Além de reduzir a captura incidental, outros objetivos específicos do PAN focam na redução dos efeitos da poluição e no aumento do envolvimento da sociedade e da proteção das áreas de reprodução e alimentação. Tudo isso para manter a tendência de recuperação das populações, já comprovada.
Esse é o segundo ciclo do PAN, que vale de 2017 a 2022, com atualizações anuais. E agregou mais instituições parceiras que o primeiro, de 2011 a 2015. “Um plano de ação para a conservação de cinco espécies migratórias, que utilizam todo o mar territorial brasileiro e milhares de quilômetros de praias, só pode ser executado com a ajuda de parceiros, que auxiliam na execução das ações”, destaca o técnico ambiental do Centro Tamar-ICMbio/ES, Evandro Arruda de Martini.
O PAN foi escrito em Regência, comunidade pesqueira na Foz do Rio Doce, em Linhares (norte do Estado), e endereço de uma das três primeiras bases do Projeto Tamar criadas no país, no início da década de 1980. O litoral norte do Espírito Santo abriga o único ponto de concentração de desovas da tartaruga-gigante no país e o segundo maior sítio reprodutivo da tartaruga-cabeçuda.
Parceria com pescadores
O oceanógrafo Joca Thomé, um dos primeiros coordenadores da Base de Regência, é hoje coordenador nacional do Centro Tamar/ICMbio e destaca o trabalho feito em conjunto com os pescadores para reduzir a maior ameaça, hoje, às tartarugas marinhas, por meio da criação de novas tecnologias de pesca e de áreas protegidas para as espécies.
Desenvolvido a partir de contribuições de pesquisadores de várias partes do mundo, o anzol circular está sendo testado com sucesso, no Espirito Santo, em Itaipava, município de Itapemirim (sul do Estado), onde está a maior frota de espinhel do Brasil. “Os pescadores têm sido receptivos, abrindo suas embarcações. Vamos intensificar o trabalho esse ano”, conta.
A nova tecnologia reduz em até 70% a captura incidental de tartarugas marinhas. Com a ponta voltada para baixo, ao invés da ponta para cima dos anzóis tradicionais, em formato de “J”, o anzol circular impede que as tartarugas sejam capturadas pelo pescoço ou pela nadadeira quando passam pelo espinhel – longas linhas com centenas de anzóis, dispostas geralmente à noite para a pesca oceânica de atuns, dourados e afins, e recolhidas na manhã seguinte. E mesmo quando a tartaruga engole o anzol, ele não se agarra na garganta ou na traqueia, mas apenas na boca.
Nesse tipo de pesca, de espinhel, explica o oceanógrafo, reduzir a captura incidental de tartarugas significa também reduzir significativamente os prejuízos dos próprios pescadores. “Eles podem perder quase o espinhel inteiro. Uma única tartaruga que se prende pode fazer perder a pesca inteira de uma noite”, diz. A intenção é difundir a tecnologia entre os pescadores do setor, sem necessidade de norma legal.
'Espécies-bandeira'
Mais de três décadas depois de terem sido consideradas quase extintas do litoral brasileiro, as tartarugas marinhas vivem um momento de franca expansão de suas populações – o Brasil registra cinco das sete espécies que existem no mundo –, mas “a crescente urbanização da costa, para fins de moradia e instalações industriais, e o declínio dos recursos pesqueiros”, segundo destaca nota técnica do Centro Tamar/ICMBio, mantêm o nível de alerta para a conservação.
Todas as cinco espécies que se reproduzem e se alimentam no Brasil – no Espírito Santo destacam-se a gigante, a cabeçuda e a verde – continuam ameaçadas de extinção e necessitam de um amplo esforço conjunto, de várias instituições ambientais e científicas, públicas e privadas, para a proteção desses carismáticos animais.
Importante lembrar que, sendo “espécies-bandeira”, as tartarugas marinhas atuam como ícones, irradiadores de ações que beneficiam um universo muito maior. No Brasil e em vários outros países, proteger as tartarugas marinhas significa melhorar a qualidade ambiental dos mares e das praias e melhorar a qualidade de vida nas comunidades costeiras onde as tartarugas ocorrem.
Em Regência, por exemplo, onde está o maior sítio reprodutivo da tartaruga gigante e o segundo maior da cabeçuda no Brasil, as ações de conservação das tartarugas marinhas representam o maior gerador de trabalho e renda, mais até que o serviço público municipal e o petróleo.