Nessa explicação sobre o chamado “ecofeminismo”, o cientista, educador, ativista ambiental e autor Fritjof Capra deixa claro como as pautas feministas convergem sempre, direta ou indiretamente, para a pauta ecológica. E uma dessas pautas é o direito ao parto natural, luta que tem crescido intensamente nos últimos anos e tem como ícone a multiplicação de “doulas”, de partos domiciliares e de revalorização e formalização das parteiras tradicionais.
O obstetra francês Michel Odent é outro importante colaborador da luta feminina, feminista e ecofeminista pelo direito ao parto natural. A advogada Priscila Cavalcanti, especialista em Direitos Reprodutivos da Mulher, cita Odent em um de seus artigos sobre a relação entre parto natural e consciência ambiental, publicado em maio de 2009 no site O Eco.
“No livro “Gênese do Homem Ecológico – Mudar a vida, mudar o nascimento, o instinto reencontrado”, (…) ele fala da ‘revolução ecológica’ e diz que surgirá uma ‘solidariedade entre as espécies vivas’ e que o ‘homem ecológico’ precisa surgir de uma nova forma de nascer, mais ligada ao nosso aspecto natural”, escreve Priscila.
Eco-obstetrícia
Odent também é citado por Maira Domingues, em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) como Bacharel em Ecologia na Universidade Estadual Paulista, intitulado “Reflexões sobre ecologia e parto”, em 2012. “Odent se refere ao termo ‘eco obstetrícia’ para designar uma transformação cultural em que a prática obstétrica caminhe conjuntamente com uma sociedade que valorize e preserve a individualidade e o contato com as raízes humanas”, destaca a ecóloga.
Os livros de Odent estão entre os mais lidos pelas gestantes ou pré-gestantes, de todo o mundo ocidental, que desejam um parto natural. Um dos pioneiros a publicar livros sobre o assunto, ao lado do também obstetra francês Frederick Leboyer, Odent tem, no Brasil, um Instituto que visa a divulgar seus ensinamentos sobre parto natural.
O Brasil é o país campeão em cesárias. O índice já chegou a 80% do total de partos registrados no país. Em 2015, segundo notícia publicada pela Agência Brasil, foi a primeira vez, desde 2010, que o número de cesarianas na rede pública e privada de saúde não cresceu, tendo caído 1,5 ponto percentual, chegando a 55,5%, contra 44,5% de partos normais. Em 2016, informa ainda a matéria, o governo federal lançou mais uma ferramenta para reduzir o percentual de cesarianas desnecessárias.
O atual índice ainda é muito acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que estabelece um teto de 15% como ideal. “Reduzir as taxas de cesáreas no país é essencial para a melhoria dos índices de morbi-mortalidade materna e infantil”, afirma o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em um material de divulgação sobre Violência Obstétrica.
Violência obstétrica
No panfleto, a Defensoria a caracteriza como a “apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, através do tratamento desumanizado, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, causando a perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres”.
Essa violência ainda é muito comum no Brasil, onde, como bem posiciona Maira Domingues, a formação médica prioriza muito mais os aspectos referentes às anomalias do que “o funcionamento hormonal e fisiológico espontâneo da mulher e em como auxiliar para que esta descarga de hormônios ocorra em sua potência, diminuindo a chance de riscos e intervenções; o cuidado com o local e momento do parto, fazendo deste um ambiente de conforto e segurança para mulher é essencial para isto. É fundamental o papel médico de intervir num processo fisiológico quando este confere risco à saúde e à vida, porém, o que tem ocorrido é que não há uma preparação do profissional para acompanhar um nascimento saudável, se tornando este mais um tão corriqueiro ‘parto de risco’”, analisa a ecóloga.
Felizmente, o número de profissionais de saúde que têm procurado se especializar em parto humanizado cresce exponencialmente, assim como a participação das doulas no pré-natal, parto e pós-parto.
Mais intuição e menos razão
A engenheira agrônoma, bailarina, instrutora de yoga e doula Juliana Coura, é uma das defensoras das doulas na vida de toda gestante. Grávida pela terceira vez – os dois primeiros partos foram domiciliares, “tranquilos, naturais e fisiológicos”, “uma experiência muito mais intuitiva do que racional” –, conta que a maternidade foi determinante no seu processo de reconexão com o “primitivo feminino, a Grande Mãe, o Selvagem no sentido do natural, do primordial”.
Sendo o contato com a natureza sempre muito presente na sua vida, desde criança, e a carreira profissional, como agrônoma, totalmente voltada para a sustentabilidade, por meio da agroecologia, dos movimentos sociais e ambientais, a escolha pelo parto domiciliar foi natural.
Mas, durante a preparação, principalmente na primeira gestação, foi percebendo com quantos padrões ela precisa romper e quantos tabus precisa quebrar para realizar algo que, em essência, é absolutamente natural. “É um confronto contra esse sistema que está aí, que polui, que degrada, que explora. E tem consequências na escolha da alimentação, na educação dos filhos”, reflete.
Juliana lembra que a identificação com a natureza é essencial no parto natural, pois ela que permite o sentimento de “ausência de medo e a confiança no nosso poder de fazer isso”. “Você entrega e confia”, relata.
A artesã e indígena Jéssica Martinelli Santos, após uma gestação nutrindo-se permanentemente do conhecimento ancestral das parteiras guarani, suas vizinhas e amigas na aldeia natal do marido, em Aracruz, onde ainda moram, conta que essa confiança na sua capacidade de parir sem interferências externas e na clareza de suas necessidades durante esse momento tão especial, foram fundamentais para que o nascimento de sua primeira filha tenha sido uma experiência tão bonita e transformadora.
“Pari sem nenhuma intervenção, e tive a total liberdade de fazer do meu jeito (posição, banho quente, massagem com óleo, o pai do meu lado, músicas para acalmar e motivar), e detalhe: o pai cortou o cordão”, relata.
O parto foi em um hospital público, onde foi preciso gritar, literalmente, para ser respeitada. Abandonada no corredor, exigiu uma sala onde pudesse ter o mínimo de privacidade e conforto. “É preciso se impor, mostrar que você não está à mercê”, ensina.
Ancestralidade e Respeito
A consciência ambiental, responde, aflorou na mudança alimentar. “Sempre fui muito carnívora, mas, depois que engravidei, tomei nojo de carne e não voltei a comer até hoje”, diz.
A alimentação também é citada como exemplo de transformação vinda com a maternidade. “Principalmente a alimentação orgânica”, destaca.
Para a também doula Marri Mota, a dimensão ecológica de sua experiência com o parto natural se manifestou, na prática, com a substituição do absorvente descartável pelo coletor de silicone e com a certeza de que o próximo bebê só usará fraldas de pano. “Estou fortalecida o suficiente pra conseguir”, afirma.
E faz questão de destacar que os desdobramentos práticos têm uma origem espiritual. “Acredito que me liguei de uma forma diferente com minha ancestralidade”, pondera. Os impactos ambientais que sofremos hoje, acredita, “são causados pelo desrespeito”, que parece ser apenas contra a Natureza, externa a nós, mas que começa, assim como pode ser curado, exatamente no respeito a uma forma mais natural e saudável de nascer.
“A criança que nasce de um parto natural passou por outro tipo de procedimento, de menos sofrimento e mais amor”, concorda Roberta. O cuidado com a natureza brota, então, assim como o sentimento de que “somos um, somos natureza também … uma coisa vai puxando a outra”, diz.