No entendimento da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPE-ES) e do Grupo Interdefensorial Rio Doce (GIRD), do qual ela faz parte, essa cláusula tem atuado como um instrumento de renúncia de direitos dos impactados, na medida que, ao assinar um acordo referente à indenização por um único ou um conjunto de danos sofridos, o atingido ficará impossibilitado de, no futuro, ser indenizado por outros danos que tenha sofrido, visto que a citada cláusula faz daquele acordo, uma forma de “quitação geral, ampla e irrestrita” de seus direitos.
Desde novembro de 2016, o GIRD formalizou sua indignação com a cláusula dos acordos em curso por meio de uma nota técnica e de uma defesa oral junto ao Comitê Interfederativo Rio Doce (CIF), responsável por fiscalizar as ações e programas da Fundação Renova. “O Comitê tem papel importante na defesa dos impactados. É necessário um posicionamento em favor dos atingidos”, sustenta o defensor público estadual Rafael Mello Portella Campos, membro do GIRD.
O Grupo também tem realizado tratativas diretamente com a Renova, mas até o momento não obteve posicionamento favorável de nenhum dos dois. “Esperamos que a questão da quitação geral de direitos seja resolvida antes do início do Programa de Indenizações, para que o impactado seja atendido de forma transparente e segura. Caso contrário, não descartamos a juducialização da questão”, explica o defensor público.
Rafael ressalta que um dos princípios da Defensoria Pública é trabalhar pela resolução extrajudicial dos conflitos, ou seja, promover acordos diretos entre as partes ao invés de buscar a judicialização, a realização de processos na Justiça.
Porém, é preciso que os acordos sejam transparentes, seguros e justos, o que não está acontecendo nos acordos realizados entre a Fundação Renova e os atingidos, a maioria deles sem muito conhecimento sobre linguagem jurídica. “Queremos evitar que as pessoas sejam prejudicadas devido à sua posição de vulnerabilidade”, explica.
Atualmente, a DPE-ES está com um escritório em Linhares e planeja abrir outras unidades em Baixo Guandu e Colatina, o que é pouco, na avaliação de Rafael, pois o ideal seria ter um defensor em cada comunidade atingida.
De qualquer forma, nos mesmos municípios, a Fundação Renova quer fazer funcionar escritórios voltados ao Programa de Indenização Mediada (PIM) e às questões dos cadastros e auxílios emergenciais. “Vai haver um momento q as pessoas vão procurar os escritórios pra saber o que está sendo proposto pela empresa e é preciso que elas estejam bem esclarecidas e amparadas”, afirma.
Mais de R$ 80 milhões com advogados
O momento é de muita cautela, devido à conjunção de três fatores. Primeiro, a situação de abandono em que se encontram os atingidos – muitos dos quais sequer foram reconhecidos como tal; outros tantos, mesmo reconhecidos, ainda não cadastrados; e uma outra parcela que, mesmo já cadastrados (e recadastrados mais de uma vez) ainda não recebem sequer o auxílio emergencial de subsistência.
O segundo fato é a pressão que a Samarco-Vale-BHP passará a fazer, assim que seus escritórios forem abertos, para estabelecer todos os acordos de indenizações com os atingidos até o final do ano. E o terceiro é o assédio de advogados particulares diversos sobre os atingidos, prometendo resoluções rápidas e “mais vantajosas”, a partir de comissões de 30% sobre o valor conquistado.
Logo nas primeiras semanas após o crime, houve um assédio grande junto a pescadores, principalmente, e muitos acabaram assinando contratos. Os processos, porém, não resultaram em nenhum benefício para os atingidos.
No último dia 9, um novo assédio violento foi promovido pela Colônia de Pesca de Linhares, que convocou uma reunião com várias comunidades da Foz e também de Colatina e Baixo Guandu, apresentando um advogado que prometia as mesmas vantagens de um ano atrás e, mais, orientava que os atingidos que estivessem com processos na Justiça por meio da Defensoria Pública, que anulassem os mesmos e fechassem contrato com ele.
E enquanto isso, a Samarco-Vale-BHP já gastou mais de R$ 80 milhões com advogados.