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Eles compartilham a mesma paixão: plantar árvores

De Santa Teresa, região serrana do Estado, um ambientalista, ex-bombeiro voluntário, considerado o maior plantador de árvores do Espírito Santo, com mais de meio milhão de mudas plantadas.

De Itarana, um policial civil (ex-biólogo e farmacêutico), que realiza seu sonho de “ajudar a natureza” plantando e doando mudas frutíferas.

De Colatina, uma aposentada de 85 anos que, plantando, constrói o sonho de ver um Jardim do Éden brasileiro, com pomares arborizando cidades e campos, alimentando pessoas e animais.

Três capixabas, muitas histórias e milhares de árvores plantadas nos quatro cantos do Espírito Santo e também em outros estados. Inspiração para esses tempos áridos, que podem frutificar em mais vida e saúde, a partir da ação de cada um.

Em 1994, Odites Motta de Carvalho, então com 63 anos e recém viúva – “no silêncio do luto me veio essa inspiração –, escreveu do próprio punho 4.257 cartas, endereçadas a cada um dos prefeitos deste país, contando-lhes seu sonho de criar um Jardim do Éden brasileiro, onde árvores frutíferas fossem plantadas em terrenos baldios, campos degradados e outros espaços públicos, para servir de sombra e de alimento para a fauna e as pessoas e assim “amenizar a fome e as doenças do nosso povo”.

Vinte e dois anos depois, o Jardim do Éden de Odites é um sonho ainda mais necessário de ser realizado, agravado pelas evidências das mudanças climáticas e o excessivo uso de agrotóxicos nas lavouras (somos o campeão mundial em consumo de venenos agrícolas). “Acham que é uma coisa supérflua, mas não é”, afirma Odites.

Com uma alimentação basicamente frugívora, – “se minha fruteira estiver vazia, parece que não tem nada em casa” – e razoável material de estudo sobre alimentação natural, enriquecido ao longo de décadas, Dona Odites continua sendo uma grande plantadora de árvores frutíferas. Prazer que pegou gosto quando criança. “Ano passado vi dois cajueiros que plantei quando criança”, alegra-se.

“Minha mãe criou quatro filhos com muita dificuldade e as frutas sempre eram opções baratas e saudáveis. Até hoje, prefiro frutas a comida de panela”, conta. Pois a criança Odites, além de grande consumidora, já plantava muitas frutíferas nos sítios dos tios. Depois, adulta e casada, produzia muitas mudas na casa em Bairro de Fátima e as doava para quem quisesse plantar. Ao se mudar para um apartamento, manteve o hábito. “Até hoje compro mudas e doo para as pessoas”, conta.

Uma pra cada delegado

Essa dinâmica de compra de mudas também é a satisfação do policial civil João Luiz Sarnaglia, que começou há quinze anos, “por amor à natureza”: “Agora que eu tenho dinheiro, vou fazer algo que eu sempre quis: cuidar da natureza”, relembra.

João costuma adquirir mudas já em fase de produção, com um metro ou mais de altura. E os lugares preferidos de plantios são as estradas até Itarana, Itaguaçu e São Domingos do Norte, além das vizinhanças dos lugares onde trabalha.

O primeiro foi em Boa Esperança, onde plantou uma goiabeira e um limoeiro. Depois vieram Barra de São Francisco, onde plantou uma árvore para cada delegado, e Cariacica, na Delegacia de Crimes Contra a Vida, ao lado da Estação Ferroviária.

Ele acredita que já foram mais de 150 árvores plantadas por suas próprias mãos. “Satisfação é ver uma pessoa comendo ou um passarinho comendo”, conta. “Os animais estão desesperados, tem pouca comida nas matas”.  

E, concordando com Odites, sobre a urgência cada vez maior da arborização voluntária das cidades, estradas e campos, sugere uma comparação: “Fica na sombra de uma árvore e fica no sol pra ver a diferença”. 

“Dá trabalho, sim”

E é nas matas que atua Nilton Broseghini, seja em sua Santa Teresa ou nos municípios vizinhos. Tudo começou em 1986, quando plantou algumas mudas em frente à sua casa. “Produzia umas mudas aqui, plantei ali, chamei um, chamei outro, fomos plantando nas beiras de estradas, nas beiras de rios …  A gente foi crescendo e tendo conhecimento da causa. Foi com estudo não, foi com tempo e com esforço”, narra.

Passados trinta anos, Nilton já conta mais de 500 mil mudas plantadas por ele e seus incontáveis colaboradores. Muitas árvores já estão maduras, enormes “precisando de três homens pra abraçar”, orgulha-se.

Na época em que esteve à frente da ONG Bombeiros Voluntários de Santa Teresa, o viveiro produzia de 20 a 25 mil mudas por ano e os plantios eram feitos principalmente em parceria com os juizados criminais especiais, em que plantar árvores eram as “penas” determinadas pela Justiça local.

Desde 2012, a produção é na sua casa, em frente à Prefeitura, a partir de mudas também coletadas por ele mesmo, e nas oficinas em escolas da região e de Vitória. “O que eu faço mais hoje é as oficinas nas escolas”, conta. As próprias escolas, após três a quatro meses da primeira oficina, o convocam novamente para fazer os plantios, geralmente feitos em propriedades particulares de Santa Teresa, priorizando a recuperação de nascentes.

Se é trabalhoso? “Dá, dá trabalho sim”, admite. O preparo de uma oficina dura em média uma semana. “Não é fácil não”. Em sua geladeira, são de 50 a 80 mil sementes, de 30 espécies. Muitas coletadas de árvores matrizes plantadas por ele mesmo. A comunidade também doa, joga no seu quintal.

Volta ao paraíso

Igrejas, entidades filantrópicas e órgãos públicos diversos são outros parceiros frequentes de Nilton, que faz tudo de forma voluntária. A procura tem aumentado cada vez mais e até em Vitória ele já foi solicitado para ministrar oficinas. Foi homenageado duas vezes na Assembleia Legislativa, foi capa de revista e personagem de várias matérias em mídia estadual e nacional. “Faço por boa vontade. É um vício. Minha vida foi sempre assim”, revela.

Perguntado sobre o Programa Reflorestar, o porquê de tanta morosidade em resultados, contrastando com o excesso de propaganda governamental, Nilton também não encontra explicação plausível e convoca: “O Reflorestar tem que se apresentar e colocar a mão na massa. Estamos num período tão bom de plantar, a perda é tão pouca, que eles poderiam estar plantando, estar reflorestando …”

Dona Odites também não desiste do seu sonho. Sabedora do poder curativo e preventivo de uma alimentação baseada em frutas – ela mesmo sendo a prova viva, com sua surpreendente lucidez e vitalidade, aos 85 anos –, sentencia: “O dia em que transformarmos todas essas terras em pomar, o homem voltará ao paraíso e, aí, teremos vergonha de ficarmos doentes, porque a palavra doença será sinônimo de ignorância”, profetiza.

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