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Epílogo de verão: lixo jogado nas areias das praias já chega nos estômagos de animais e até dos humanos

A foto de capa da matéria é do intestino de tartaruga marinha repleto de lixo, especialmente plástico. E ilustra bem um comportamento absurdo, que persiste em pleno século XXI, que gera dados estarrecedores, já razoavelmente conhecidos da maioria da população. Quem nunca viu pelo menos uma cena altamente impactante do acúmulo de lixo nas praias e nos oceanos? Nas redes sociais, nas televisões, nos jornais, essas cenas são reproduzidas, mas ainda não produziram efeitos positivos realmente transformadores, seja no comportamento da população, das indústrias – especialmente de materiais plásticos – ou dos gestores públicos.

Resultado: o lixo continua sendo jogado nas areias e nos rios, indo parar no mar e no imenso oceano, que já parece pequeno para comportar tamanha ignorância humana. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), estima-se que em 2050 haverá mais plástico do que peixe nos oceanos e que 99% das aves marinhas terá ingerido plástico. Os prejuízos causados por essa avalanche de lixo devem chegar a US$ 8 bilhões, segundo a ONU.

Hoje, nos estudos feitos pelo Projeto Tamar, 40% dos animais necropsiados possuem lixo no seu trato intestinal, sendo que a maioria é plástico. “O lixo, para as tartarugas marinhas, é um grande impacto”, afirma a médica-veterinária Cecília Baptistotte, coordenadora regional do Tamar no Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Plástico até no sal que ingerimos

“A ingestão de lixo pode causar obstrução no trato gastrointestinal, levando à morte, pode diminuir o trânsito intestinal, causando impacto no metabolismo lipídico do animal, ou seja, afeta o metabolismo e pode causar perfuração no trato gastrointestinal, causando uma infecção generalizada no animal e levando a óbito”, enumera Cecília, alertando que já estão sendo encontrados resíduos de plástico nos peixes e até no sal que a população consome.

Em uma de suas palestras sobre o assunto, a médica-veterinária cita dados da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, que estimam o consumo mundial de sacolas plástico entre 500 bilhões e 1 trilhão de unidades por ano. O plástico corresponde a cerca de 70% do total de lixo jogado nos oceanos e apenas 1% das sacolas utilizadas no mundo são recicladas.

Microplásticos são maioria!

Um estudo feito pelo jornalista João Malavolta, em conjunto com a Escola Técnica Estadual de Itanhaém, na praia dos Pescadores, na cidade de Itanhaém, litoral de São Paulo, revelou que 88% do lixo plástico encontrado na região era formado por microplástico (com tamanhos menores que 5 mm).  

Essas partículas tornam a contaminação da água e dos animais – humanos inclusive – ainda mais difícil de ser controlada. No estudo, o jornalista explica que existem basicamente dois tipos de microplástico: os que já são produzidos em tamanho micro, servindo com abrasivos em produtos de limpeza industrial, doméstica e também em cosméticos, como cremes esfoliantes e pastas de dente; e os gerados por meio da fragmentação/decomposição de fragmentos maiores, por meio dos raios solares ultravioletas (UV).

“A solução para os problemas ambientais visando à diminuição do consumo de plástico e seu descarte inadequado deve passar por um amplo trabalho de educação para a sustentabilidade junto aos povos, e um novo pacto entre os governos, indústrias, sociedade civil e demais tomadores de decisão, para a busca de soluções conjuntas, que consigam criar cenários que favoreçam a diminuição do consumo de embalagens descartáveis, a economia circular e o uso racional dos bens naturais”, pondera João.

No litoral capixaba, assim como na maioria das praias brasileiras, chama atenção o descaso absoluto com o destino dos resíduos sólidos. Em Praia de Carapebus, por exemplo, no município metropolitana da Serra, foram os guarda-vidas que providenciaram a única lixeira em toda a extensão da praia. 

Leve o seu lixo e o dos outros também

Instalada próximo à Lagoa de Carapebus, ajudou a reduzir um pouco o lixo jogado nas areias e, fatalmente, “engolido” pelo mar, pelos peixes, golfinhos, tartarugas … “Levei um latão que tinha no meu quintal, o Napoleão comprou a tinta pra pintura e o Bruno ajudou a montar tudo”, narra o guarda-vidas local Arnaldo de Jesus Pereira.

Frequentador assíduo da Praia de Carapebus, o educador físico Sérgio Falcão Salgado é uma das exceções à regra, integrante de um “time” que tem crescido, felizmente, o dos banhistas que não só levam o próprio lixo embora, mas também recolhem outros resíduos que encontra no caminho de areia até o mar e ao redor de sua canga/guarda-sol. “Eu e minha família acreditamos que devemos fazer a nossa parte, deixando a praia em melhores condições do que a encontramos”, conta. 

Mas, afinal de contas, por quê?

A educadora ambiental Roberta Cordeiro Fassarella arrisca uma explicação para a persistência de um comportamento tão arcaico, em pleno século XXI, que é o de jogar o lixo fora da lixeira, seja nas ruas, praças ou praias. “Quanto mais as pessoas se entendem dissociadas do ambiente, menos elas refletem a respeito de ser-estar naquele (eco)sistema. Subjacente, estou falando da indiferença, responsabilidade e do cuidado com as interrelações com os outros e com/no meio em que vivem”, problematiza a pesquisadora.

“O ser humano precisa realmente rever seus conceitos e fazer por onde tornar o mundo um lugar melhor de se viver”, poetiza Sérgio.

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