 2001 o quadro de acionistas da Rodosol, empresa por ela criada para, em seu nome e sob sua exclusiva responsabilidade, explorar a concessão do sistema por 25 anos (1998/2023), e encerrou suas atividades no Espírito Santo em 2005, deixando o controle total da exploração para os grandes grupos econômicos capixabas, que teriam atuado nos bastidores políticos para “sobreviver incólumes a três CPIs, duas auditorias do governo, duas ações movidas pelo MP estadual, além de várias auditorias realizadas pelo TCE”.
Consta ainda da representação que, além de o consórcio local desfrutar do monopólio das obras do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado (DER-ES) e ser beneficiário de expressiva fatia dos incentivos fiscais estaduais, obteve por “via oblíqua” o direito de explorar a concessão do trecho da BR 101 que corta o Espírito Santo. Vale destacar que os empresários capixabas saíram derrotados da licitação, mas a exemplo do caso da Terceira Ponte, eles são hoje os donos das concessões – no caso da rodovia federal, os empresários locais fizeram a aquisição de parte das ações da vencedora da licitação, consórcio ECO-101.
Além da nulidade do contrato e o fim dos pedágios, o órgão ministerial também quer a desconsideração da personalidade jurídica e a quebra do sigilo bancário da Rodosol. O MPC cobra ainda a responsabilização e a indisponibilidade dos bens de todas as empresas responsáveis direta ou indiretamente pela construção das obras construídas com qualidade inferior à contratada pelo Estado e remunerada pelos usuários consumidores ao longo do tempo.