Uma ilha de bio e sociodiversidade em meio às indústrias
A conservação florestal e hídrica realizada pelos indígenas da Mata Atlântica impressiona ainda mais do que a realidade encontrada na Amazônia, devido à intensa ocupação urbana e industrial do bioma. No Espírito Santo, esse paradoxo quase heroico dos indígenas atinge, talvez, o ponto culminante.
“A comunidade indígena Tupinikim-Guarani [de Aracruz] é provavelmente a que possui o maior número de empreendimentos no seu entorno, impedindo a manutenção do seu modo de vida original. Exigir que os índios vivam apenas da pesca e do extrativismo ficou inviável com a poluição gerada por indústrias, estaleiros, ferrovia, portos, etc.”, analisa o procurador da República em Linhares, Paulo Henrique Camargos Trazzi, em artigo reproduzido na página do Ministério Público Federal (MPF-ES).
Esse sentimento é realmente consenso dentro das comunidades. “A principal luta do meu povo aqui no Estado e a de resistir em meio a tantos empreendimentos”, afirma Maynô Cunha da Silva, educador indígena e jovem liderança guarani.
Jaguareté ressalta a cumplicidade do Estado, em níveis municipal, estadual e federal, que licencia os empreendimentos “passando por cima dos direitos dos povos indígenas”, como a Constituição de 1988 e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “A Convenção 169 fala sobre a forma como a comunidade deve ser comunicada e que a comunidade tem que ser livre pra expressar a sua vontade, isso em relação até aos empreendimentos. Mas infelizmente não é o que acontece, o que leva as comunidades a se manifestarem, protestarem”, explica a liderança tupiniquim.
Território
A professora Arlete Schubert, doutoranda em Educação e pesquisadora em Territorialidade Indígena no ES, destaca a importância do território para a identidade cultural dos indígenas. “Eles não podem viver sem o seu território; não podem abrir mão de suas memórias e tradições”, afirma.
Nesta Semana dos Povos Indígenas, Arlete relembra a diáspora tupiniquim, nas décadas de 1950 e 1960, quando as grandes empresas começaram a tomar suas terras, expulsando-os e queimando suas casas. A pesquisadora conta que os vínculos com o território permaneceram, mesmo à distância e, na primeira autodemarcação das terras, muitos deles voltaram, refundando antigas aldeias. E cita a fala de uma das anciãs tupiniquins: “Se as crianças não aprenderem os costumes, não vão aprender depois na escola É na comunidade que se aprende a ser índio”.
Convite
“O Dia do Índio é uma data, mas todos os dias nos estamos aqui na nossa tekoa, vivendo, resistindo e preservando os nossos maiores tesouros, que são os conhecimentos tradicionais. Estamos sempre à disposição para recepcioná-los e mostrar um pouco da nossa vivência. Vamos quebrar esse estereótipo do índio colonial e trazer a realidade, o indígena do século XXI, que usa muitas coisas da sociedade não-indígena, mas que não deixa de viver sua cultura ou de falar a sua língua por isso”, convida Maynõ.