OBRAS IMPORTANTES DE PÚCHKIN
Púchkin nos deixou diversas obras literárias de valor inestimável, e aqui segue um apanhado que pode ser uma boa demonstração do que foi seu trabalho em literatura, no que segue:
Poltava (1828-1829), uma narração da batalha entre as tropas russas comandadas por Pedro I contra os suecos, incluindo aí a traição de Mazepa, comandante ucraniano, dentre outros acontecimentos.
Borís Godunov (1825), que foi uma de suas maiores obras, drama histórico, o qual está dividido entre duas personagens: o Czar Borís Godunov, que era um político hábil e firme, e o falso Dmítri, o impostor, que intentava se tornar czar com a ajuda e intervenção de tropas estrangeiras.
Púchkin também se aventurou nos contos populares, no que nos deixou obras como o ensaio O Czar Saltán (1831), O Conto da Princesa Morta e dos Sete Cavaleiros (1833), Conto sobre o Galo Dourado (1834), e mais outros escritos.
Destacado como poeta, Púchkin também deu grande contribuição como prosador, com as suas Novelas de Bélkin (1830), no que temos O Tiro de Pistola e A Tempestade de Neve, que funcionam como ótimas paródias para os cânones da literatura romântica, nas quais o desfecho não se dá de forma trágica como no clichê romântico, mas com um fim auspicioso.
Por fim, também se destaca na sua obra escritos como A Dama de Espadas (1834) e A Filha do Capitão (1836), os quais são o anúncio do futuro romance realista russo, e que colocará o nome dos sucessores de Púchkin nesta senda nas alturas da literatura mundial, fazendo com que a importância de Púchkin para todo este cenário que vai se desenhar se dê como uma verdadeira fundação, o alicerce histórico principal da literatura russa, uma das maiores do mundo.
Temos ainda, para encerrar, a influência de Púchkin nas outras artes, tais como a música e o cinema, pois o romance-poema Evgueni Onéguin, um dos mais célebres da obra de Púchkin, serve de motor para a inspiração de Piotr Tchaikovski. Por sua vez, Borís Godunov ganha uma adaptação para o palco com o compositor Modest Mússorgski sob a forma de ópera, e a novela A Dama de Espadas vira a base de confecção de um filme inglês de Thorold Dickinson; e o romance A Filha do Capitão é uma das fontes que vai guiar o grande Lev Tolstoi no seu romance monumental Guerra e Paz, além de grande parte de sua obra em poesia ter sido traduzida para o francês por Prosper Mérimée, escritor francês do séc. XIX.
POEMAS
AO GÊNIO FAMILIAR: O poema começa com uma petição ao duende protetor, a sua casa, a família do poeta, está nesta declaração de proteção que anseia o poema e o poeta com seus versos: “Protetor desta calma herdade, a quem não vejo,/Ouve-me, duende bom, a petição:/Guarda o bosque, o jardim agreste, o lugarejo/E dos meus a modesta habitação!”. O clima de jardim e de bosque toma o ambiente, e o poeta clama a seu guardião, pois: “À porta de meus pais fica, oculto guardião;/Dá medo a quem forçá-la à noite acaso intente;/Dá, contra o olhar malevolente,/À feliz casa proteção!”. A malevolência e o ardil estão desde já impedidos de entrar no nobre poema, que segue: “Ama dos cerros o pendor/Verde, as várzeas por onde errei com indolência./Da tília a sombra e do ácer o rumor:/Deles meu estro tem ciência.”. O estro, enfim, se dá como esta ciência dadivosa de proteção espiritual contra os males que cercam o auspício e a inspiração poética.
A ONDINA: O poema se dá aqui no contexto de toda busca monástica, da vida ascética e seus desafios, no que logra diante do ente feminino, possuidor do encanto potente que desarma o jejum, a prece e a reza, e aqui o poema começa no refúgio de um lago meditativo: “Diante de um lago, entre carvalhos,/Um monge outrora se isolou,/E, sem pausa, a ásperos trabalhos,/Jejuns e preces se entregou.” (…) “E desejava, a orar, somente,/A morte dos que santos são./Rezava, um dia, o anacoreta,/Da choça caduca no umbral./Era no estio. De cor preta/Foi-se tornando o carvalhal./No lago a névoa se espessava;”. O espesso e úmido clima de névoa, o poema logo dá o ar que vai lhe dominar de fato, não os anseios do asceta, mas suas fraquezas diante da sedução: “O monge as águas pôs-se a olhar.” (…) “Dali mulher nua se eleva/E, muda, senta-se no areal./Penteando os úmidos cabelos,/Põe-se ela o ermitão a fitar./Dela os encantos, só com vê-los,/De pavor ei-lo a tiritar./Move a cabeça fugazmente/A moça, e o chama com a mão,”. A moça, sem subterfúgios, vai direto ao monge e lhe chama, com um súbito desejo de lhe tirar do refúgio de anacoreta renunciante: “O ancião passou a noite em claro e o/Inteiro dia não rezou:/Seu pensamento involuntário,/Sempre, ante si a moça achou.”. A moça, desde que lhe aparece e lhe convoca, lhe tira o foco em seus exercícios, e lhe perturba os pensamentos, no que o poema segue: “na praia/De novo a moça vem sentar./Fita-o, movendo a fronte o chama,/Beija-o de lá como quem ri;”. E enfim a moça lhe faz o apelo, com seu sopro feminino que agora reina no poema: “Convida-o e, a gemer, arrulha:/“Monge, vem cá! Monge, vem cá!”” (…) “o eremita/Na praia encantada sentou/À espera da moça bonita …/O carvalhal negro ficou,”. E ali ele esperou, o monge com sua visão do desejo e da boa vida.
