As razões de tamanha diversidade de espécies e ambientes se devem a algumas peculiaridades. A primeira é a localização. Estamos numa área de transição entre os ambientes subtropicais, ao Sul, e os tipicamente tropicais, ao Norte, o que permite a convivência de espécies dos dois extremos, aumentando a biodiversidade.
A gigantesca Cadeia Vitória-Trindade é outro fator importante. Em alto-mar, onde a profundidade chega a quatro mil metros, essa monumental cadeia montanhosa submersa cria pequenos oásis, com profundidades na casa dos 100 a 200 metros, provocando a subida de correntes de fundo, mais ricas em nutrientes, e atraindo a vida marinha, que ali encontra refúgio para reprodução e alimentação.
Abrolhos é aqui
O Banco de Abrolhos, famoso por suas belezas naturais e elevada diversidade de espécies, também soma fortemente. Apesar de estar localizado em territória baiano, o Banco de Abrolhos é bem maior e tem início na Foz do rio Doce, mais precisamente na região da Barra do Riacho, em Aracruz, onde a plataforma continental começa a se alargar de forma excepcional. Novamente, águas mais rasas significam mais luz do sol e mais vida.
Em Abrolhos, o fundo não é lamoso, é arenoso, composto basicamente de carbonato de cálcio, que forma muitos corais e as famosas algas calcárias. O Banco de Abrolhos e todo o litoral do Espírito Santo abrigam um dos principais bancos de algas calcárias do país. No litoral norte capixaba, elas são mais abundantes a partir da Praia Mole, na Serra.
É fácil identifica-las, são pequenos rodolitos formados por restos de algas e outros organismos que possuem estrutura rígida (carbonato de cálcio) e que, ao morrerem, liberam essas estruturas, que são agregadas umas às outras, formando belas ‘esculturas” coloridas, geralmente com alguma alga viva associada. Fontes privilegiadas de cálcio, a alga calcária é matéria-prima importante para as indústrias de cosméticos e insumos agrícolas e também de produtos medicinais.
Em 1998, foram alvo da cobiça da mineradora Thotam, impedida de se instalar em Santa Cruz graças à tenaz mobilização de moradores, pesquisadores de universidades em vários estados e ambientalistas.
A tentativa da Thotam acionou um alerta para a necessidade de proteção legal dos ecossistemas marinhos da região, especialmente as algas calcárias e a fauna que vive próximo ao fundo do mar. A criação de uma unidade de conservação foi reivindicada logo no início da mobilização, sendo concretizada apenas em 2010, com a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) Costa das Algas e, no seu interior, do Refúgio de Vida Silvestre (ReVis) de Santa Cruz.
Unidades de Conservação
Além da região marinha, as UCs contemplam também uma parte costeira, com objetivo de preservar os manguezais que crescem sobre as formações lateríticas (espécies de rochas formadas a partir da agregação de ferro à areia).
São manguezais raros, formados sem aporte de sedimento de rio. “O que mantém a estabilidade da costa é essa dinâmica de transporte e deposição do sedimento do fundo do mar, pelas correntes marinhas”, explica o oceanógrafo Roberto Sforza, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e chefe da APA Costa das Algas e da REVIS Santa Cruz. “São as únicas UCs federais com esse tipo de manguezal”, destaca.
Como o foco da conservação é a fauna bentônica associada ao fundo do mar, as UCs permitem alguns tipos de pesca. Essa liberação inclusive é parte de uma negociação com a comunidade local, para viabilizar a criação das unidades de forma socialmente harmônica, minimizando possíveis conflitos e favorecendo uma gestão mais eficiente.
Na APA por exemplo não há restrição de pesca e dentro do ReVis são permitidas a pesca de linha e de rede; a de camarão apenas para isca e a de mariscos apenas para consumo próprio. Em ambas, a aquariofilia é totalmente proibida.
Indo em direção ao sul, Guarapari é outro tesouro da biodiversidade marinha capixaba. Os estudos da ictiofauna (fauna de peixes) das Três Ilhas, revelaram que o arquipélago possui a maior diversidade de peixes recifais do país e a terceira maior do Atlântico Ocidental. A região está legalmente protegida desde 1994, por meio da APA de Setiba.
Efeitos da lama
Triste constatar, no entanto, que todo o cuidado em estudar, negociar e fiscalizar o uso dos recursos marinhos nas UCs tenha sido atropelado pelo maior crime socioambiental do país e um dos maiores do mundo.
Os impactos do crime da Samarco-Vale-BHP, sobre a biodiversidade marinha capixaba, estão sendo acompanhados por especialistas. Primeiramente, por meio de expedições com o navio Soloncy Moura e análises de pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), ICMBio, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (Furg).
Já foi detectada presença dos rejeitos de mineração no fundo marinho e alguns níveis de contaminação no pescado dentro das UCs, o que implica, em ambas situações, em alterações das características naturais das unidades. Também foi registrada contaminação do pescado ao longo de toda a plataforma continental, desde o norte do Espírito Santo até Guarapari, ao sul, com mais intensidade na Foz do Rio Doce.
Um ano após esses primeiros estudos, novas expedições e análises serão feitas. “Se esses impactos persistem ou não, só o monitoramento vai dizer”, informa Roberto Sforza. Os novos estudos serão feitos agora por uma rede de universidades federais, em parceria com os órgãos ambientais já envolvidos. O financiamento vem da Fundação Renova, criada pela Samarco-Vale-BHP para realizar os programas e ações de compensação e reparação socioambiental e socioeconômica decorrentes do crime.