Em tempos de vacas magras na economia, o governo do Espírito Santo continua abrindo os cofres públicos em favor dos empresários. A previsão é de que o Estado deixe de arrecadar R$ 4,62 bilhões por conta de incentivos fiscais de 2017 a 2020. Somente este ano, o governo Paulo Hartung (PMDB) oferecerá R$ 1,1 bilhão ao empresariado por meio de renúncias fiscais. Todos os dados constam do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de 2018, que passou a tramitar na Assembleia Legislativa nesta terça-feira (2).
O total da renúncia fiscal estimada para 2017 é 4,73% maior do que a prevista no texto da LDO em vigor. No comparativo entre os setores contemplados pelos incentivos, os atacadistas seguem como os maiores beneficiados – ao longo desses próximos quatro anos, o setor deixará de arrecadar R$ 2,93 bilhões. Na sequência, um novo setor industrial tomou a segunda colocação entre os maiores incentivos: o de venda não presencial. Na primeira vez que constam na LDO, as empresas do segmento deixarão de recolher R$ 550,2 milhões até 2020.
Pela nova projeção, as empresas metalmecânicas perderam espaço entre os segmentos industriais abraçados por Hartung, cuja projeção de renúncia fiscal é da ordem de R$ 275,3 milhões até 2020. Para efeitos de comparação, o setor metalmecânico tinha uma renúncia prevista para 2017 pela antiga LDO de R$ 134,9 milhões, valor que atualizado caiu para R$ 65,9 milhões – de acordo com o novo projeto de lei.
Segundo as projeções do governo para os próximos quatro anos, mais segmentos vão se beneficiar da política de incentivos do governo capixaba: alimentos (R$241,6 milhões); vestuário (R$ 83,7 milhões); material plástico/embalagens (R$ 40,9 milhões); móveis (R$ 95,5 milhões); e outros (R$ 400 milhões). Esse último inclui empresas dos setores de bebidas, rochas ornamentais, perfumaria /cosméticos, tintas/complementos, argamassa/concreto e indústria gráfica.
Na justificativa para concessão dos incentivos fiscais, o governador volta a bater na tecla da necessidade para atrair investimentos. “Os benefícios concedidos têm proporcionado o esperado aumento do faturamento das empresas dos segmentos beneficiados, o que acaba por trazer mais recursos aos cofres estaduais, situação que provavelmente não ocorreria, caso as empresas não tivessem a oportunidade de concorrer de maneira menos desigual com as empresas dos grandes centros do nosso país”, afirma Hartung.
Para tentar comprovar essa afirmativa, a LDO se vale de uma tabela que demonstra uma evolução do faturamento das empresas. Só que o mesmo não pode ser dito em relação à arrecadação de ICMS, cujos principais setores vêm registrando queda no recolhimento de tributos desde o ano. Então como os benefícios podem ser considerados como importantes para os demais contribuintes? Essa pergunta o governo capixaba – e Hartung – não respondem, tampouco sobre qual a forma de compensação desses incentivos.
A mesma LDO traz outro dado que coloca em xeque o discurso utilitário da política de incentivos fiscais. De acordo com o próprio Estado, a Secretaria da Fazenda (Sefaz) não consegue arrecadar o ICMS previsto há três anos. Em 2016, foi registrada a maior diferença entre o valor orçado e o devidamente realizado – era previsto o recolhimento de R$ 9,73 bilhões, mas só R$ 8,6 bilhões chegaram aos cofres públicos, uma diferença de 11,65%.
MPC cobra maior transparência
Apesar dos vultosos números envolvidos, a questão da renúncia fiscal é tratada com certa obscuridade pelo governo Hartung. Tanto que o Ministério Público de Contas (MPC) cobra informações complementares – daquelas já publicadas – sobre os incentivos concedidos pelo governo capixaba. Além da abertura dos dados sobre benefícios entre 1989 e 2016, o órgão ministerial pediu acesso aos estudos técnicos que balizaram o cálculo da renúncia fiscal do Estado de 2017 até 2019, além dos valores acumulados em créditos de ICMS este ano.
No fim do ano passado, o plenário do Tribunal de Contas do Estado (TCE) julgou improcedente uma denúncia feita pelo Fórum das Carreiras Típicas do Estado (Focates), que também pedia a abertura da “caixa preta” dos benefícios. Alegando a existência de sigilo fiscal, a Secretaria da Fazenda negou acesso aos valores do patrimônio e a renúncia fiscal por cada empresa incentivada. A solicitação direta dos dados faz parte da nova estratégia do MPC para garantir o acesso aos dados que, nos últimos anos, vem sendo escondidos.
Os incentivos fiscais também são alvo de ações judiciais, contestando a fórmula adotada pelo governo capixaba. Há mais de quatro anos, o governo de São Paulo recorre ao Supremo Tribunal Federal (STF) para declarar a inconstitucionalidade dos chamados Contratos de Competitividade (Compete-ES). Em novembro passado, a Procuradoria paulista acusou o governador Paulo Hartung de promover uma “maquiagem legislativa” para garantir a manutenção dos incentivos à revelia da legislação. Já que houve a convalidação dos antigos benefícios, concedidos via decreto, o que é proibido pela Constituição Federal.