No segundo semestre deste ano a literatura capixaba ganhou algumas novas vozes. Entre elas, Cora Made. O livro é o Fenda & Vulcão, lançado artesanalmente no segundo semestre deste ano. Um desses livros feitos à mão e a amor, com a costura meio frouxa, o que involuntariamente se mostra muito charmoso; algumas páginas soltando; e divido em duas partes – que a escritora chama de livretos. A sensação é de que a obra foi quase toda escrita de madrugada em meio a muitos questionamentos internos.
O que acontece com a poesia de Fenda & Vulcão é que tudo foi escrito “de dentro para fora”, tenta explicar Cora sobre um processo que é muito interno. O processo de transformar em poesias o que é sentimento. E o livro segue assim, indo de um ponto a outro, rispidamente, mas com coerência, do amor à magoa, da raiva à calma, e tudo muito bem encaixado.
O projeto de lançar um livro não é recente. Cora sempre escreveu, quase como uma terapia, o que foi difícil era reconhecer essa escrita como um trabalho. “Comecei a escrever para botar para fora coisas que eu guardava e me faziam muito mal. Daí tive durante um tempo da minha vida uma analista maravilhosa. Um dia entreguei a ela o manuscrito de um primeiro projeto de livro poético, então ela falou que daquele momento em diante eu não pagaria mais as minhas consultas, porque aquele manuscrito se resumia em anos de trabalho; e me disse que aquilo valia dinheiro. Foi um episódio impactante para mim. Acho que depois disso foi mais fácil colocar as cartas na mesa e enxergar que aquilo ali era um trabalho”, recorda.
O livro é uma coletânea em que estão poemas de anos passados, retirados de blogs pessoais e mesclados com escritos atuais. Muito por isso Fenda & e Vulcão são dois livros em um, no intuito de representar uma transição na vida da escritora. “O primeiro projeto de livro que formatei era muito pesado e muito pouco empoderador. E aí há uns dois anos tive meus primeiros contatos com o feminismo, comecei a ler textos feministas e isso me inspirou muito a escrever outro tipo de poesia. E por ser meu primeiro livro, pensei que não poderia só entregar as coisas que foram feitas antes desse período, visto que estou em uma outra fase. Não poderia ser um livro só sobre um 'eu' que não existe mais. Então surgiu essa ideia de fazer dois livretos que representam duas fases”, explica.
A obra de fato é um livro sobre amores e relações. Um grito de mulher. Fenda, a primeira parte da obra, contém muito da madrugada e dos sentimentos não retribuídos; das mágoas – porque há magoa, sim –; dos amores sentidos e vividos; dos não correspondidos; dos platônicos e dos esquecidos. O sol está lá, a chuva também, o desejo, as estrelas e a nuvem que passa como que regida por um universo só de Cora. Até roteiro contém em Fenda, além de conversas e momentos de espera. Em Fenda a escritora destrincha em fétido o coração.
De todas as coisas putrefatas. De todos os lugares ermos. O coração do homem ainda é o mais fétido. Um campo aberto de batalha.Um fio estreito de navalha. (trecho de Fétido)
Fenda exala mágoas, dores e muito sentir. O livreto declara a raiva de uma mulher a partir dos elementos como fogo, ar e água. Definitivamente, a primeira parte da obra se mostra como um grito de alguém que não aceita mais ser insuficiente. É aí que chega o Vulcão, a segunda parte do livro, um alerta sobre força que a mulher tem. O amor em Vulcão passa, evolui e segue, sem amarras. A teimosia se transpõe em paciência e a sabedoria entra como um mantra. Juntos, Fenda e Vulcão se formam em um livro que grita alto e forte, mas que acalma na mesma medida.
“Acho que o que acontece no Vulcão comigo é isso de entender que várias coisas que eu costumava romantizar para poetizar, são balelas, formas de opressão. E aí você começa a escrever de uma forma que percebe que não haverá mais tolerância para certos pontos”, detalha Cora.
Não coincidentemente o livro tem gerado mais empatia em mulheres, como Cora observa. “Sempre achei que o livro iria tocar mais quem fosse sensível às mesmas questões que eu estava colocando ali. Não fui eu que quis atingir especificamente o público feminino, foi algo natural de acontecer pela sensibilidade às coisas que eu exponho”.
“Se for para errar a mão que seja pelo excesso, escassez jamais. Se for pra passar dos limites que seja pelo impulso, não por falta de pulso. Pra viver, que seja inteira a vida. Pra fazer, que seja de verdade. Matéria ou etérea, sou feita de intensidade. Até metade de minha força é mais” (trecho de Intensidade).
Embora o processo de escrita poética seja muito particular, Cora Made é também uma escritora de prosa e formada em roteiro. Projetos ela tem aos montes, inclusive o plano de um livro de contos eróticos. A escrita se apresenta para ela como um exercício diário de trabalho, mesmo que a poesia não tenha muita regra para brotar.
“Existem períodos em que surto mesmo, às vezes é um processo que não é nem muito saudável; e que eu passo madrugadas inteiras escrevendo, o dia inteiro tomando café, fumando e escrevendo. Esses períodos me dão muito material. Mas nos períodos em que não estou assim, obrigo-me a sentar para escrever pelo menos uma hora por dia”, detalha.
Virginiana declarada, Cora passou parte do ano figurando em eventos de literatura onde recitou alguns dos poemas de Fenda & Vulcão – mesmo com a timidez e ansiedade que declara –; além de realizar a venda do livro em alguns eventos. Para 2017, o projeto é lançar uma segunda edição mais formal do livro. Mas quem quiser um exemplar da edição artesanal, pode encomendar ([email protected]).