TSÁRSKOIE SELÓ: O poema começa diante do guardião das memórias, e o poeta tenta colher uma sapiência na recordação, da infância à adolescência, nos bosques onde o poeta amou, onde lhe cresceu os sentimentos, e que no poema ele descreve que, enfim, nos domínios da imaginação, ele então descobre a poesia, que é seu instrumento precípuo dali em diante, e que lhe torna o grande Púchkin, aqui diluído na sua presença fluida junto com seus versos: “Guardião de cada doce abalo ou prazer ido,/Gênio que és do cantor do carvalho acolhido/Há muito, frente a mim pinta, recordação,/Os sítios magos onde está meu coração,/Os bosques onde amei, cresceu-me o sentimento,/A adolescência deu à infância seguimento,/E, nas mãos da natura e da imaginação,/Conheci a poesia, a paz e a exaltação.”. E segue o poema, agora com a viva visão dos prados, a paisagem se abre de modo magistral, com suma beleza poética: “Outra vez verei os prados tão/Densos, o vale claro e a arbórea moita antiga,” (…) “E do lago sem voz na fulgente ondeação/Do pacífico cisne a altiva habitação.”. E o poema enfim mergulha no lago em que mora o cisne, altiva habitação, destino da poesia, aqui como estro e contemplação.
ESTÂNCIAS A TOLSTOI: O poema entra em choque com a renúncia ainda jovem dos prazeres do mundo, e desafia esta distância do instinto a resgatar seus pendores mais viscerais, no que o poeta convoca o prudente, já tão cedo longe do mundo: “Prudente precoce, os festins/E os gozos mundanos recusas;/Recreios de jovens e afins,/Calado e impassível, acusas./Os jogos de estância e palácio/Trocaste por tédio e aflição,/E a taça dourada de Horácio/Por Epitecto e seu lampião.”. Eis que o poeta tenta lhe influenciar, lhe dar o verdadeiro sopro da vida, que é o mundo concreto, o pulso da vivência em toda a sua potência e atividade mundana: “Convoca, pois, a ociosidade/E as asas ligeiras do amor/E as asas leves da ebriedade!/Sorve o prazer té o final!/Vive tranquilo e indiferente!/Sê dócil à vida corrente,/Sê jovem, se és moço, afinal!”. Enfim, é uma chamada ao jovem renunciante a viver sua juventude como é, a flor da idade em toda a sua vivência sui generis de descobertas e aventuras sem fim, sorvendo o prazer, sendo jovem de verdade.
SEM TÍTULO: O poema abre com o que será seu verso de estribilho, como o talismã que traz a ideia de proteção, e que é escudo contra os males do mundo e da vida: “Protege-me, meu talismã,/Protege-me quando do acosso,/Ou do remorso,”. E o poema segue: “Quando o oceano, em seu afã,/Cobrir-me com ondas uivantes;/De chuva e trovão nos instantes;/Protege-me, meu talismã./No exterior, sem alma irmã;/Na inércia, que a vida entedia;/Na luta acesa, que a angustia;/Protege-me, meu talismã./A sacra e doce crença vã,/Desta alma a estrela encantadora/Fugiu,”. E aqui finda o poema, na sua canção protetora com seu talismã: “Não me arda de novo amanhã/Da dor no imo a atra lembrança./Adeus, sonho, anseio, esperança./Protege-me, meu talismã.”. O poeta dá adeus, mas tem em seu talismã sua fiança de que está bem.
POEMAS
AO GÊNIO FAMILIAR
Protetor desta calma herdade, a quem não vejo,
Ouve-me, duende bom, a petição:
Guarda o bosque, o jardim agreste, o lugarejo
E dos meus a modesta habitação!
O frio ameaçador das chuvas e a outonal
Rajada do tardio vento os campos poupem;
As neves salubres enroupem,
No tempo, o aquoso húmus campal!
À porta de meus pais fica, oculto guardião;
Dá medo a quem forçá-la à noite acaso intente;
Dá, contra o olhar malevolente,
À feliz casa proteção!
Em torno dela faz inspeção rematada;
Ama meu jardinzinho e a ria em que a água jaz
E aquela horta lá por trás
Com portinha caduca e cerca desabada!
Ama dos cerros o pendor
Verde, as várzeas por onde errei com indolência.
Da tília a sombra e do ácer o rumor:
Deles meu estro tem ciência.
(1819)
A ONDINA
Diante de um lago, entre carvalhos,
Um monge outrora se isolou,
E, sem pausa, a ásperos trabalhos,
Jejuns e preces se entregou.
Graças a pá obediente,
A própria cova abriu no chão,
E desejava, a orar, somente,
A morte dos que santos são.
Rezava, um dia, o anacoreta,
Da choça caduca no umbral.
Era no estio. De cor preta
Foi-se tornando o carvalhal.
No lago a névoa se espessava;
No céu o disco ígneo lunar
Morosamente deslizava.
O monge as águas pôs-se a olhar.
Temor involuntário o pilha;
Não pode em si acreditar …
Mas vê que o líquido fervilha
E logo volta a se aquietar …
E logo, leve e branca – treva
Noturna e neve matinal -,
Dali mulher nua se eleva
E, muda, senta-se no areal.
Penteando os úmidos cabelos,
Põe-se ela o ermitão a fitar.
Dela os encantos, só com vê-los,
De pavor ei-lo a tiritar.
Move a cabeça fugazmente
A moça, e o chama com a mão,
E súbito – estrela cadente -,
Sob a água calma vai-se então.
O ancião passou a noite em claro e o
Inteiro dia não rezou:
Seu pensamento involuntário,
Sempre, ante si a moça achou.
De novo o carvalhal desmaia
E a lua sai a passear,
E fascinante e alva, na praia
De novo a moça vem sentar.
Fita-o, movendo a fronte o chama,
Beija-o de lá como quem ri;
Brincando, em si água esparrama,
Gargalha e grita qual guri,
Convida-o e, a gemer, arrulha:
“Monge, vem cá! Monge, vem cá!”
E na água clara então mergulha;
E tudo é só silêncio já.
No dia terceiro, o eremita
Na praia encantada sentou
À espera da moça bonita …
O carvalhal negro ficou,
A alba da noite o preto espanca:
E apenas sua barba branca
Na água um guri que outro avistou.
(1819)
TSÁRSKOIE SELÓ*
Guardião de cada doce abalo ou prazer ido,
Gênio que és do cantor do carvalho acolhido
Há muito, frente a mim pinta, recordação,
Os sítios magos onde está meu coração,
Os bosques onde amei, cresceu-me o sentimento,
A adolescência deu à infância seguimento,
E, nas mãos da natura e da imaginação,
Conheci a poesia, a paz e a exaltação.
Conduz-me agora sob as tílias em fileira,
Sempre caras à minha livre pasmaceira,
À margem da lagoa e à calma inclinação
Dos morros! … Outra vez verei os prados tão
Densos, o vale claro e a arbórea moita antiga,
Das paisagens cor de ouro a estampa minha amiga,
E do lago sem voz na fulgente ondeação
Do pacífico cisne a altiva habitação.
(1819)
*Literalmente “A aldeia do czar”. Trata-se de topônimo, por isto apenas transliterado. A denominação foi mudada, em 1937, para Púchkin, ou, como se diz mais comumente, “Cidade de Púchkin”.
ESTÂNCIAS A TOLSTOI*
Prudente precoce, os festins
E os gozos mundanos recusas;
Recreios de jovens e afins,
Calado e impassível, acusas.
Os jogos de estância e palácio
Trocaste por tédio e aflição,
E a taça dourada de Horácio
Por Epitecto e seu lampião.
Amigo, crê: das compunções
Há de chegar o tempo triste,
Das cismas vãs e inquietações
Sobre a frialdade do que existe.
Aos mortais todos – são guris –
Jove corrompe com brinquedos:
Não soam para os já senis
Os guizos loucos dos folguedos.
Da vida não volta o verdor:
Convoca, pois, a ociosidade
E as asas ligeiras do amor
E as asas leves da ebriedade!
Sorve o prazer té o final!
Vive tranquilo e indiferente!
Sê dócil à vida corrente,
Sê jovem, se és moço, afinal!
(1819)
*Trata-se de Ia. N. Tolstoi , membro do círculo Lâmpada Verde, integrante da União da Prosperidade, grupo então existente, de objetivos progressistas.
SEM TÍTULO
Protege-me, meu talismã,
Protege-me quando do acosso,
Ou do remorso, ou do sobrosso.
Deu-te-me alguém na aflição grã.
Quando o oceano, em seu afã,
Cobrir-me com ondas uivantes;
De chuva e trovão nos instantes;
Protege-me, meu talismã.
No exterior, sem alma irmã;
Na inércia, que a vida entedia;
Na luta acesa, que a angustia;
Protege-me, meu talismã.
A sacra e doce crença vã,
Desta alma a estrela encantadora
Fugiu, mostrando-se traidora …
Protege-me, meu talismã.
Não me arda de novo amanhã
Da dor no imo a atra lembrança.
Adeus, sonho, anseio, esperança.
Protege-me, meu talismã.
(1825)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor
Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com